Após a Petrobras informar à Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) sobre o risco de desabastecimento de diesel a partir do segundo semestre no Brasil, a reportagem de O TEMPO conversou com o professor Paulo Resende, especialista em logística da Fundação Dom Cabral, sobre os impactos de uma possível escassez do combustível para a população. A previsão do docente é que a falta de alimentos nos supermercados começaria a partir do 10º dia do problema. 

“Nós teríamos uma falta de combustível nos postos em uma semana. Em 10 dias, nós teríamos o início de desabastecimento de gêneros alimentícios nos supermercados. Nas linhas de produção, o problema começaria em três dias. É um cenário parecido com o da greve dos caminhoneiros (em 2018), mas de uma gravidade maior”, diz o coordenador do Núcleo de Infraestrutura, Supply Chain e Logística da Fundação Dom Cabral (FDC), Paulo Resende.

Segundo o professor, o Brasil é um “País sobre rodas”, diante da dependência da logística por veículos de carga movidos a diesel. “Cerca de 80% da nossa logística vem desse tipo de modal. Praticamente, só o minério é movimentado por ferrovias”, afirma. 

Para o especialista, “a falta de estabilidade administrativa” da Petrobras, que teve seguidas trocas de comando, tem peso na possível falta de diesel no varejo no segundo semestre. A estimativa da estatal é que o problema se inicie em meados de setembro, caso nada seja feito. 

Outro fator que pesa é a guerra entre Rússia e Ucrânia. Por conta das sanções, o País de Putin sai da mesa de negociações, o que reduz a oferta de diesel no mercado internacional. 

Apesar de o Brasil produzir cerca de 75% do diesel ofertado ao varejo, a falta de produto substitutivo para o combustível faz com que qualquer desfalque faça muita diferença, como explica Paulo Resende. 

“A aritmética nos leva a pensar que ainda tem 75% disponível. Mas, o diesel tem contratos de longo prazo, que você acaba com a credibilidade da empresa (a Petrobras), se for quebrado. É como um brinquedo: você amassa de um lado, e ele deforma como um todo”, afirma o especialista em logística da Fundação Dom Cabral. 

Como resolver o problema? 

Para Cloviomar Cararine, economista e técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), outro especialista no setor de combustíveis, o problema que pode estourar em setembro começou na década passada, quando a Petrobras desistiu de ampliar seu parque de refino, até mesmo com tentativas de privatizar unidades, como a Gabriel Passos (Regap), em Betim, na Grande BH. 

Além disso, como O TEMPO mostrou nessa reportagem, a estatal tem diminuído o percentual de uso das refinarias. Com isso, a dependência por combustível importado aumenta – o que onera o bolso do cidadão e também coloca o País no limbo em crises geopolíticas como a atual entre Rússia e Ucrânia. 

“A gente tem que lembrar que a Petrobras desistiu de ampliar a Refinaria de Abreu e Lima e de construir outros dos parques no Nordeste após a Operação Lava-Jato. Em 2016, a decisão do governo federal foi privatizar metade do parque de refino nacional. Isso tudo nos coloca na posição atual”, diz Cloviomar Cararine, do Dieese. 

Diante de tal cenário, como resolver o problema que está por vir? Para o especialista, é preciso “estar claro quem vai ganhar e quem vai perder” com cada hipótese levantada. 

“A proposta que defendo é que a gente retirasse os ganhos do diesel produzido aqui para subsidiar o que vem de fora. Isso deveria ser feito pela empresa estatal, pela Petrobras. Os importadores, neste caso, estariam fora do jogo. Os acionistas precisariam entender que, numa crise como essa, vão ter que abrir mão de dividendos (lucros)”, afirma o economista.

A longo prazo, o professor Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral, defende um maior investimento em ferrovias. "O Brasil é o País continental que mais depende das rodovias no mundo. O transporte de commodities por linhas férreas é muito mais eficiente", diz. 

Governo se posiciona

Em nota, o Ministério das Minas e Energia (MME) informou que está "atento ao abastecimento nacional de combustíveis" e que "adotou medidas imediatas para intensificar o monitoramento dos fluxos logísticos e da oferta de petróleo, gás natural e seus derivados, nos mercados doméstico e internacional", desde 3 de março, por meio do Comitê Setorial de Monitoramento do Suprimento Nacional de Combustíveis e Biocombustíveis, criado em 10 do mesmo mês. 

Segundo o MME, uma reunião aconteceu nessa terça (24) com a ANP e a Petrobras para discutir o tema, mas "sem  qualquer relação com o expediente endereçado a este Ministério pela Petrobras".

Ainda de acordo com a pasta, "os estoques de óleo diesel S10" são capazes de suprir o País por mais 38 dias. "Além disso, desde o início da intensificação do monitoramento do abastecimento pelo governo federal, a autonomia de óleo diesel aumentou de 30 para 38 dias em termos de dias de importação (aumento de 26,7%)", informa a nota.