“A Substância” é um dos melhores filmes de terror lançados nos últimos anos. E isso deve muito a David Cronenberg, cineasta canadense que construiu uma filmografia em que tecnologias e corpos se fundem, criando bizarras metamorfoses como crítica à sociedade atual em obras como “A Mosca”, “eXistenZ” e “Crash – Estranhos Prazeres”.

No filme da diretora francesa Coralie Fargeat, que estreia hoje nos cinemas, a marca de Cronenberg está impressa na maneira como expõe, com muito sangue e vísceras, certas obsessões alimentadas por um ordem social maculada e nociva, escondidas por baixo de valores aceitos como normais, como o culto à beleza, tema principal de “A Substância”.

Demi Moore vive uma atriz de renome, apresentadora de um programa de ginástica. Ao chegar aos 50 anos, porém, sua carreira desaba por um evidente preconceito etário da sociedade, que liga beleza à juventude. A tecnologia entra em cena quando ela recebe a tal “substância” do título.

A atriz ganha um “duplo”, se assim podemos dizer, com metade da idade e estonteantemente bela (interpretada por Margaret Qualley). Oferecida por uma misteriosa organização, que aparentemente não pede nada pelo serviço, essa poção milagrosa cobra, claro, um preço muito alto.

A única regra é que a atriz e seu duplo devem permanecer em equilíbrio, com uma cuidando da outra para continuarem coexistindo. Nunca poderão ficar juntas, pois enquanto uma leva uma vida normal, a outra “se desliga” completamente, com os fluidos do corpo estático servindo de alimento, com elas devendo se revezar após sete dias.

A impossibilidade dessa comunhão, reflexo de nossos tempos, é um dos aspectos que mais chamam a atenção no filme. O duplo sintetiza um conflito interior que irá apontar para uma crua e indigesta oposição: uma quer aproveitar ao máximo o tempo de juventude, rejeitando a velhice, e a matriz amarga o sucesso de seu eu mais belo. 

Como nos trabalhos de Cronenberg, vemos orifícios que se tornam portas de entrada para essa escabrosa metamorfose, simbólicas da referência sexual e canibalística que pauta o desejo da audiência (em especial, dos homens) por “carne fresca”. Nesse sentido, impressiona a ousadia de Demi e Margaret, que expõem seus corpos de maneira visceral.