Um trabalho que, de tão meticuloso, não raro se torna tenso. E, mesmo quando impecável, permanece invisível, como é da natureza dos tantos outros ofícios que se ocupam dos bastidores, daqueles que envidam esforços por aplausos que não serão propriamente seus. É este o papel que Sérgio Arruda desempenha há 25 anos na cena das artes visuais de Belo Horizonte, onde atua como montador de exposições, sendo um dos pioneiros e principais nomes do ramo na cidade.
Pelas mãos do profissional, já passaram obras com um paradoxal combo: eternizadas na história da arte, podem ser esfaceladas ao menor descuido pela fragilidade adquirida justamente pelo correr do tempo que as consagrou. Fenômeno que desemboca em uma temida combinação: há, de um lado, o valor incalculável e, de outro, o permanente risco de danificação. “Então, é um trabalho que exige muito, que tem uma certa aflição, vamos dizer assim. Não é simplesmente bater o martelo e colocar a obra lá. Vai muito além disso. Muito além”, reconhece.
Sobre o tamanho da responsabilidade, aliás, a lista de trabalhos mais desafiadores fala por si. Nela aparecem, por exemplo, exposições realizadas na Casa Fiat de Cultura, quando o equipamento ainda funcionava no Belvedere, bairro nobre localizado na região Centro-sul de BH. “Teve um que marcou muito, que foi o do (escultor francês Auguste) Rodin”, lembra. “Além das esculturas, tinha uma série de fotografias dele que estavam sendo expostas pela primeira vez. Um material tão raro que, depois, voltou para um museu, onde permaneceu sem ser exposto por muito tempo, para que fosse preservado”, descreve.
No mesmo espaço, outras duas exposições aparecem no ranking das mais trabalhosas: uma delas reuniu gravuras feitas pelo pintor, ceramista e gravurista judeu belaruso-francês Marc Chagall; e, a outra, foi dedicada a trabalhos de Caravaggio, expoente do barroco italiano do século XVI. “Foram daquelas de dar um frio na espinha só de imaginar que algo poderia dar errado”, confessa, celebrando que, em todos os casos, tudo transcorreu na mais perfeita paz – claro, no limite do possível, considerando a tensão natural que tais empreitadas implicaram.
Não por acaso, o montador reconhece que, para desempenhar seu trabalho, uma série de atributos são, mais do que desejáveis, essenciais. “A primeira coisa necessária é ter conhecimento museológico, sabendo como manusear as obras sem as danificar. Também é preciso ter domínio sobre o funcionamento dos equipamentos necessários para realizar essas montagens, saber fazer cálculos, avaliar medidas. E, principalmente, é fundamental ser cuidadoso e estar constantemente vigilante ao seu entorno. Quando estou em uma montagem, não posso dar um só passo para trás sem antes verificar o que está ao redor”, crava, ressaltando que, nesse trabalho, acidentes podem ser irreversíveis.
Por acaso
A proximidade com grandes artistas não é propriamente uma novidade para Sérgio Arruda. Ao menos em teoria. Ele, afinal, já estava habituado a cada um desses nomes, citados e estudados no seu processo de formação em artes visuais pela Escola Guignard, da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), no início da década de 1990. Curso que serviu de trampolim para que o belo-horizontino se iniciasse na montagem de exposições, mesmo que, na trajetória de Arruda, tudo pareça ter acontecido meio por acaso.
Pelo menos, essa era a sensação que ele tinha enquanto era guiado pelo faro de Pedro Augusto, um ex-professor de pintura, que faleceu em 2008. “Em 1999, ele me chamou para uma mostra em Nova Lima. À medida que os trabalhos começaram a ser feitos, em um ateliê, ele e a Cláudia Renault (artista plástica, professora de artes), sabendo da minha facilidade para lidar com ferramentas, fazer cálculos, tirar medidas, me convidaram para fazer a montagem para o grupo”, recorda.
Depois dessa primeira experiência, outros convites vieram. “Muitos colegas passaram a me chamar quando iam fazer uma individual e eu nunca mais parei”, aponta.
Rapidamente, o artista abraçou o ofício e, já em meados dos anos 2000, passou a trabalhar profissionalmente com a montagem de exposições de arte. “Daí, as instituições começaram a buscar esse tipo de serviço com gente daqui, porque, até então, quando vinha uma mostra de fora, o pessoal da montagem vinha junto, uma vez que não havia profissionais especializados nesse ramo em Minas”, cita.
Atuação
Agora, com tanto tempo de experiência e conhecendo como ninguém os bastidores da cena das artes visuais em BH, Sérgio Arruda se anima ao falar de como essa cena vem em uma crescente na cidade. “Já tem um tempo que percebemos essa consolidação. É outra cidade em relação à quando me formei, na década de 1990, quando as perspectivas eram muito limitadas”, compara. Mas, para ele, ainda há espaço para um crescimento ainda maior.
“Só que, para isso acontecer, é importante não andar para trás, como está acontecendo no caso da Galeria de Arte do BDMG Cultural”, pontua, fazendo referência ao encerramento das atividades do equipamento a partir do próximo ano após decisão do conselho do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) de extinguir seu braço cultural. “Infelizmente, devo ter feito a última exposição desse espaço, que, apesar de um histórico de 35 anos de atuação bem-sucedida, vai ser fechado”, lamenta.
O equipamento, aliás, é mais um entre as galerias, museus e centros culturais atendidos pelo montador na capital mineira. “Em BH, faço muitos dos equipamentos do Circuito Liberdade”, inteirando que outros clientes do mesmo roteiro são a já mencionada Casa Fiat de Cultura e o Memorial Minas Gerais Vale, atualmente fechado para reforma.
“Da Fundação Clóvis Salgado (FCS), por meio de um contrato com a APPA (gestora de projetos culturais e patrimoniais que atende diversas instituições em Minas e outros Estados brasileiros), por exemplo, faço as exposições no Palácio das Artes e na Câmara Sete”, comenta, acrescentando que, recentemente, montou a exposição atualmente em cartaz na Galeria de Arte do Centro Cultural Unimed-BH Minas.
Patrimônio
Com o tempo, a experiência e a profissionalização, Sérgio Arruda passou a atender também projetos que envolviam restauro e conservação do patrimônio histórico e cultural. Daí, passou a circular também por cidades históricas mineiras.
Foi uma equipe liderada por ele a responsável pela montagem do Museu de Mariana, inaugurado em outubro do ano passado. Em Ouro Preto, Arruda já perdeu a conta de quantas mostras fez no Museu Casa Guignard. “Também participei da restauração do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas”, recorda.
Ainda na seara do patrimônio histórico, voltando a BH, o montador atuou no restauro da Igreja São Francisco de Assis, que integra o Conjunto Arquitetônico da Pampulha. “Fui eu que criei o sistema de fixação para os trabalhos do Portinari que ficam em exposição lá”, orgulha-se, referindo-se às telas que, para se adequarem à arquitetura do interior do templo religioso, ficam em posição perpendicular ao solo, garantindo melhor visibilidade do espectador.
Outro projeto que envaidece o artista está no Inhotim: a equipe dele trabalhou na montagem da exposição que homenageia a fotógrafa Claudia Andujar. A galeria, que leva o nome da fotógrafa suíça, reúne mais de 400 fotos que registram o universo yanomami por meio de imagens feitas entre 1950 e 2010.