O conceito da “fuga de cérebros”, a emigração de profissionais qualificados e de cientistas, já é antigo, mas volta a assombrar o Brasil em tempos de instabilidade econômica. Na área de TI, em que o Brasil já tem um déficit de mão de obra, a disputa por talentos é acirrada: segundo pesquisa do Boston Consulting Group, empresa norte-americana de consultoria, mostrou que, em 2020, 92% dos profissionais brasileiros da área consultados pelo levantamento desejam trabalhar fora ou já estão trabalhando. O país é o quinto no ranking de maiores desejosos de trabalhar no exterior, logo atrás de Tunísia e Catar. 

Pós-graduado em Business Intelligence, Diego Pereira, 35, se mudou para o Reino Unido e não tem pretensão de retornar ao Brasil no curto prazo. “Acabei me mudando do Brasil por causa da violência, esse tipo de coisa. Cheguei a colocar meu currículo aberto em um site e, na manhã seguinte, recebi em torno de dez ligações. Vive-se melhor com o salário-base da categoria aqui do que com o salário-base no Brasil. Eu vim com um salário mais baixo do que seria o padrão dos funcionários daqui há mais tempo e, talvez, por isso eu tenha conseguido o emprego com mais facilidade”, explica.

Também na área de desenvolvimento, Bruno Monteiro, 34, vive hoje na Nova Zelândia com a esposa e a filha. “Às vezes, sinto que é um pouco covardia ou seguir o caminho mais fácil sair do Brasil em vez de tentar melhorar ou contribuir com as coisas no país. O Brasil tem mudado, mas acho que vai demorar muito tempo para chegar perto de outros países. Isso desanima, porque não quero que meus filhos morem no Brasil e talvez não tenham a educação e as oportunidades que terão em outros lugares, um parque público para brincar ou ter amigos na rua”, conclui.

Paralelo ao êxodo de profissionais de TI, outro fenômeno impulsionado pela pandemia é a contratação remota de trabalhadores do setor. Na área de games, por exemplo, a terceirização de mão de obra das empresas estrangeiras explodiu. “Com os funcionários em home office e o dólar disparando, as empresas estrangeiras começaram a terceirizar mais”, avalia o presidente da Associação Mineira de Jogos (Gaming), Gabriel Coutinho.

Partida de pesquisadores leva recursos e conhecimento para fora do Brasil

Socióloga e estudiosa de movimentos migratórios na Universidade do Vale do Rio Doce (Univale), Sueli Siqueira também vê com preocupação especialmente a migração de pesquisadores de ponta, em meio aos cortes bilionários de recursos para a ciência feitos pelo governo federal. A ciência brasileira pode ter um corte de quase R$ 3 bilhões neste ano, segundo entidades de pesquisa acadêmica. 

“O custo disso será muito alto e o veremos mais para a frente, principalmente em áreas de grande investimento. Para formar um pesquisador no Brasil, são anos de estudo e de investimento, muitas vezes de dinheiro do governo brasileiro. Ele vai embora e leva todo o conhecimento e até mesmo sua produção, porque quem assinará a pesquisa é um instituto de fora. Já tive colegas que foram embora do Brasil chorando, mas que estavam tirando dinheiro do próprio bolso para suas pesquisas. Estamos com sucateamento dos laboratórios” descreve. 

Governador Valadares, ‘exportador’ de brasileiros, tem rombo de mão de obra

Secretária de Desenvolvimento de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, Beatriz de Almeida afirma que a imigração de valadarenses para o país norte-americano, tradicional há décadas, se intensificou na pandemia e tem resultado em escassez de mão de obra qualificada na cidade. 

“Tem crescido muito o número de empresários que perdem empregados constantemente, às vezes oito, dez de uma vez. Vemos a emigração não só de quem não tem emprego mas de pessoas qualificadas indo buscar oportunidades nos EUA”, pontua. Ela reconhece que, geralmente, os moradores da cidade tomam o caminho da ilegalidade, já que, ao longo dos anos, construiu-se uma ampla rede de valadarenses nos EUA que auxilia na chegada de mais mineiros.