Uma projeção da consultoria norueguesa Rystad Energy prevê que o investimento em energia eólica no alto-mar (offshore) deve mais que dobrar até 2030, alcançando US$ 102 bilhões (cerca de R$ 550 bilhões na cotação atual). Os ventos que sopram a favor desse tipo de geração ainda não são realidade no Brasil: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ainda analisa as documentações de 55 empreendimentos do tipo que aguardam licenciamento. Quem estuda e trabalha no setor diz que o alto custo, e a falta de planejamento estrutural para mapear os impactos ambientais, afastam o País dessa fonte.

Dos projetos analisados pelo Ibama, 17 estão no Rio Grande do Sul, 12 no Ceará, nove no Rio de Janeiro, oito no Rio Grande do Norte, quatro no Espírito Santo, quatro no Piauí e um em Santa Catarina. A projeção é que todas essas usinas resultem em uma potência em torno de 130 gigawatts de energia, caso passem a operar simultaneamente. 

Atualmente, o Brasil é o sexto país do mundo em geração de energia eólica, com capacidade de 21,5 gigawatts de potência em capacidade instalada em 795 parques eólicos, espalhados por 12 estados. Apenas Estados Unidos, China, Índia, Alemanha e Espanha estão à frente.  

Toda essa capacidade brasileira se resume basicamente à geração onshore, portanto fora do oceano. Há quem diga que o País não explora sua capacidade eólica real, apesar desse tipo de fonte ser a segunda mais usada atualmente na matriz energética nacional, representando 11,8% da oferta (a hidrelétrica domina o cenário com 56,4%). 

Para Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), o País não investe em usinas offshore simplesmente porque ainda não vale a pena em termos econômicos. Ele projeta uma continuidade do crescimento da geração onshore. 

“A taxa de crescimento da eólica nos últimos 10 anos deve se repetir nos próximos 10, 20 anos, tendo em vista a quantidade de recursos que o Brasil tem, e o fato dela ser altamente competitiva. Os países europeus já estão fazendo investimento em fonte eólica offshore, ou seja, construindo eólica no mar, porque já esgotaram seus recursos onshore. No caso do Brasil, o nosso recurso (fora do mar)  é praticamente infinito”, diz Elbia Gannoum. 

Ainda assim, Elbia lembra que o governo federal já se mexeu para regular a geração de energia eólica em alto mar. Em 25 de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro (PL) assinou o decreto 10.946/2022, que cria regras para esse tipo de exploração. “Nós já começamos a arranjar a estrutura regulatória, a estrutura econômica, para receber os investimentos offshore. Porque num cenário mais de curto prazo, mais para o final da década, os custos vão reduzir bastante com o avanço da tecnologia”, aposta a presidente da Abeeólica.

Brasil é potência

O Relatório do Conselho Global de Energia Eólica em 2022 tem um capítulo somente dedicado ao Brasil. O documento ressalta que o Brasil ultrapassou no ano passado a marca dos 20 gigawatts de energia eólica gerada – o que representa cerca de 70% da oferta da América Latina. 

O conselho coloca o Brasil como potência por três fatores: já ter um marco regulatório que amplia a competitividade da energia eólica; facilidade de acesso a financiamentos; e um terceiro motivo que está ligado à fragilidade do sistema hidrelétrico – a baixa capacidade dos reservatórios no ano passado, diante da crise hídrica. 

Ainda assim, o relatório coloca a necessidade de investimento em usinas alto-mar como próximo passo para aumentar a competitividade do Brasil nessa fonte renovável. O decreto de Bolsonaro que cria regras para esse tipo de parque eólico foi classificado pelo conselho como "longamente esperado" pelo mercado.

País coloca “carro na frente dos bois” 

Como toda geração de energia elétrica, a fonte eólica, apesar de mais sustentável que alternativas como a termelétrica e a hidrelétrica, ainda traz impactos ambientais significativos. A geógrafa Adryane Gorayeb, da Universidade Federal do Ceará (UFC), acompanha de perto a questão por meio do Observatório da Energia Eólica, que publica pesquisas sobre os impactos sociais e ambientais do setor há mais de 10 anos.

Adryane diz que o investimento em usinas offshore no Brasil sequer deveria estar em análise pelo Ibama sem a elaboração do Planejamento Espacial Marinho (PEM), documento preconizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como fundamental para regular o uso do mar. 

“Não existe nenhum parque eólico no hemisfério sul do globo terrestre. Não é por acaso. O que a gente observa é que todos os países, que têm parques eólicos offshore no hemisfério norte, têm PEM em vigor. Só o Brasil quer colocar o carro na frente dos bois. O País quer industrializar o mar sem fazer um zoneamento e considerar os usos múltiplos conflitantes desse mar. Desconsidera a participação da sociedade”, diz a geógrafa da UFC.

Segundo ela, sem o Planejamento Espacial Marinho o Brasil pode colocar em risco a biodiversidade marinha, prejudicar pescadores artesanais e até comprometer espaços que pertencem a unidades de conservação e reservas extrativistas. A logística é outra preocupação: a sobreposição dos parques em plataformas de exploração de petróleo e a proximidade dos portos, dificultando a manobra de embarcações, podem criar novos problemas de origem econômica para o País.

“Tivemos um projeto aqui no Nordeste, entre o Piauí e o Maranhão, perto do delta do Parnaíba, que foi cancelado. Mas, ainda temos um no município de Camocim (CE), que fica muito provavelmente dentro da zona de amortecimento da Área de Proteção Ambiental Delta do Parnaíba. Aqui, no Ceará, também temos projetos de parques eólicas na parte leste do Estado, que mais uma vez ficam muito próximos da reserva da Reserva Extrativista Prainha Do Canto Verde, que é uma unidade marinha”, afirma Adryane Gorayeb, do Observatório da Energia Eólica.

A professora também aponta reflexos negativos da exploração eólica onshore, em terra firme. Ela diz que estuda a questão desde o fim da década passada. Desde então, os principais problemas dizem respeito a mudanças na vida de comunidades que vivem nas proximidades dos parques.

“São impactos no microclima, aumentando a temperatura. Impactos no lençol freático, assoreando e aterrando lagoas que eram perenes para as comunidades, que as usavam para cuidados humanos e animais”, diz. 

O direito de ir e vir dessas comunidades também é comprometido, segundo Adryane. “Esses parques usam o único acesso que a comunidade tem a um distrito. Eles não deixam os acessos livres e privatizam. Isso considerando aqui no Ceará. No Rio Grande do Norte, tivemos parques instalados dentro de unidades de conservação, como o parque da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do Tubarão (entre as cidades de Macau e Guamaré, no Estado potiguar)”, completa a pesquisadora.

A reportagem procurou o Ibama para falar sobre os impactos ambientais e aguarda retorno.