A principal diferença entre o primeiro "O Auto da Compadecida", lançado há 25 anos, e a sequência em cartaz nos cinemas, é o ritmo. No primeiro, os diálogos têm uma troca intensa e acelerada, se tornando o principal motor de divertimento.
Uma cena exemplar neste sentido é quando João Grilo e Chicó discutem um plano após a morte da cachorrinha da mulher do padeiro. A construção se dá de maneira rápida e coreografada, como se a dupla de amigos dançasse ao som de suas próprias palavras.
Reforçado por uma edição igualmente frenética, o filme funciona como um musical sobre o ser brasileiro. É possível dizer, sem medo de errar, que "Auto 1" é o filme que mais emana amor à nossa gente em toda a história do cinema nacional.
Essa é uma das razões para ele nos fazer emocionar, ao inocular um sentimento de apaziguamento e orgulho, raros num cinema que sempre buscou estabelecer conflitos sobre nossa essência - mesmo quando se propõe emocionar, como ocorre com "Central do Brasil".
Esse amor em "O Auto da Compadecida 2" é de outra ordem. Está nas rugas e na vivência de seus protagonistas, novamente feitos por João Grilo e Chicó. Eles precisam passar por tudo mais uma vez para testar a resiliência dessa relação de amizade.
Por isso a sensação de repetição, de a história ser praticamente a mesma do primeiro, com João Grilo morrendo após bolar mais um plano para mexer com os poderes constituídos. No final, é acusado e julgado no céu, defendido por uma Nossa Senhora negra.
Não se trata propriamente de discutir raça, mas sim chamar a atenção para essa troca de lugares - de um Jesus Cristo como sinônimo de justiça para uma Compadecida extremamente generosa. As divindades refletem integralmente o povo brasileiro.
É a chave para a compreensão do filme. O ritmo incessante ainda se faz presente na atuação em alta velocidade de Eduardo Sterblitch, como um dono de rádio de boa lábia, ou na participação dançante de Fabíula Nascimento, candidata à nova namoradinha de Chicó.
O fato de Chicó ainda se manter fiel a Rosinha após mais de 20 anos sem vê-la, apesar de uma traição e outra, resume a mensagem emocional que "Auto 2" tenta passar, sobre os valores de uma época que podem e devem ser resgatados, por convicção nossa.
É uma história sobre crença, no seu sentido mais humano e político, especialmente após a sensação de o mundo ter virado de ponta-cabeça de 2000 para cá. "Auto 2" tem por missão botar um pé no freio e dizer o que ficou de importante.
Nesta dança, o ritmo é compassado, como numa dança de salão. O que vale é João Grilo e Chicó estarem juntos. Eles retornam para nos lembrar o verdadeiro sentido das coisas, uma vocação agregadora simbolizada por seu lançamento natalino.