Enfrentando uma seca severa, apicultores do Piauí preveem prejuízos acima de 50% com o tarifaço do presidente Trump, agravada com a escassez de chuvas. O estado é um dos mais afetados pelo tarifaço, segundo a Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abemel).

A associação estima que o prejuízo seja de cerca de US$ 40 milhões a US$ 50 milhões até dezembro, o que pode ultrapassar os R$ 200 milhões para os exportadores de mel no Brasil. Os Estados Unidos são o destino de 51% das exportações do produto.

Nos primeiros dias de tarifaço, produtores de mel piauienses relatam momentos de angústia e incertezas. Algumas cooperativas apícolas destacam que é preciso buscar clientes dentro do Brasil, estimulando o consumo de mel e atraindo outros mercados como da Asia, Europa e Oriente Médio.

Segundo maior produtor de mel do País, o Piauí, em 2024, exportou dez toneladas de mel e movimentou U$ 25,5 milhões de dólares, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

Filho de uma geração de apicultores do município de Itainópolis (PI), Luis Henrique Oliveira, 28, crê que o impacto da tarifa de Trump ainda é uma incógnita para o pequeno produtor.

"A gente fica angustiado sem saber como serão afetadas as produções futuras. Ainda é uma incógnita e o cenário não é nada bom. O mel é a nossa principal fonte de renda. A safra não foi boa este ano e agora juntou com o tarifaço e os prejuízos serão maiores, creio que acima de 50%", disse Luis Henrique que exportou duas toneladas de mel para o exterior em junho deste ano. Segundo ele, o balde com 25 kg de mel é vendido a R$ 380.

Gerente de uma cooperativa de 18 anos, na cidade de Simplício Mendes (PI), Janete Dias, destacou que a seca reduziu este ano a produção de mel na região e que o impacto do tarifaço será sentido em novembro.

"Vamos sentir esse tarifaço com a nova safra prevista para o final do ano. Hoje estamos no escuro e a luta agora é não perder o enxame nesse período de seca", disse Janete Dias que representa 292 cooperados de núcleo familiar.

Ela garante que não tem pedido parado por não ter matéria-prima, devido à estiagem. "Tínhamos uma previsão de enviar este ano oito contêineres, mas só conseguimos enviar um", disse Janete. Um contêiner tem 19 mil e 200 kg de mel.

Clientes estrangeiros vão assumir tarifa até dezembro

Representando a maior cooperativa apícola do país, a Casa Apis, o presidente Sitônho Dantas informou que conseguiu negociar com os clientes estrangeiros de assumir a tarifa até dezembro.

"A notícia boa é que eles não cancelaram os contratos e autorizaram receber o mel e manter o contrato até dezembro, recebendo de 25 a 30 contêineres, e vão assumir as tarifas e sem redução de preços", disse.

Ano passado, a Casa Apis exportou 1.900 toneladas de mel, um total de 96 contêineres. "Este ano, tínhamos uma previsão de exportar 2.200 toneladas de mel, mas a seca atrapalhou e com a tarifa vai ficar mais difícil, mas o mercado tende a crescer", disse Sitônho.

Ele, que trabalha há mais de 20 anos com a cadeia do mel, defende o estimulo ao consumo interno, principalmente nas escolas. "Temos um mel de alta qualidade e vamos buscar mercados como o da Asia, da Europa e do Oriente Médio".

Segundo Sitônho o impacto da seca atípica vai reduzir de 35% a 40% a produção do mel dos mais de 800 associados dos estados do Piauí, Maranhão e Ceará.

No Piauí, 129 municípios dos 224 existentes estão em situação de emergência, devido à escassez de chuvas. Ontem, o governo do estado anunciou medidas para agilizar a devolução dos créditos de exportação para minimizar efeitos do tarifaço.

De acordo com o presidente da Abemel, Renato Azevedo, o Piauí tem maior potencial de ser afetado entre os três principais exportadores. "Quem perde mais são os produtores e os maiores são Rio Grande do Sul, Paraná e Piauí. O Piauí tem uma produção orgânica, que é tradicionalmente o mais exportado, e tem potencial de ser o mais prejudicado."

A Abemel afirma que a insegurança sobre o futuro do tarifaço é um dos principais fatores que preocupam os produtores. Segundo Azevedo, os estoques estão cheios e os envios de cargas de mel para os portos foram suspensos.

"Os Estados Unidos são o destino de 51% da produção de mel aproximadamente. 30% ficam no Brasil e 19% são enviados para outros países, como os da Europa", diz.

A tendência é que o preço do produto caia, como efeito das tarifas extras, de acordo com o representante da associação. "O preço vai cair. O mel até julho era negociado na faixa de US$ 3.500 a tonelada. A gente estima que vá perder em torno de 30% disso. O volume deve cair 50% na média", diz.

Segundo ele, é muito difícil repor o envio do mel dentro do Brasil. "No mercado brasileiro, é muito difícil repor, seria sair de 30% [de consumo] para quase 80% em seis meses ou um ano."

Enquanto isso, na Europa, além de barreiras comerciais, há diferenças técnicas na classificação do mel orgânico em relação aos EUA, segundo Azevedo.

Apesar dos problemas, as exportações para os Estados Unidos vão continuar, porém, em ritmo menor. "Mesmo que se coloque essa taxa e fique em vigor, o mercado americano não vai sumir, vai diminuir. Talvez saia de 51% e vá para 20% e aí temos que absorver essa diferença tomando iniciativas", diz Renato Azevedo.

Parte das empresas negocia com compradores dos Estados Unidos para manter as exportações. Outras cogitam fazer demissões nos próximos meses caso a situação de sobretaxa continue.

O presidente da Abemel participou de encontro de empresários com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) em Brasília na semana passada e pediu ajuda do governo federal para evitar danos ao setor.

"Precisamos de uma linha de crédito com prazo de cinco anos para que continuemos comprando do apicultor e fazendo o negócio girar. O mel tem um aspecto social, econômico e socioambiental que é um diferencial, temos que tentar preservar isso", disse Renato Azevedo.