Depois de dez anos vendendo comida afro-brasileira no baixo centro de Belo Horizonte em sua kombi e atuando com o serviço de catering, a cozinheira Kelma Zenaide, de 51 anos, está prestes a inaugurar o restaurante Kitutu - Território de Aquilombamento, também na região, na rua Aarão Reis, ao lado do Teatro Espanca, que a acolheu na feira Mercado Negro e onde sua comida virou referência e ganhou fama. A empreendedora também vai participar em São Paulo, no dia 28, do top 10 da Expofavela nacional, concorrendo a um aporte com outras iniciativas de todo o país.
Desde muito nova, Kelma ajudava os pais no bar da família. Moradora de Contagem, cresceu em meio às criações culinárias do avô, remanescente quilombola, que perdeu a esposa muito cedo e era quem cozinhava para toda a família. “Meu avô colocava o pilão entre as pernas e ficava cozinhando o dia todo. Às vezes a gente ia comer só na janta. Esta paciência aprendi com ele. O alimento precisa de tempo para ser perfeito. Minha paixão veio daí, da observância da família. Nunca fiz curso de gastronomia”, destaca.
Antes de criar a marca Kitutu Gourmet, Kelma conta que chegou a falir alguns empreendimentos, como uma quadra de esportes da família, um espetinho e uma lanchonete. “Um por um foi por água abaixo por causa da especulação imobiliária. Fui para Salvador, cheguei com rascunho de food truck, fiz um curso na Reafro [rede de afroempreendedores] e enxerguei o negócio de outra forma”, conta a cozinheira.
Em meados de 2013, ela formalizou a marca Kitutu Gourmet. Com os anos e persistência, chegou a cozinhar para mais de 800 artistas, como Bnegão, e para Lula, em 2022, então candidato à presidência. “O meio artístico começou a me conhecer, fiz vários festivais e abri um nicho novo de demanda, de serviço de catering para empresas e camarins. Agora, estou abrindo o restaurante”, conta.
O espaço contará com seis funcionários e a preferência dela é por contratar mulheres negras LGBTQIA+. “Hoje em dia, eu sou a empresa. Mas com o currículo que eu tenho, já deveria ter restaurante. Trabalhando dentro de casa, consegui fazer esse barulho. A gente preto entra no banco e o gerente mal olha pra nossa cara. A maior taxa de juros é pra gente. Se você precisa de um valor de R$ 50 mil para a microempresa, te oferecem R$ 2 mil e você está com a conta de luz atrasada, pega, paga, compra uma comida e não vai adiantar… Adquire dívida e não investimento. Somos muitos, talentosos e não conseguimos chegar”, desabafa Zenaide.
Para a empreendedora, é importante que a comunidade afro passe a almejar o topo. “Cada preto que olha pra outro preto andando de carrão, tipo o Djonga… Meus enteados hoje almejam a Ferrari, não o carro popular. É importante para a gente colocar na cabeça que somos capazes”, afirma.