MINERAÇÃO

Vale celebra 80 anos mirando o futuro, mas com história no fim em Itabira

Cidade da região Central de Minas é onde a companhia iniciou as operações em 1942, mas previsões apontam para encerramento das atividades entre 2029 e 2041

Por Simon Nascimento
Publicado em 01 de junho de 2022 | 03:00
 
 
 
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A Vale celebra 80 anos nesta quarta-feira (1º) desde o início das operações da empresa em Minas Gerais - estado em que a mineradora concentra 85 das 110 barragens operadas no Brasil. Mas se por um lado a companhia expande suas operações no Pará e concretiza acordos internacionais, como o recém firmado com Elon Musk para fornecimento de níquel à montadora de veículos elétricos Tesla, o município de Itabira, na região Central de Minas, onde a empresa deu os primeiros passos, não vê mais longevidade nas ações. 

Os últimos relatórios anuais com o balanço operacional ao mercado apontam que a exaustão da extração mineral na cidade deve ocorrer entre 2029 e 2041. As informações constam em documentos publicados entre 2019 e 2021. A previsão, segundo a Vale, é feita por meio da revisão dos planos estratégicos, de lavra e de produção da empresa. “Importante esclarecer, ainda, que premissas econômicas, demandas de mercado e avanços tecnológicos podem interferir na estimativa da exaustão mineral”, detalha a mineradora. 

O grande problema é que a arrecadação do município e a geração de empregos tem uma dependência de 85% das atividades da Vale, segundo o prefeito Marco Antônio Lage (PSB). Em 2021, segundo o Portal da Transparência do município, a arrecadação com o repasse da taxa de Compensação Financeira de Recursos Minerais (CFEM) somou R$ 232,6 milhões. O montante é equivalente à operação de 15 barragens espalhadas nos perímetros urbano e rural da cidade. 

“Houve total negligência e falta de cuidado das gestões passadas e da empresa no planejamento econômico de Itabira. É um case negativo de oito décadas de exploração mineral sem construir alternativas econômicas durante os momentos de pujança econômica”, afirmou o prefeito. Lage explicou que no ano passado foi feito um acordo com a mineradora para a contratação de uma consultoria internacional. A empresa vai auxiliar na construção de um planejamento de curto, médio e longo prazo para diversificar a economia no município. 

Já foram listados 32 projetos para execução no que é chamado de “novo ciclo” pós-mineração. “Itabira já produziu até 40 milhões de toneladas de minério (por ano) e hoje já está em torno de 25, 30 milhões. Por mais que ainda seja confortável, precisamos, rapidamente, construir novos caminhos”, analisa Lage. Até então, a aposta é nos setores industrial, agronegócio e pólos médico e universitário. O setor de turismo, impulsionado pela figura do itabirano Carlos Drummond de Andrade, também vai ser explorado. 

Para o consultor de Relações Institucionais e Desenvolvimento Econômico da Associação Municípios Mineradores de Minas, Waldir Salvador, a situação de Itabira reflete a realidade de outras prefeituras que dependem da mineração no Estado. Ele lembrou que a cidade, além de berço da Vale, também é a que mais tem barragens da empresa em Minas. Outra constatação é sobre a relevância histórica de Itabira, como uma espécie de laboratório não só para as atividades da empresa, mas também para a mineração no Brasil e no mundo. 

“Foi exemplo na exploração mineral, de soluções técnicas na mineração. Mas precisa ser exemplo no aspecto de cidade futura de tentar manter uma qualidade de vida da cidade que só virá pelo desenvolvimento econômico. Neste sentido, a Vale precisa, sim, ter uma atenção especial até para que os outros municípios vejam que tem solução”, ressalta. 

Segurança é obstáculo 

Enquanto a diversificação econômica é dor de cabeça para as prefeituras, a segurança operacional se tornou pedra no sapato da Vale, principalmente após o rompimento da barragem B1, em Brumadinho. No desastre ocorrido em 2019, foram registradas 272 mortes e mais de 290 hectares de vegetação foram consumidos.

Professor do Instituto de Engenharia da Universidade Federal de Itajubá, Carlos Martinez afirma que historicamente houve uma grande preocupação da empresa em conseguir atender a demanda do mercado, mas sem considerar aspectos legais de segurança.

Só em Minas, foram mapeadas 17 barragens alteadas a montante, método considerado o mais perigoso e presente nas estruturas colapsadas em Brumadinho e Mariana. “Houve uma demanda mundial por minério e a empresa foi muito demandada e se pôs a produzir minério para o mundo todo e nesse afã deixou muito a desejar”, observa.

O especialista acredita que a recuperação da imagem, após o rompimento em Brumadinho, vai perdurar por muito tempo. “A empresa ainda tem um passivo muito grande e que a sociedade ainda vai conviver com esse passivo pelos próximos 50 anos”, diz o professor ao se referir às áreas que serão desativadas.

O planejamento da Vale é descaracterizar todas as estruturas a montante até 2035. Após o procedimento, a empresa afirma que prevê a “construção junto à sociedade de propostas de uso futuro e transição do território para o uso compatível com as vocações ambientais e socioeconômicas das áreas”. 

Recuperação ambiental 

Em função do rompimento da barragem em Brumadinho, a Vale firmou acordo de reparação integral com o governo de Minas, no valor de R$ 37 bilhões para reparação de danos em 26 municípios da bacia do Rio Paraopeba. Mas três anos e quatro meses após o acidente, a recuperação ambiental ainda patina.

De acordo com o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), ainda estão sendo feitos estudos para definir áreas estratégicas de reflorestamento. No Rio Paraopeba e ribeirão Ferro-Carvão, foram realizadas intervenções para cessar o carreamento de rejeitos, além da drenagem dos sedimentos que foram espalhados com o extravasamento da estrutura.

Os últimos resultados de monitoramento da qualidade da água do Paraopeba, de abril, apontam valores ainda superiores aos limites legais de alumínio dissolvido, turbidez, manganês total e ferro dissolvido. 

Multas 

Ainda conforme o Sisema, a Vale acumula, desde 2015, 99 multas por infrações às legislações ambientais, mas apenas 12 foram quitadas. As penalidades somam R$ 171,3 milhões e o valor pago contabiliza R$ 100,4 milhões. “Três autos foram encaminhados à Advocacia Geral do Estado-AGE para a devida inscrição em dívida ativa, totalizando R$ 135.178,15”, informou o Sisema em nota.

O que diz a Vale? 

Em nota, a mineradora afirmou que as tragédias de Mariana e Brumadinho mudaram “para sempre a atuação da Vale”. A empresa destacou que já empenhou R$ 18,5 bilhões no âmbito do acordo de reparação com o estado. Outro ponto destacado pela Vale diz respeito à segurança operacional.

A companhia afirma que está atuando para reduzir o risco das operações. “Desde 2019, concluímos a descaracterização de 7 estruturas de rejeito com o método de construção a montante. Até o fim deste ano, outras cinco serão descaracterizadas”, afirmou. 

Nas áreas de estruturas construídas a montante ou que estão em nível máximo de emergência, a empresa atua remotamente nas atividades de escavação e movimentação de rejeitos. Os maquinários e tratores são operados por uma central da empresa que fica em Belo Horizonte. 

“Ao mesmo tempo e alinhada às melhores práticas internacionais para gestão de barragens, a empresa tem intensificado as ações preventivas, corretivas e de monitoramento nas suas estruturas. Essas ações também reduzem os riscos nas estruturas a montante que serão eliminadas até que as etapas preparatórias e de engenharia para a descaracterização sejam concluídas”, argumenta a Vale. 

 

 

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