De R$ 4,50 para R$ 6,90. Se depender das empresas de ônibus de Belo Horizonte, a capital mineira terá o transporte mais caro entre as capitais do Brasil. Nesta quarta-feira (5), uma decisão da desembargadora Ana Paula Nannetti Caixeta, presidente em exercício do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), suspendeu a determinação anterior que obrigava a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) a aumentar a tarifa. No cabo de guerra entre empresários, PBH e agora a Câmara Municipal, que quer suspender o contrato “fraudulento” entre as partes, quem vai à lama é o passageiro.
O reajuste de passagem é de 53% sobre o valor pago atualmente pelo trabalhador. Como mostrou O Tempo nessa terça-feira (4), o novo valor seria o resultado de uma semana de trabalho para quem recebe um salário mínimo. Segundo previsões da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead/UFMG), esse aumento da tarifa pode afetar até mesmo o índice de inflação da capital. “O transporte pesa hoje mais de 2% na inflação. Esse reajuste, se for dado de forma integral como está sendo ventilado, seria um aumento muito elevado, de uma vez, para um serviço tão relevante para a população”, observa Eduardo Antunes, gerente de pesquisa do Ipead/UFMG
O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Minas (Abrasel-MG), Matheus Daniel, explica que o impacto financeiro sobre o setor é muito grande. “A maioria dos estabelecimentos não está na região central e os funcionários dependem de dois ônibus para chegar ao trabalho. Sou dono de restaurante e já acionei o RH e passei diretrizes para não contratarem ninguém que use mais de uma passagem. Fica inviável”, diz.
Ele explica que tem 14 funcionários em seu estabelecimento e o reajuste representaria um gasto de R$ 1.715. “Se dividir pelo preço da marmita de R$ 19, teria que vender 90 marmitas a mais para pagar o vale transporte”, explica.
Matheus Daniel aponta para um cenário de demissões, visto que bares e restaurantes ainda sentem os reflexos de dívidas e perdas acumuladas pela pandemia.
Uma pesquisa recente da Abrasel-MG apontou que 26% do setor operou em prejuízo no mês de fevereiro, um aumento de seis pontos percentuais em relação ao levantamento de janeiro. E 37% dos estabelecimentos têm pendências em atraso. A coleta de dados ouviu 195 empresários do segmento no estado entre 20 e 28 de março.
Consumidor afetado
O Sindicato de Lojistas de Belo Horizonte (Sindlojas), indica que o pequeno e médio empresário de varejo serão os que mais vão sentir com um possível reajuste das passagens. Salvador Ohana, vice-presidente da entidade, lembra que o aumento é maior que o Índice de Preços ao Consumidor (INPC) de março, de 5,47%, no acumulado dos últimos 12 meses.
“Eu acredito que vai impactar o lojista, que vai precisar repassar esse custo de alguma maneira e vai chegar ao consumidor”, observa Ohana.
O Sindlojas estima que há, ao menos, 35 mil filiados ao sindicato em BH. Ohana explica que o comércio já anda mais "parado", porque as pessoas estão aguardando as mudanças anunciadas pelo novo governo para consumir.
Procurada pela reportagem de O Tempo, a Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL-BH) disse que, como o aumento foi cancelado pelo TJMG, a entidade entende que não há o que pronunciar a respeito.
‘Aumento da passagem significa menos comida na mesa das famílias’
Denise Romano, coordenadora geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) e dirigente da Central Única dos Trabalhadores do Estado defende que qualquer impacto que onere a vida do trabalhador no atual contexto do país é grave. “Estamos há cinco anos sem receber reajuste do piso salarial. As auxiliares de serviços estão recebendo do Estado menos de um salário mínimo como remuneração. O aumento da passagem significa menos comida na mesa das famílias, que já passam necessidade”, afirma.
Há quase 300 escolas estaduais em Belo Horizonte. A coordenadora lembra que muitos funcionários moram na região metropolitana e precisam se deslocar de suas cidades até o centro de BH e, de lá, para os bairros. “Não tivemos 298% de reajuste como o governador Zema. Espero que a Prefeitura de BH chegue a um acordo. O transporte público da capital é privado. As empresas forçam a barra para promoverem o reajuste de passagens”, analisa.
O Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino no Estado de Minas Gerais (Sinepe-MG), por sua vez, também demonstrou sua preocupação com o reajuste da tarifa de ônibus em Belo Horizonte. “Ficamos próximos do poder público nessa condição para que o processo possa impactar o mínimo possível no contexto da gestão das escolas”, disse Paulo Leite, porta-voz do Sinep-MG.
Ele lembra que, além dos empregos diretos, as instituições de ensino geram postos de trabalho indiretos, por conta de vários negócios ao redor da escola. “Esse impacto, que é básico, de fato, gera um contexto de atenção maior”, diz.
Empresas deixarão de contratar profissionais, diz Sindibeleza
José Laerce Pereira, presidente do Sindicato dos Profissionais da Beleza (Sindbleza), conta que o impacto sobre os trabalhadores do setor será enorme.
“Como quem pega dois ônibus para ir para o trabalho vai conseguir repor esse dinheiro? Principalmente manicures e cabeleireiros, que moram afastadas do trabalho e ganham menos... Não pode aumentar tanto. Nada justifica esse reajuste”, afirma.
Em Belo Horizonte, o Sindibeleza estima que exista hoje cerca de 80 mil profissionais da beleza e 22 mil salões, entre esmalterias, barbearias e clínicas de estética. Dentro deste grupo, cerca de 70% são mulheres, muitas vezes à frente do sustento das famílias.
Pereira acredita que o reajuste pode fazer com que as empresas rejeitem candidatas que precisam atravessar a cidade para trabalhar. “Vai desagregar muito para gente. As empresas vão deixar de contratar porque não vão poder repassar esse aumento”, diz.
Ele diz que a conta é salgada para um serviço que deixa a desejar. “Temos um dos piores transportes de Minas. Vai impactar no orçamento e não é algo bem-vindo”, finaliza o presidente do Sindibeleza.