Pais e mães podem ter direito a permanecer em regime remoto de trabalho enquanto as creches e escolas dos filhos não voltarem a funcionar normalmente. A proposta está prevista no Projeto de Lei 3.428/ 2020, em tramitação no Senado, que visa auxiliar as famílias que não têm onde nem com quem deixar as crianças, sem aulas presenciais por causa da pandemia do coronavírus.
O texto, de autoria do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), prevê que mães ou pais de família monoparental tenham direito a teletrabalho, trabalho remoto ou à distância, até a reabertura da creche ou instituição de ensino dos filhos de até 12 anos de idade incompletos. No caso de famílias nucleares (compostas por casal de adultos), quando ambos os pais tiverem de voltar ao trabalho presencial, a ideia é que um deles tenha direito à modalidade remota.
"Muitos Estados brasileiros começarem a traçar planos de reabertura gradual de alguns setores da economia, sendo que a abertura das escolas não está prevista nas primeiras etapas. Isso gera uma situação em que os pais voltam a trabalhar presencialmente, enquanto os filhos continuam estudando remotamente. Muitas mães, especialmente aquelas de famílias monoparentais, não têm familiares ou recursos suficientes para deixar os filhos aos cuidados de terceiros", afirma o senador Fabiano Contarato.
O Projeto de Lei prevê que os empregadores possam adotar medidas alternativas ao teletrabalho, como oferecer espaço aos filhos dos colaboradores nas dependências da empresa. Segundo o texto, esse espaço deve ser seguro e equipado, além de ter acesso à internet, para que a criança possa realizar atividades escolares. Outra opção aos empregadores é propor períodos intercalados de modalidades de trabalho à distância e presencial, desde que, no último caso, o colaborador tenha com quem deixar os filhos.
Para apresentar o projeto de lei, o senador Contarato considerou a realidade do país, em que as mulheres são as mais sobrecarregadas nas tarefas domésticas e nos cuidados dos filhos. Uma pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) neste ano mostra que a mulher não ocupada dedicou, em média, 24 horas semanais a afazeres e cuidados de pessoas em 2019, enquanto o homem não ocupado dedicou a metade, 12,1 horas. A diferença é elevada mesmo entre as pessoas ocupadas: as mulheres dedicaram, em média, 8,1 horas a mais a essas atividades do que os homens.
A assistente social Bárbara Silva*, 30, está sendo obrigada a deixar a filha de 12 anos sozinha em casa para sair para trabalhar. A menina estuda na rede municipal de Belo Horizonte e está sem aulas desde março. "Antes eu saía de manhã e a levava para a escola, onde ela ficava até as 16h, por causa do Programa Escola Integrada. Era o tempo certinho de ir trabalhar e voltar", conta Bárbara.
Ela e os colegas conversaram no trabalho sobre a possibilidade de fazer um revezamento em regime de teletrabalho, mas a proposta não foi aceita. "Não tive outra opção a não ser deixá-la sozinha em casa. Fica difícil levar para os meus pais, e minha mãe trabalha em hospital, então acaba sendo arriscado, porque minha filha é do grupo de risco por ser asmática", diz. "Eu fico muito preocupada com a segurança e com a alimentação dela, tenho que deixar tudo pronto por conta do risco de ela mexer no fogão sem supervisão", pontua.
A economista e pesquisadora da área de emprego do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Lúcia Garcia, destaca que, historicamente, as mulheres são mais prejudicadas no mercado de trabalho, o que permanece no cenário atual.
"As mulheres, na nossa sociedade patriarcal, são as responsáveis pelo trabalho não remunerado, de cuidado e afazeres. Elas se dedicam ao cuidado dos filhos, dos pais idosos e dos companheiros, além de serem responsáveis pela manutenção e organização da casa de maneira geral. Isso é trabalho, não é amor. Como as mulheres são mais absorvidas nessas tarefas que ninguém remunera, elas acabam reduzindo a presença no mundo do trabalho remunerado", explica Lúcia.
Segundo a especialista, as mulheres com filhos, principalmente de até 13 anos de idade, devem ser as mais prejudicadas em relação a contratações de trabalho, redução de carga horária e desemprego. "A única forma de alterar esse quadro é as mulheres terem a possibilidade de negociar uma nova divisão de trabalho doméstico, em que os membros adultos da família possam dividir essa tarefa. A sociedade precisa repensar a forma como assume as responsabilidades familiares", conclui Lúcia.
* Nome fictício
Projeto também abarca emprego doméstico
O Projeto de Lei 3.428/ 2020 prevê que, quando não for possível um acordo entre o empregador e a empregada doméstica para a suspensão do contrato de trabalho, prevista na Medida Provisória 936/ 2020, a trabalhadora poderá levar o filho de até 12 anos de idade incompletos para o local de trabalho. Na ausência da mãe, o empregador será o responsável legal pelo cuidado, proteção e vigilância da criança.
"O trabalho doméstico remunerado no nosso país é uma atividade precária, com baixos rendimentos, baixa proteção social, discriminação e até assédio. Desse contingente de trabalhadores, 92% são mulheres, a maioria negras, com baixa escolaridade e oriundas de famílias de baixa renda. São as pessoas mais prejudicadas com a falta de escolas e creches", analisa o senador Fabiano Contarato.
O projeto do senador prevê que a lei, caso seja sancionada, permaneça em vigor enquanto durar o período de estado de calamidade pública por causa do coronavírus.
"Vou pedir ao presidente (do Senado) Davi Alcolumbre que coloque na pauta para votação em plenário virtual. Entendo que é um projeto que tem urgência. Se ele colocar em pauta e aprovarmos, faremos gestão junto ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Os dois presidentes têm sido muito ágeis para dar respostas às medidas mais urgentes em apoio à nossa população nesta pandemia. Certamente, terão sensibilidade com essa matéria", pontua Contarato.