Andréia Horta já tinha saído da cidade natal, Juiz de Fora, e estava cursando teatro na Faculdade Paulista de Artes, em São Paulo, quando o filme “Cidade de Deus” foi lançado em 2002, logo se transformando num fenômeno internacional, com quatro indicações ao Oscar.

Pouco mais de duas décadas depois, a atriz entra neste universo, que abriu as portas para o gênero “favela movie”, pela porta da frente, como um dos principais nomes da série “Cidade de Deus: A Luta Não Para”, que será lançada neste domingo, na plataforma de streaming Max.

Na pele de Jerusa, mulher de um chefe do tráfico, ela vira motor dos trágicos acontecimentos em Cidade de Deus. “É uma personagem totalmente diferente de todas que eu já fiz. Ela é fascinante pelas forças que evoca e pelas zonas que da alma humana que transita”, afirma.

Andréia chama a atenção para a falta de escrúpulos e pelas doses de crueldade de Jerusa, “fruto daquela estrutura política e social”, algo inédito em sua carreira – ela já tinha feito uma vilã na novela “Tempo de Amar” (2017), mas nada parecido com a carga realista empregada na série.

Também é a primeira vez da atriz mineira numa trama policial recheada de ação. “A própria personagem é muito ágil, no raciocínio e nas ações. Tudo isso exige um outro corpo da gente, uma energia própria para uma personagem que está o tempo inteiro entre a vida e a morte”, assinala.

“As escolhas que ela faz e as pessoas das quais ela se cerca deixa tudo em perigo. E ela mesma é o próprio caos. Ela é a personagem que pega o fósforo e o álcool e joga. Além de estar em perigo o tempo todo, Jerusa é uma bomba”, detalha Andréia, que faz par na série com Thiago Martins.

Em 2002, ela estava no último ano da faculdade de Artes Cênicas e já trabalhava em peças de teatro. Ainda sem experiência na tela grande, ela recorda que sofreu um grande impacto ao ver o filme baseado na obra de Paulo Lins e dirigido por Fernando Meirelles e Kátia Lund. 

“Eu tinha 19 anos e lembro que o cinema brasileiro, enquanto linguagem, estava retomando naquele momento. E ‘Cidade de Deus’ veio com toda aquela força e eu não tinha visto aquele registro das atuações. Era algo novo para mim. Sem falar no trabalho de câmera e na montagem”, recorda.

Com esse impacto na lembrança, ela recebeu o convite para participar da série como uma grande honra. “A gente continua a pensar e a refletir a história do Rio de Janeiro, olhando tudo em perspectiva. A gente tem a chance de atualizar coisas e a série está fazendo isso”, analisa.

Em relação à construção de Jerusa, Andréia revela que a “madrinha” da personagem é Lady Macbeth, criada pelo escrito inglês William Shakespeare para a peça “Macbeth”. “Ela é sinônimo de fascínio pelo poder, buscando de forma desmedida alcançar o que quer. Não é uma coisa específica do homem, como se pode acreditar. O fascínio pelo poder pode acometer qualquer gênero”.

A atriz também mergulhou na biografia de mulheres que são expoentes do tráfico de drogas e de outras corporações no Brasil. “Mulheres que foram presas, que estavam fazendo negócios ilícitos ou que mataram muito. Foi a partir delas que comecei a mapear os caminhos de Jerusa”, destaca.

Toda essa raiva incontida contrasta com o momento de Andréia, que espera o nascimento de sua filha, fruto do relacionamento com Ravel Andrade. Depois de emendar vários trabalhos, entre eles o papel-título da cinebiografia “Elis”. “É uma gravidez muito desejada e esperada. Estou em estado de graça diariamente”.

Ela conta que, devido à gravidez, teve que declinar de vários convites, como novelas, séries e peças de teatro. Mas tem aproveitado para lapidar a escrita de um roteiro. “Estou fazendo para eu atuar nele. Não devo dirigir. Como é uma coisa própria, posso fazer no meu tempo”, avisa.