A Inteligência Artificial (IA) tem moldado a forma como o mercado de tecnologia se comporta no mundo do trabalho. Se por um lado alguns setores da economia temem redução de ofertas de vagas de emprego por causa dessa inovação, por outro, no mundo da tecnologia da informação (TI), ela está abrindo muitas portas, segundo agentes do setor. Em três anos, a exigência de conhecimentos sobre esse tipo de recurso tecnológico quadruplicou em ofertas de vagas de emprego, enquanto a procura por essas vagas cresce exponencialmente, com empresas recebendo milhares de currículos para disputar uma única vaga relacionada à computação.

De acordo com o Barômetro Global de Empregos em IA 2025, estudo realizado pela PwC, no Brasil, o número de vagas que exigem conhecimento nesse tipo de ferramenta saltou de 19 mil, em 2021, para 73 mil, em 2024. O estudo também mostra que os salários aumentaram duas vezes mais rápido na comparação com as posições que não exploram esse instrumento digital. Além disso, dados de 2024 revelam que os setores mais expostos a esse tipo inovação registram um crescimento três vezes maior na receita por funcionário na comparação com aqueles menos expostos.

“Acredito que a inteligência artificial está abrindo novas frentes de trabalho, exigindo dos profissionais — especialmente os de TI — um novo repertório de habilidades. As empresas de tecnologia têm demandado, cada vez mais, pessoas com conhecimento em IA, tanto no uso quanto no desenvolvimento das ferramentas. Isso porque ela vem se consolidando como um componente central em diversas soluções, que vão desde a automação de processos até a análise preditiva e a personalização em escala”, comenta Gabriel Lages, Diretor Sênior de Dados & Analytics na Hotmart.

A Hotmart, inclusive, é uma empresa de tecnologia que nasceu em 2011, em Belo Horizonte, em uma época em que a IA ainda não dominava o mercado - o “boom” de popularização no Brasil só aconteceu em 2022, com a chegada do ChatGPT, da OpenAI. Com uma plataforma digital voltada para hospedagem de cursos online, a Hotmart oferece diversas soluções para os clientes, incluindo ferramentas de automação. Mas para oferecê-las, a própria empresa precisou passar por uma atualização e inseri-las na sua cultura.

E a forma que a Hotmart encontrou para treinar os profissionais foi criar um programa interno, ofertando treinamentos, capacitação e políticas de aprendizado - o JedAI. “Tem toda uma parte de habilitar ferramentas e soluções de tecnologia, para que todos os profissionais da Hotmart sejam fluentes em IA e estejam usando isso no seu dia a dia de uma forma segura, em que a gente consiga ter governança”, comenta Lages. Ele pontua que a empresa sentiu a necessidade de agilizar o processo de capacitação dos funcionários. “No mercado de tecnologia, a gente precisa se transformar muito rápido”, frisa.

Hoje, com a equipe preparada, a Hotmart consegue oferecer recursos como o “Tutor”, um software programado para tirar dúvidas de alunos em tempo real. Ao assistir uma aula, em vez de o aluno enviar um e-mail para o professor e aguardar horas ou dias para a resposta, ele pode enviar a dúvida por meio da ferramenta. O Tutor é treinado com conteúdos da área e responde os alunos com base nas próprias aulas. O programa já respondeu mais de 300 mil alunos com dúvidas.

Profissionais querem trabalhar com IA

Já a jovem startup Dynadok tem a IA no DNA e oferece soluções para automatização dos processos de análise de documentos, por meio desse tipo de ferramenta. A empresa criou um produto que deu tão certo que ela projeta encerrar 2025 com um faturamento de R$ 3 milhões, uma alta de 700% em relação ao ano anterior.

E, de acordo com o CEO, Willian Valadão, a procura por vagas é grande. Ele conta que, recentemente, abriu uma oportunidade de analista de projetos júnior e foi surpreendido pela quantidade de candidatos. “Nós recebemos aqui, em poucos dias, 1.300 currículos. Todo mundo quer trabalhar com Inteligência Artificial. Todo mundo quer trabalhar em uma empresa que tem tecnologia de ponta”, revela.

Para ele, a nova solução tecnológica chegou para revolucionar o mercado e os profissionais precisam aprender a usar para não ficar para trás. “Quando você usa inteligência artificial, você é mais produtivo, você ganha tempo, você é um profissional mais bem preparado e desejado pelas empresas”, afirma Valadão. “Hoje, na Dynadok, todos os nossos desenvolvedores usam ferramentas de automação para aumentar a produtividade. As pessoas que vão perder os empregos são aquelas que não estão se preparando, e aí, as outras estarão muito mais competitivas para ocupar as melhores posições”, opina. 

Fundada em maio de 2024, a Dynadok nasceu após Valadão perceber um “gap” no mercado brasileiro com a falta de produtos que ajudassem a reduzir o tempo gasto na análise de documentos. O insight veio após uma viagem ao exterior, quando ele participou de eventos e conversou com diversos profissionais da área.

Um dos exemplos de uso da solução oferecida pela Dynadok é a análise de documentos de candidatos a bolsas em universidades. O próprio sistema faz esse serviço e pode informar ao candidato se a conta de energia usada para comprovar endereço, por exemplo, está dentro da data exigida. Ou seja, reduz consideravelmente o tempo de análise, quando comparado com a tarefa realizada por um humano.

O Brasil é mercado estratégico para startups de IA

O Brasil é solo fértil para a IA, motivo que chama atenção de startups do mundo inteiro para investir no país. De acordo com o CFO do editor de imagens online Photoroom, Julien Lafouge, o país é considerado um elo estratégico na expansão internacional de empresas de tecnologia. Para se ter uma ideia, em 2024, os investimentos em startups da América Latina cresceram 37% em relação ao ano anterior, alcançando US$ 8,76 bilhões em 830 rodadas, segundo relatório da Sling Hub com o Itaú BBA. O Brasil liderou 7 das 9 maiores rodadas latino-americanas. “No segmento de inteligência artificial, destaque do ano, foram registradas 204 rodadas, das quais 57% envolveram startups com autonomia, que atraíram US$ 1,29 bilhão em aportes”, destaca o executivo. 

Isso acontece porque, segundo Lafouge, o país é um dos maiores mercados consumidores de produtos baseados em imagem, vídeo e interação visual. “Soluções com IA aplicada à edição de fotos, filtros inteligentes, automações criativas e personalização estética encontram no país não só uma base de usuários ativa, mas uma cultura digital que valoriza a imagem como forma de expressão pessoal e social”, diz Lafouge. “A adoção de novas tecnologias costuma ocorrer de forma acelerada no Brasil. Ajustes que levam trimestres em outros mercados podem ser feitos em semanas por aqui, criando um ambiente ideal para validar funcionalidades, coletar feedbacks em escala e refinar produtos com agilidade”, pontua.

Na visão do executivo, o Brasil tem uma formação profissional atrativa também. “Engenheiros, designers e cientistas de dados formam uma base sólida de talento local, com custo competitivo e alta capacidade criativa. Grandes players globais, como Google e Microsoft, já reconheceram esse potencial, estabelecendo centros de pesquisa e desenvolvimento no país para aproveitar tanto o talento local quanto o mercado consumidor em expansão”, argumenta.

Outro ponto que atrai as startups é a diversidade do país. “A pluralidade de contextos culturais, estéticos e sociais cria uma base valiosa para treinar modelos de IA mais justos, amplos e adaptáveis a diferentes realidades. Arrisco dizer que uma tecnologia validada no Brasil tende a ser mais preparada para operar em escala global”, aposta Lafouge.