Nenhum deles ligou a câmera, pensando: “vou me gravar fazendo vídeos para me tornar muito famoso um dia.” Tudo aconteceu despretensiosamente, de maneira natural. A ideia, basicamente, era fazer com que as pessoas rissem, se identificassem ou até se emocionassem. É assim que influenciadores descrevem o início de suas trajetórias como produtores de conteúdos de entretenimento.
Com aumento exponencial dos consumos de vídeos curtos – somente o TikTok alcançou a marca de 16 bilhões de visualizações de vídeo em 2023, segundo a Comscore –, e o humor sendo líder na preferência desse público (65% dos usurários do TikTok buscam conteúdo engraçados, de acordo com pesquisa Opinion Box), explodiu também o número de perfis que se dedicam a produzir conteúdos cômicos.
O período da pandemia, a propósito, foi determinante para muitos desses influenciadores, que já ensaiavam uma carreira, mas precisavam conciliá-la com o trabalho fixo. Esse é o caso de Fábio Cruz, o Fabão (@eusoufabao), que acumula quase 500 mil seguidores em suas redes sociais.
“Costumo dizer que sou ‘filho da pandemia’. Logo após perder a minha mãe e enfrentar os anos do isolamento, senti uma necessidade enorme de me comunicar, de colocar para fora o que eu estava sentindo. Por acreditar que tudo é possível com humor, foi por meio dele que consegui canalizar e alguns pensamentos e vivências. Daí, quando dei por mim, já estava criando conteúdo, escrevendo roteiros, improvisando falas e ações”, aponta.
Fabão cria histórias com personagens pouco usuais. Em um de seus vídeos mais assistidos, por exemplo, ele representa as ervas finas, que chegam na estante de temperos de uma cozinha e estranham o fato de o dono da casa usá-las no preparo de macarrão espontâneo, e, não, de um escargot – afinal, ela é fina.
“Gosto de trazer brasilidades, para que todos se identifiquem. Por exemplo, as ervas finas questionam: ‘ele vai me usar no Miojo?’, e isso reflete muito no que o brasileiro faz, essa mistura, usar algo que comprou no mercado, que tem nome chique, não saber onde colocar, usa no Miojo e tá tudo bem. No fim do dia, eu busco a identificação, que o brasileiro seja ou conheça alguém ‘ervas finas’, sabe?”, analisa.
O influenciador trabalhava em uma agência de marketing, e, hoje, é a empresa que administra a carreira dele. “Percebi que a vida de influenciador estava conflitando com a minha vida na agência, o que resultava em alguns atrasos em entregas. Neste momento, eu optei por seguir a carreira de influenciador, mas não mais como funcionário”, destaca. Para se aprimorar ainda mais, ele está fazendo teatro. “Estudo na CAL, a Casa das Artes de Laranjeiras, e estou aprimorando a minha atuação para diversos cenários imaginários”, sinaliza.
Outro influenciador que também se decidiu direcionar todos os esforços para a vida digital durante a emergência sanitária foi o mineiro de Ijaci, Thallysson Borges (@thallysson). Com 18,5 milhões de seguidores em seus perfis, ele começou a produzir conteúdos de humor para as redes sociais em 2015. Mas os vídeos eram esporádicos.
“Postava uma coisa ou outra a cada dois meses. Meus vídeos eram assistidos por pessoas da minha família e amigos e chegavam a 1.000 visualizações, e eu já achava chiquíssimo. Quando a pandemia veio, eu falei: ‘é agora ou nunca’”, lembra. Então, ele foi para a garagem de casa, pegou o vaso da mãe para servir de tripé e passou a produzir cerca de 10, 20 esquetes por dia. “Então, rapidamente comecei a ganhar muitos seguidores estando em casa, porque tinha muito medo da doença. Tanto é que a primeira vez que saí do confinamento já foi para poder receber um prêmio do TikTok”, afirma. Apenas na rede social chinesa, Thallysson tem 12,8 milhões de seguidores.
