Mais da metade dos brasileiros associam o conceito de consumo consciente às práticas de evitar desperdício, não fazer compras desnecessárias e economizar. De acordo com um estudo do SPC Brasil, enquanto 11% atribuem a ideia a questões ambientais, 55% destacam motivações financeiras. Seja qual for a corrente, o número pessoas que têm cortado despesas está crescendo no Brasil. São os chamados de minimalistas: que gastam cada vez menos, em busca de mais qualidade de vida.
“Minimalismo é aprender a viver mais com menos e buscar a felicidade sem ser escravo do consumo excessivo”, afirma o especialista em varejo e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Ulysses Reis. Há dois anos, ele olhou para um guarda-roupas lotado e, junto com a mulher, decidiu “desentulhar” não apenas o armário, mas também a casa e a vida inteira. Começaram doando roupas, livros e móveis. Hoje, já venderam os dois carros. “A sociedade aprendeu que, para ser feliz, tem que ter status. Então, as pessoas trabalham demais para sustentar gastos pesados, se estressam e deixam de ter tempo com a família. Agora, muita gente tem começado a perceber que não precisa consumir em exagero para ser feliz. Tem que dar valor ao que realmente tem valor”, avalia Reis.
A professora de economia da UNA Vaníria Ferreira afirma que essa tendência de consumo não é nova. “Já existe há muito tempo, em outros países. Só que, aqui no Brasil, vem ganhando força, impulsionada pela crise econômica. Uma onda de consumo exacerbado, estimulada pela facilidade de crédito, fez as pessoas se endividarem muito. Aí veio o desemprego e foi necessário cortar gastos”, avalia.
O professor de economia do Ibmec Felipe Leroy acredita que a diminuição da renda da família têm levado à restrição de consumo, o que estimula a consciência. “As pessoas começam a demandar exatamente aquilo que precisam para sobreviver”, ressalta Leroy
A e<CW-18>specialista em finanças Renatta Gomes observa que as pessoas estão planejando melhor. “Quando se coloca os gastos em uma planilha, é possível visualizar o que não é necessário e isso incentiva o controle e mais engajamento com o orçamento. As pessoas descobrem vários gastos que podem cortar, como assinaturas (de TV) e academia, que muita gente paga, mas não usa”, destaca Renatta, ressaltando que cortar gastos não significa abrir mão de qualidade de vida.
A técnica de farmácia Ana Esquárcio, 43, é adepta da prática que ela chama de “um de cada”. “Eu tenho um sapato de festa, uma sapatilha azul e uma preta, um tênis esportivo e outro de couro, e uma bota marrom e uma preta. É um traço da minha personalidade: gosto de estar bem arrumada, mas não vejo sentido em acúmulos”, conta.
Na casa dela, exageros são evitados e sobra mais para investir em experiências. “A gente é classe média. Não gastando com supérfluos e consumismo exacerbado, conseguimos viajar, passear bastante em família, ajudar pessoas próximas, investir em educação e lazer”, diz.
Tecnologia facilita conscientização
Na transição do consumo exagerado para o consciente, a tecnologia tem papel essencial. “Com os aplicativos, você consegue otimizar processos e usar serviços sem precisar adquirir bens. Você não precisa ter carro, porque pode andar de Uber. Também pode chamar prestadores de serviços em plataformas digitais”, avalia o professor de economia do Ibmec Felipe Leroy.
O economista da Atrio Investimentos Bruno Zanon avalia que a nova geração tem tido um papel importante na conscientização.
“Os jovens não são a favor do consumismo porque têm tido mais consciência ecológica. Eles são mais bem informados e sabem que a indústria responde por 70% dos poluentes lançados na atmosfera. Fazem uma conta simples e concluem que é mais barato andar de aplicativo do que manter um carro. Eles entendem que o ser é mais importante do que o ter”, avalia.
Indústria já começa a adaptar produtos para o novo perfil
Se a moda de gastar cada vez menos se espalhar, como vai ficar a economia? Segundo a professora de economia da UNA Vaníria Ferreira, os impactos vão obrigar a indústria a se adaptar. “O minimalismo já acontece em vários lugares do mundo e nenhuma empresa quebrou por isso. A nova realidade vai mudar a forma de perceber e, ao invés de lançar um produto, por exemplo, a empresa pode remodelar um antigo para se adequar ao novo perfil de consumo ”, afirma Vaníria.
Essa percepção já está acontecendo. A fabricante de eletrodomésticos Electrolux lançou uma lavadora com um novo conceito: máquina de cuidar. O equipamento tem jatos que prometem lavar as peças profundamente, preservando cores, tecidos e reduzindo o consumo de água.
"Fizemos uma pesquisa que apontou que os consumidores se preocupam com a durabilidade de suas roupas, e um dos compromissos assumidos pela Electrolux neste ano do nosso centenário foi fazer com que as roupas durem o dobro do tempo com menos da metade do impacto ambiental”, conta a gerente de marketing de major appliances da Electrolux no Brasil, Andreza Santana.
Para o especialista em varejo e professor da Fundação Getulio Vargas Ulysses Reis, o minimalismo trará mudanças, mas não prejuízos. “Vai mexer com a economia de alguma forma, porque vai reduzir as compras de supérfluos. Por outro lado, as famílias terão mais dinheiro para fazer investimentos e isso também aumenta o consumo”, ressalta Reis.