Empresas que cobram taxa de conveniência por venda de ingresso na internet podem ser multadas em até R$ 10 milhões. A prática pode ser considerada venda casada, o que é proibido.

Valores exorbitantes nesse tipo de serviço, problemas como cancelamentos repentinos de reservas de hotéis ou apresentações e preços abusivos de comidas e bebidas durante os eventos têm tirado o ânimo – e o dinheiro – dos fãs.

O coordenador do Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Marcelo Barbosa, explica que qualquer valor que não reflete um serviço prestado, como entrega de ingressos, fere o Código de Defesa do Consumidor.

“O vendedor pulveriza a venda pela internet, não dá nada em troca e ainda cobra por isso. A empresa está transferindo para o consumidor um ônus que é dela”, afirma Barbosa.

O engenheiro Luciano Almeida, 25, quase perdeu a chance de ir ao show de uma de suas bandas favoritas, o Metallica, por causa da alta taxa de conveniência cobrada. Quando começaram as vendas, ele estava fora do Brasil e tentou comprar pela internet o ingresso para o show dos norte-americanos, que se apresentam em Belo Horizonte em abril de 2020.

Contudo, o valor cobrado pela empresa, de R$ 78, o assustou. “Achei absurdo e pedi a alguém que estava no Brasil para comprar, mas não consegui”, diz.

As taxas de conveniência para a apresentação do Metallica variam entre R$ 28, para o setor mais simples, e R$ 178, para o mais caro. A fim de poupar dinheiro, ele decidiu comprar o ingresso em uma loja física quando retornasse ao país.

Porém, o lote das vendas mais barato se esgotou antes de ele chegar. O engenheiro, então, teve que procurar pessoas que estavam revendendo ingressos pela internet. Luciano ficou revoltado com a taxa. “Só com o valor consigo ir a outro show”, afirma Almeida.

Cancelamento.

Por outro lado, o engenheiro eletricista Raoni de Faria Jardim, 34, de Belo Horizonte, não teve problemas com a taxa, mas descobriu, a duas semanas do Rock in Rio 2019, que, apesar de ter pagado um serviço de reservas há meses e recebido o voucher de confirmação da hospedagem, sua estadia não estava registrada.

Ao entrar em contato com o hotel, ele descobriu que a empresa que havia contratado decretou falência pouco antes do festival e não agendou as reservas – o que o fez perder R$ 784. “Precisei reservar outro hotel, distante do transporte direto ao show, e vou ter que gastar mais dinheiro do que o planejado”, lamenta.

Veterana de festivais, a estudante de relações internacionais Lana Mugnai, 22, conta que costumava ir a cinco eventos por ano, mas os preços cada vez mais altos a fizeram reduzir o número para dois.

“Cheguei a pagar R$ 50 pelo ingresso de um festival, que hoje custa R$ 120. Está inviável, quase uma demonstração de status”, conta. Ela diz que beber e comer nos eventos pesa ainda mais no bolso e, muitas vezes, não há outra opção.

“Há locais onde nem bebedouros estão disponíveis e você é obrigada a pagar R$ 6 por um copo de água”, critica Lana.

Clientes ficam sem dinheiro

O Procon Assembleia afirma que uma das dificuldades mais comuns relatadas por consumidores é reaver o dinheiro pago pelo ingresso de um show que foi cancelado. Muitas vezes, os eventos são em cidades onde o cliente não vive, e o processo para ser ressarcido pode ser lento.

É o caso vivido pelo estudante de relações públicas Samuel Rubens, 21, que nunca tinha ido a um festival até a popstar Lady Gaga anunciar sua participação no Rock in Rio de 2017.

Ao chegar à capital fluminense, ele precisou retirar o ingresso em um guichê físico e, sem acesso à internet, não soube que a cantora havia cancelado o show poucas horas antes. “Fiquei arrasado. Me preparei por meses, precisei viajar. Foi frustrante”, lamenta Rubens.

Denuncie

O Procon informa que cobranças indevidas e práticas que ferem o Código de Defesa do Consumidor devem ser denunciadas pelo site www.mpmg.mg.br.

Outro lado

Em nota, a Associação Brasileira de Empresas de Venda de Ingressos (Abrevin), afirma que a cobrança de taxa de conveniência "é uma prática legal" e "não pode ser considerada venda casada". A associação defende que o valor refelte em serviço, o que não caracterizaria cobrança indevida. 

Leia a nota* na íntegra:

A Associação Brasileira de Empresas de Venda de Ingressos - Abrevin - esclarece que a cobrança de taxa de conveniência é uma prática legal, e que não caracteriza-se como venda casada, uma vez que o consumidor tem a opção de adquirir ingressos sem a obrigatoriedade do pagamento da taxa, na maioria das vezes em pontos de vendas físicos ou bilheterias. Essa é uma prática mundial de mercado e já foi legitimada em diversas decisões judiciais no Brasil. A Abrevin informa também a existência de leis estaduais que regulam sua cobrança, confirmando sua legalidade.

Cabe ressaltar que o processo em andamento na 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça aguarda nova data para julgamento do recurso apresentado, não existindo nesse momento uma decisão definitiva para o mesmo. Sendo assim, a cobrança de taxa permanece legal. Em sua última sessão realizada, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino apresentou voto a favor da legalidade da taxa de conveniência.

A Abrevin também alerta que o impedimento da cobrança de taxa de conveniência implicaria não em redução, mas em um aumento no preço dos ingressos aos consumidores. Isso porque, de imediato, um dos efeitos esperados seria o repasse dos custos desses serviços de conveniência para o preço final dos ingressos, que provavelmente passariam a ter um novo preço único. Por consequência, essa prática causaria imediata perda de bem-estar para alguns consumidores que hoje não se interessam pelos serviços de conveniência e passariam a pagá-los (implicitamente) no caso de um preço único.

É importante destacar que recentes estudos realizados pelo Ministério da Economia (SEAE) e Ministério da Justiça e Segurança Pública (SENACON) confirmam, por meio de notas técnicas, que a cobrança de taxa de conveniência deve ser considerada lícita e benéfica aos consumidores.

* A nota foi enviada após publicação da matéria, que foi atualizada às 16h48 do dia 25 de setembro.