Em seus perfis, ele dá vida à Trapina e ao Clayton. As personagens, segundo ele, surgiram “do nada.” “Eu falei com a minha irmã: ‘preciso de pelo menos duas roupinhas suas’ e pedi o mesmo para o meu irmão. Meu pai me deu duas perucas, e eu criei a Trapina”. Nos vídeos, Trapina aparece sempre de cropped rosa, de peruca loira e com um copo de plástico entre os seios.
“Ela representa a nata da mulher, que tem muitas vontades, mas, ao mesmo tempo, tem medo de fazer certas coisas. É um pouquinho de tudo”, explica. Já o Clayton surge quando Thallysson coloca óculos escuros no meio da testa e se veste com uma camisa de futebol. “Quis que ele representasse uma massa masculina, para que as pessoas se identificassem ao máximo com ele”, indica.
Borges conta ainda que adora “a liberdade de viver várias personagens em seu perfil”, e, assim, poder explorar diferentes versões de si mesmo. “É como se eu pudesse ser quem eu quiser ali, e isso me traz uma sensação muito boa. Gosto de me permitir ser todas as personalidades que existem no mundo, todos os dias. É algo que me diverte e me inspira”, diz.
“Se eu quiser ser fitness, eu sou nos vídeos. Se eu quiser encarnar uma vibe mais descolada, eu sou também. Se eu quiser ser uma pessoa ligada à igreja, eu consigo viver isso. Procuro criar essas personas da forma mais autêntica possível, tentando ser o mais fiel a elas. Quando decido me jogar em um personagem, faço isso de verdade, dou o meu melhor. Claro, às vezes eu erro ou não acerto totalmente, mas é essa tentativa de viver o que me fascina que torna tudo tão especial para mim”, elabora.
Internet como vitrine para o trabalho de ator
Antes mesmo de começar a produzir vídeos para internet, Diego Cruz (@diegocruz_), com 12,6 milhões de seguidores, já trabalhava como ator. Ele começou a estudar teatro em 2015 e chegou a fazer vários espetáculos. “Paralelo a isso, também fiz faculdade de publicidade e comecei a trabalhar com vendas, porque é dificílimo viver de arte no Brasil”, recorda.
Mas, na pandemia, durante as férias de uma start-up de educação, ele percebeu que a internet poderia ser uma auxiliar para poder voltar a trabalhar com arte. “Daí, comecei a embarcar na criação dos vídeos curtos, com objetivo de criar uma vitrine para o meu trabalho de ator, que já existia”, comenta.
Nos vídeos, ele veste a pele de diferentes personagens, como professora de escola infantil, a mãe exausta, o jogador de futebol, o gerente de restaurante e um típico pai.
“Minha inspiração vem da observação constante do cotidiano. Sempre fui muito atento aos detalhes, desde criança. Gostava de observar os trejeitos dos meus amigos e familiares e imitá-los. Com o tempo, isso se transformou em algo mais sério e acabou se profissionalizando nos meus conteúdos. Meu humor é baseado na identificação. Ele retrata pessoas e situações do nosso dia a dia, com atitudes que se repetem e se tornam clichês, mas que muitas vezes não percebemos”, conta.
A atuação nas redes sociais, aliás, já rendeu a Cruz duas participações em novelas da TV Globo. Ele trabalhou no remake “Elas Por Elas” (2023), em que viveu Aramis, um advogado apaixonado por Yeda (Castorine), filha mais velha de Lara, vivida por Debora Secco.
“Acompanhei várias novelas, especialmente aquelas clássicas dos anos 2000, numa época em que basicamente só existia TV aberta. Cresci vendo esses atores, admirando o trabalho deles, e sempre tive vontade de fazer parte desse universo. Quando surgiu o convite para o teste, eu sabia que precisava agarrar essa oportunidade com unhas e dentes. Felizmente, passei no teste e fui chamado para integrar o elenco fixo da novela. Foi, sem dúvida, a realização de um sonho”, afirma. Diego Cruz também atuou como São Judas Tadeu em “Quanto Mais Vida, Melhor!”, novela das sete da TV Globo exibida em 2021.