Recorde de importação

Concorrência ‘desleal’ e produção em risco; entenda a crise do leite no país

Aumento da importação de leite em 69% em 2023, principalmente da Argentina e do Uruguai, provoca manifestação de produtores mineiros

Por Alexandre Nascimento
Publicado em 18 de março de 2024 | 16:57
 
 
 
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Cerca de 5 mil produtores de leite de Minas Gerais se reuniram nesta segunda-feira (18), no Expominas, em Belo Horizonte, para cobrar do governo federal uma solução para o setor, que enfrenta uma grave crise econômica devido à forte concorrência de países vizinhos. O Brasil nunca comprou tantos produtos lácteos do exterior, com crescimento de 69% na importação em 2023 na comparação com 2022, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), um recorde de importação em 23 anos.

O problema é que o leite em pó importado é vendido bem mais barato do que o produto nacional para os laticínios brasileiros. E isto motivou a criação do movimento ‘Minas Grita pelo Leite’, promovido pela Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg). 

“O leite importado vem da Argentina e do Uruguai. Eles têm grande competitividade por causa da desvalorização do peso, um custo de produção muito mais baixo que o brasileiro e também têm a entrada livre para exportação para o Brasil por causa do Mercosul. Então nós precisamos de medidas compensatórias ou antidumping para ajudar a segurar esse leite importado”, afirma o presidente da Comissão Técnica da Pecuária de Leite do Sistema Faemg, Jônadan Ma.

Apesar do Brasil ser um dos maiores produtores de leite do mundo, o leite em pó foi o principal derivado lácteo importado pelo país em 2023, alcançando o volume equivalente a 2,8 bilhões de litros de leite. 

Segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), 46% das importações vieram da Argentina e 45% do Uruguai. Como integrantes do Mercosul, os dois países são isentos da Tarifa Externa Comum (TEC) cobrada de países que estão fora do bloco, desestruturando a cadeia produtiva do leite. 

“Nós estamos desde julho de 2022 vivendo uma crise do leite provocada pelas importações, que estão batendo recordes ano após ano. E há 22 meses existe essa importação desenfreada, desleal e predatória. Isso está acabando com a cadeia produtiva do leite”, confirma o especialista da Faemg.

Com esse cenário no país, os produtores mineiros não tiveram outra alternativa e precisaram reduzir o preço do leite. Em janeiro de 2024, o valor pago ao produtor foi de R$ 2,11 o litro, inferior ao mesmo mês de 2023, quando o litro estava em R$ 2,51. Em 2022, o preço médio do litro de custava R$ 2,71. Os números evidenciam o impacto negativo das importações nos preços pagos aos produtores. 

Segundo Jônadan Ma, essa concorrência levou muitos produtores de leite a ficarem descapitalizados e com dificuldades para pagar as contas. E ele acredita que o Brasil corre até risco de desabastecimento. 

“No Brasil nós temos um milhão e 100 mil produtores de leite. A Argentina tem apenas 10 mil. Se continuar assim, nós podemos ter uma crise de abastecimento, com os produtores nacionais saindo cada vez mais  da atividade. Vamos ser importadores de leite em vez de exportadores”, alerta o presidente da Comissão Técnica da Pecuária de Leite do Sistema Faemg.

Além de uma solução para o problema da importação do leite, os produtores mineiros também têm ainda outras três reivindicações para o governo federal: a renegociação das dívidas dos produtores; a inclusão do leite no plano de aquisição de alimentos, seja na cesta básica, na merenda escolar ou na alimentação de baixa renda, numa tentativa de dar vazão ao leite nacional; e o cumprimento do Decreto 11.732, que reduz a cobrança de impostos federais para os laticínios que comprarem leite brasileiro.

Estado anuncia medida para ajudar o setor

Nesta segunda-feira, durante o evento com os produtores de leite no Expominas, o governador Romeu Zema (Novo) anunciou a retirada das empresas importadoras de leite em pó do Regime Especial de Tributação. Assim, elas voltam a pagar 18% de ICMS sobre as compras dos produtos importados, como forma de punição.

Minas Gerais é o maior produtor de leite do Brasil, respondendo por 27% do total de 9,5 bilhões de litros da produção nacional de 2023. 

“Os produtores de leite representam uma classe muito importante em Minas Gerais, com mais de 220 mil micro e pequenos produtores, o que gera muitos empregos e leva muita renda para o campo. E Minas Gerais é o estado que mais produz leite e laticínios no Brasil. Esses produtores têm sofrido muito com a concorrência do leite importado, que nós consideramos desleal”, disse o governador Romeu Zema.

Zema explicou ainda que, hoje, esse produto importado tem chegado em quantidade cada vez maior. “Nós sabemos que os países que estão exportando para o Brasil são países que têm subsídios. E, no meu entender, é uma concorrência totalmente desleal, que deixa principalmente o pequeno e micro produtor rural sem condição de competir”.

Presente no evento, o produtor André Nunes Costa, da cidade de Carlos Chagas, no Vale do Mucuri, ficou satisfeito com a mobilização e o anúncio do Governo de Minas. E ele fez questão de ressaltar que este movimento não é para aumentar o preço do produto final para o consumidor. 

“Em muitos casos, a nossa produção não está cobrindo o custo. Não queremos aumento para o consumidor, queremos as mesmas condições para poder disputar no mercado”, afirma. 

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