A comparação sugere a imodéstia. Em 1970, logo após se sagrar tricampeão do mundo com a Seleção Brasileira, Pelé resolveu pendurar as chuteiras vestindo a camisa da amarelinha. O exemplo do “Atleta do Século” é utilizado pelo baixista Luís Maurício, fã declarado de futebol, para explicar a decisão do Natiruts de encerrar uma bem-sucedida carreira que se aproxima das três décadas de estrada.

A turnê de despedida “Leve com Você”, batizada com um dos inúmeros hits da trupe, chega a BH nesta sexta (15), depois de passar por capitais como Brasília, onde a banda deu os primeiros passos, Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Natal, Curitiba, João Pessoa e Recife. “A nossa ideia sempre foi parar no auge, como o Pelé…”, ratifica Luís Maurício.

Fundada em 1996 ao lado do vocalista Alexandre Carlo, o desempenho ao longo do tempo acabou surpreendendo os próprios integrantes. “A gente não tinha grandes pretensões de longevidade, e acabaram acontecendo várias conquistas”, admite Luís Maurício, que enumera os 13 álbuns lançados, as duas indicações ao Grammy Latino, o prêmio da Associação Brasileira dos Produtores de Disco, em 2016, com o DVD de Ouro por “Natiruts Reggae Brasil”, e turnês que percorreram o país inteiro e se estenderam para outras partes do mundo, com “uma sólida carreira internacional que muitas pessoas desconhecem”, alcançando Oceania, Américas, Europa e Ásia. Luís Maurício conta que, depois de tanto chão, o grupo avaliou que “começava a se repetir”.

“A gente nunca quis seguir fórmulas. Por mais que trabalhasse dentro do reggae, sempre agregamos outros estilos ao nosso som”, sustenta Luís Maurício. Ele revela que, na imersão da pandemia, surgiu o estalo de colocar em prática a ideia que eles já vinham “namorado até antes desse período”.

“Lançamos um álbum e fizemos uma turnê traçando essa meta. Batemos no teto com o ‘Good Vibration’ e entendemos que, daqui pra frente, a tendência natural seria só descer, então resolvemos ter essa despedida, para brindar a nossa história e também os nossos fãs”, reforça o músico. O sentimento diante do anúncio do fim “foi contraditório, porque a comoção se misturou à sensação de dever cumprido”. “Entregamos nosso melhor, as canções continuam”, diz.

Repertório

Com sucessos que embalaram gerações como “Quero Ser Feliz Também”, “Presente de Um Beija-Flor”, “Me Namora”, “Tudo Vai Dar Certo”, dentre outros, Luís Maurício confessa que a escolha do repertório para as derradeiras apresentações “foi muito difícil”. “A gente sabe que não vai agradar todo mundo, sempre fica faltando uma, até hoje a gente discute se não acrescenta aquela, tira a outra”, gargalha.

Apesar desses ajustes finos que ocorrem a cada show, Luís Maurício garante que há “uma base abrangente” que contempla os grandes hits, privilegiando “as que funcionam melhor ao vivo do que no estúdio”, pela própria energia das composições. A experiência de subir ao palco em estádios com 50 mil pessoas tem sido documentada.

“É um momento único na nossa carreira. Se ver neste lugar, que era restrito às gigantescas bandas internacionais, para a gente é incrível”, afirma Luís Maurício, que, corroborando o entusiasmo, entrega a possibilidade de gravar uma minissérie com o material registrado. Essa animação promete se expandir em Belo Horizonte, cidade natal do baixista, que, além de “apaixonado” pela capital, faz questão de se declarar um “atleticano doente”.

“Vivo em função do Galo, sofro até”, brinca ele, cuja família por parte de pai e mãe permanece em BH. “Tenho muito orgulho de ser mineiro, o nosso público na cidade é muito fiel, todos os anos passo por aí. A produção é que está doida comigo porque a quantidade de cortesias para a família está explodindo…!”, diverte-se.

