Quando pôs no papel a ideia de fazer um documentário sobre Pepe Mujica, o diretor Pablo Trobo não queria focar no dia a dia do ex-presidente uruguaio, atualmente com 89 anos e dedicado a ajudar a esposa no cultivo de flores numa chácara localizada na zona rural de Montevidéu. Com “Os Sonhos de Pepe”, em cartaz nos cinemas, o objetivo era dar ênfase ao legado político e filosófico, mas, após algumas horas de convívio com o biografado, viu o filme caminhar em outro sentido, como ele mesmo admite em entrevista a O TEMPO.
“O objetivo de retratar Mujica é resgatar o que muitas vezes se perde com o foco nele como alguém singular, que vive em uma fazenda, que foi o presidente mais pobre, etc. Meu objetivo era resgatar o máximo possível de sua filosofia e deixar sua vida pessoal em segundo plano. Agora é uma tarefa quase impossível, porque Mujica, sua vida e seu pensamento estão ligados uns aos outros. Ele é alguém extraordinário”, confessa Trobo, que foi testemunha do fascínio que o ex-militante dos Tupamaros ainda exerce nos uruguaios.
“De qualquer forma, minha intenção era mostrá-lo como ele é. Alguns críticos de cinema disseram que o filme procura endeusar Mujica e fui muito criticado por isso, mas não ficcionalizei nada do que se vê no documentário. O amor das pessoas por Pepe é real e eu fui apenas uma testemunha disso”, afirma o realizador, cuja trajetória de vida tem muitas semelhanças com a do ex-presidente. Ele também vem de bairros pobres de classes trabalhadoras e morou um tempo, quando criança, numa fazenda onde plantavam flores.
“Minha história pessoal com Pepe é que me identifico com seu modo de pensar, mas se colocarmos em perspectiva, há coisas na vida que se conectam, alguns cenários comuns. Temos muito a aprender com ele e, acima de tudo, temos a obrigação de transmitir os ensinamentos de Pepe às gerações futuras”, registra Trobo. Boa parte de “Os Sonhos de Pepe”, por sinal, acompanha Mujica em suas andanças pelo mundo, durante conferências de diversos tipos, em que deixa muito claro os rumos da humanidade.
“Vivemos em um mundo com um sistema que nos programa o tempo todo. Um governo de corporações globais que nos diz o que comer, como nos vestir, como temos que ser. E esse sistema faz isso desde que somos crianças. Somos programados para nos encaixar no sistema. A mensagem do Pepe deve ser dirigida para as gerações futuras, deve fazer parte desse novo mundo de que precisamos”, defende Trobo, que planeja produzir mais dois filmes sobre Mujica, a partir de novos ângulos.
“Serão sonhos mais reais, um sobre a integração latino-americana e o outro uma biografia, mostrando seus sonhos desde criança. Mas talvez o mais importante seja o sonho de mudar o mundo, que o acompanhou por toda a vida”, destaca. Quando presidente, entre 2010 e 2015, Mujica estruturou politicas progressistas e ousadas, legalizando a maconha e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, além de implementar reformas relacionadas às mulheres (a questão do aborto, principalmente) e aos direitos humanos.
Um dos aspectos que chama a atenção no documentário é a repetição de sequências passadas em metrôs e aeroportos. “Nesta sociedade, parece que estamos em trânsito o tempo todo. Vivemos em uma sociedade que nos deixa ansiosos, achamos difícil relaxar e aproveitar a vida. Há cada vez menos tempo para viver e mais tempo para trabalhar, o que nos faz esquecer a simplicidade da vida. Todas as pessoas que aparecem no filme se movendo de um lado para o outro são, na realidade, uma alegoria do tempo que escorrega por nossas mãos”.
O filme tem várias menções ao Brasil, inclusive na trilha sonora. O tema principal de Mujica é “O Trenzinho do Caipira”, composta por Heitor Villa-Lobos. “É um trabalho maravilhoso. Para mim, ela (a música) conta a vida de Mujica como ela é. Como um argentino que morreu na Bolívia costumava dizer, ‘hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás’ (‘você tem que se endurecer, mas sem perder a ternura’), saliente Trobo, citando Che Guevara, um dos líderes da Revolução Cubana ao lado de Fidel Castro.