Não bastam anos de formação, centenas de horas de experiência, cursos e certificados. Hoje, profissionais das mais diversas áreas também são pressionados a dar a cara nas redes sociais e a produzir conteúdo para aumentar seguidores e conquistar clientes. Advogados, médicos, nutricionistas e outros profissionais lançam mão de estratégias dignas de influencers digitais nas redes e acumulam mais uma função no dia a dia de trabalho: a de ser seu próprio departamento de marketing.

Formada em educação física há 18 anos e com mestrado e doutorado na bagagem, Livia Gallo, 37, hoje também se converteu em blogueira. Além de aprofundar os estudos e preparar aulas para suas alunas, a maior parte delas pacientes reumáticas com dores crônicas, ela dedica pelo menos uma hora por dia a planejar e produzir conteúdo para o Instagram, em que, passo a passo, se aproxima de 4.000 seguidores.

“Tenho que parar para responder as pessoas, fazer algum post, publicar stories, é um trabalho. Existe uma pressão para estar nas redes, mas tenho colegas que não estão porque não querem. A sociedade espera um profissional de educação física alegre, feliz, e eu sou um pouco tímida”, diz.  

O Instagram de Lívia se divide entre dicas de melhores práticas de exercícios, vídeos de humor sobre sua área profissional e um pouco da sua vida pessoal. É uma rotina de produção de que ela gosta, depois de vencer a timidez inicial de se expor na internet, e os resultados financeiros a impulsionam a continuar.

“Meu rendimento financeiro cresce na medida em que o engajamento aumenta, mas nem sempre isso é linear. A gente depende do engajamento, mas de outros fatores também, como a condição financeira das pessoas. Tem gente que me procura, pede uma dica, mas percebo que não pode fazer acompanhamento comigo regularmente”, acrescenta.

 

influencer

Hoje, 94% dos usuários de internet brasileiros afirmam ter conta em alguma rede social ou site de relacionamento, segundo pesquisa Datafolha divulgada em julho de 2022. O Whatsapp é a rede mais utilizada, seguida pelo Instagram — utilizado por cerca de um quarto dos entrevistados.

Nesse cenário, e especialmente após a pandemia de Covid-19, que impulsionou o consumo online, a analista do Sebrae Minas Marina Moura avalia que estar nas redes é um caminho sem volta para profissionais de praticamente todos os ramos. 

“Estar nas redes sociais já é essencial. Hoje, elas são mais do que um canal de interação, elas são uma fonte de pesquisa. Quando o profissional está lá, ele interage com o público, ganha autoridade e, no momento de escolha do consumidor, é lembrado”, pontua. Dependendo do público e da intenção do profissional, avalia ela, vale de tudo: de dicas mais formais sobre determinado assunto a coreografias no TikTok. “Não existe uma rede obrigatória, e sim as redes onde os clientes estão”, pontua. 

Quem não é visto não é contratado: quando a pressão para estar nas redes se torna um fardo

A presença nas redes sociais pode render bons frutos no trabalho, mas também se tornar um fardo para profissionais que não querem lidar com a pressão de produzir conteúdo ininterrupto. Com essa preocupação, a plataforma de produção de conteúdo Contente.vc publicou um pequeno guia de como procurar profissionais fora das redes sociais.

 

“O mercado olha a presença digital de cada vez mais áreas. Nos depoimentos da nossa comunidade, percebemos que a pressão é geral. Existe uma pressão inclusive para profissionais contratados terem presença digital no Linkedin, se tornarem influencers. As pessoas estão tão envolvidas no dia a dia de cobrança, de fazer vídeo, editar e já terem uma jornada de trabalho que isso faz com que não tenham tempo para investir em projetos pessoais, estudarem, cuidarem da saúde mental. As pessoas se esforçam para ter uma boa presença digital e, nos bastidores, estão esgotadas”, analisa uma das criadoras da Contente.vc, Luiza Voll.

“O maior perigo é que a popularidade nas redes sociais não é sinônimo de qualidade de trabalho. Sabemos que há várias formas de manipular e simular esses números. Existe todo um mercado de venda de seguidores, por exemplo. E também o privilégio de tempo que cada um tem. Se determinado profissional tem uma rede de apoio enorme, inclusive para a produção de conteúdo, a produção vai ser diferente. Mas isso não quer dizer que o trabalho do mais popular seja melhor, porque, às vezes, a pessoa sem presença digital estará aprofundando conhecimento, se especializado”, completa.

Mesmo com todos os perigos de esgotamento mental nas redes, ela defende que a internet é um caminho possível para crescimento profissional, desde que seja utilizada com consciência dos limites de cada trabalhador. “O que seria divertido fazer, como posso expandir minha criatividade e me conectar de verdade com as pessoas, como crio uma comunidade em torno de um tema que eu amo? A internet tem todos os seus lados negativos, mas pode ter um ganho emocional e de elevação da carreira muito interessante”, conclui Voll. 

O TEMPO preparou um guia de boas práticas nas redes para profissionais aumentarem o engajamento sem comprometer a saúde mental. 

Médicos e advogados têm regras para atuação nas redes sociais

Advogada criminalista, Andreza Rosa divide o tempo entre os clientes, a preparação de cursos online e o cuidado de seu Instagram com 12 mil seguidores, em que dá dicas para colegas do direito e incita discussões sobre casos com grande repercussão, como o assassinato do menino Henry Borel, cujos pais são acusados de matá-lo. Para ela, as redes sociais são um importante cartão de visita sobre seu trabalho e seus posicionamentos. 

“Clientes já relataram que foram até mim porque analisaram o meu perfil social e me acompanham há algum tempo, mesmo que eles mesmos não sejam da área. Quando falo da minha especialização nas redes, o cliente não entende, mas percebe isso como autoridade, porque ele vê como eu atuo e os meus resultados”, detalha ela. 

Dados seus objetos de trabalho delicados, advogados e médicos têm regras específicas para atuar nas redes sociais, ditadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). As duas entidades proíbem, por exemplo, a divulgação de valores de consultas ou honorários dos profissionais.

Os médicos também não podem, por exemplo, insinuar bons resultados de procedimentos sem comprovação científica, expor o paciente para divulgar técnicas ou tratamentos ou anunciar aparelhagem ou técnicas exclusivas para insinuar que sua estrutura seja melhor que a da concorrência.

Para além do respeito profissional, a interação com os seguidores extravasa para a identificação com os profissionais. “Não me percebo como influencer, apesar de algumas pessoas dizerem que se inspiram, de certa forma, em alguma roupa minha, por exemplo. Falo muito de imagem pessoal”, reflete a advogada Andreza Rosa.