Legado

Ao celebrar dez anos de história, o Natiruts professou a sua habitual mensagem de paz e consciência livre com o seu primeiro registro audiovisual, o hoje histórico DVD “Natiruts Reggae Power”, de 2006. “Viemos com uma proposta musicalmente inovadora. Naquela época não se falava no Brasil em reggaetown, que já era muito popular no Caribe e na América Central em geral”, observa Luís Maurício.

O acontecimento levou o Natiruts a “estourar várias bolhas, a do reggae, do pop e da música como um todo”. “Essa música popularizou o som do Natiruts para além dos nichos. A gente estava tocando em rádio popular de sertanejo e pagode”, relembra o músico. Outro marco, segundo ele, foi a gravação do DVD “Acústico”, no ano de 2012.

“Ali, a nossa musicalidade brasileira vem à tona porque tocamos as canções ao violão, com uma roupagem que privilegiava as harmonias”, salienta Luís Maurício, que destaca a composição paradisíaca do cenário no Rio de Janeiro, “cartão postal do Brasil, com a Baía de Guanabara, o Cristo Redentor, a Lagoa Rodrigo de Freitas, aquela maravilha”.

A exibição desse “reggae com sotaque brasileiro” teria dado um “fôlego novo” para a carreira da trupe, que, de Brasília, inscreveu seu nome na história. “Estamos nos despedindo dos palcos, mas as canções perpetuam o nosso legado”, arremata Luís Maurício, certo que, como Pelé, ajudou a alegrar a rotina dos brasileiros.

Maconha 

Há um ano na presidência da Associação Brasileira da Cannabis e Cânhamo Industrial, que visa promover o uso responsável e legal da planta no Brasil, Luís Maurício conta que esse foi um “caminho natural” em sua vida, que adquiriu força “como um novo propósito”. “Acordo e vou dormir pensando nisso, na saúde das pessoas. Passei a ter contato diário com pacientes. Quando as pessoas entendem que um medicamento vindo de uma planta faz tanta diferença na vida delas, que elas passam a não ter mais convulsões, é gratificante. Vesti essa camisa e levantei essa bandeira, que abriu ainda mais a minha cabeça”, proclama o artista. Para ele é “injustificável não se produzir cânhamo” no país.

Cultivada em mais de 80 países e tendo a China, “um país totalmente proibicionista”, como maior exportadora do mundo, a planta é uma variedade da Cannabis sativa, que, ao contrário da maconha, não é psicoativa, ou seja, não atua sobre o cérebro alterando a sua percepção de consciência. Segundo Luís Maurício, a atual empreitada dá continuidade ao que o Natiruts “sempre pregou, falando de justiça social e lutando para que as coisas mudem”.

“Quem vai preso no Brasil por conta de maconha, na grande maioria, são os pretos, pobres e favelados. Isso tudo mexeu comigo e me trouxe questões de saúde, economia e justiça”, reflete Luís Maurício, que costuma dizer que “as drogas estão liberadas, elas não estão legalizadas. “A gente precisa quebrar esse preconceito e tratar o dependente como um caso de saúde, e não de polícia”, vaticina.

Por fim, ele revela que tem empunhado na turnê de despedida do Natiruts o primeiro baixo do mundo feito à base de cânhamo. “Procurei em tudo quanto é lugar e só existia guitarra de cânhamo”, compartilha Luís Maurício, que, do Tennessee, nos Estados Unidos, importou a madeira levada até um luthier, que talhou o baixo “maravilhoso, com um som absurdo de bom que até me surpreendeu”.

“Nossa turnê é também para dar visibilidade a essa causa, passamos um vídeo mostrando casos reais de famílias que usam óleo de cânhamo para tratar epilepsia, Parkinson e autismo, mostrando os benefícios na vida dessas pessoas”, finaliza Luís Maurício, com renovadas esperanças.

Serviço

O quê. Turnê de despedida do Natiruts

Quando. Nesta sexta (15), às 20h

Onde. Esplanada do Mineirão (av. Abrahão Caram, 1.001)

Quanto. A partir de R$85 (meia) pelo site www.eventim.com.br