São três horas e 35 minutos de duração, incluindo intervalo de 15 minutos, mas não espere em “O Brutalista” um filme mais calcado na palavra do que na ação, em ritmo contemplativo. O diretor Brady Corbet faz o que podemos definir como “cinema de fundação”, na mesma estatura épica de obras como “Era uma Vez na América” (1984), de Sergio Leone, e “Gangues de Nova York” (2002), de Martin Scorsese.

Nesse tipo de abordagem, a pequena e a grande história caminham lado a lado, contando a trajetória de um grupo de personagens num determinado cenário geográfico, social e político, a partir de um arco temporal específico. Trata-se menos da busca de um herói do que encontrar certos denominadores comuns que caracterizam uma situação sobre o tripé nacionalidade, lugar e período histórico.

Fundamentalmente, o que aproxima “O Brutalista” – que estreia nesta quinta-feira (20) como um dos favoritos ao Oscar 2025 – de “Era uma Vez na América” e “Gangues de Nova York” é a questão da imigração, sobre a chegada de europeus em momentos importantes da formação dos Estados Unidos. Apesar de mirarem períodos distintos, todos são envolvidos por uma mesma questão: a violência, em diferentes níveis.

Vistos em conjunto, é possível encontrar respostas para a criação de uma nação marcada por ódio e preconceito. “O Brutalista” se passa no pós-Segunda Guerra Mundial, quando o húngaro László Toth chega a Nova York num navio. A primeira imagem dele na nova terra é de uma Estátua da Liberdade enviesada, numa sequência que já nos antecipa a relação do imigrante  com a sociedade americana.

Para mostrar essa violência, Corbert faz uma inversão curiosa e muito bem-sucedida. A princípio, pouco sabemos sobre o passado de Toth. As raras palavras sobre o que sofreu durante a guerra também se destinam ao espectador. A história, portanto, se move em torno da adaptação do imigrante àquela cultura. Vemos imagens de arquivo da época sobre o progresso e as qualidades da Filadélfia, cidade onde ele foi morar.

Enquanto a principal cidade da Pensilvânia desfruta de seu desenvolvimento, o protagonista tenta começar uma nova vida e, com formação em arquitetura, passa a trabalhar na loja de móveis de um primo, enfrentando os primeiros sinais de rejeição. A motivação é religiosa, já que Toth é judeu. O primo, que também veio da Hungria, mudou de nome, adotou os valores americanos e se converteu ao catolicismo. 

A repulsa dirigida a Toth, fiel ao judaísmo, vai aumentando gradativamente de escala, especialmente quando ele é contratado por um milionário para construir uma instituição pública em prol do distrito de Doleystown, na Pensilvânia. De maneira minuciosa, Corbet instala, nas palavras e nas pequenas ações da família de Harrison Lee Van Buren, um antissemitismo que chega às vias do insuportável.

À medida que o arquiteto avança na portentosa construção, que vai durar anos, entre muitas idas e vindas, de acordo com o humor de Van Buren e da comunidade majoritariamente católica, o roteiro vai colocando tijolo por tijolo no muro que separa o húngaro daquele ambiente. A chegada da esposa e da sobrinha não só amplia a discriminação como também nos permite conhecer mais sobre aquela família.

Não é por acaso que o intervalo de “O Brutalista” – aviso importante: a contagem regressiva está inserida na própria projeção – acontece neste momento. A vinda de Erzsébet e Zsófia deflagra um grande descontentamento nos anfitriões, já que a esposa, jornalista e muito resoluta, não só serve de bússola para Toth como também os enfrenta, exibindo suas qualidades (formada em Oxford, na Inglaterra) e ironia.

Num belíssimo trabalho de escrita de contenção, entregando informações a conta-gotas, o filme oferece, enfim, uma rápida – porém, eficiente – descrição do que a família imigrante passou em campos de extermínio nazistas, durante um sofisticado jantar na mansão de Van Buren. Surpreendentemente, o texto não vai muito além disso (não há nenhum flashback ou detalhes das atrocidades).

No lugar disso, Corbet mergulha a narrativa num viés mais sensorial, colocando em primeiro planos as emoções de seus personagens. Enquanto os americanos evidenciam os dentes cerrados, Toth e Erzsébet se debatem internamente, como se a perseguição nazista estivesse de volta. Quando Toth e Van Buren estão na Itália, para comprar mármore de Carrara, o filme entra num estado entre a fantasia e o psicodélico.

Na Itália, acontece a cena mais chocante de “O Brutalista”, que se torna a síntese da história que Corbet quer enfatizar: numa nação fundada por imigrantes, só realmente é considerado americano aquele que se molda inteiramente aos valores do país, praticamente esvaziando suas origens. Assim, juntamente com a imagem da Estátua da Liberdade de ponta-cabeça, o filme põe em xeque o sonho americano.

Com tantos elementos fortes e consistentes, a impressão que o filme nos dá, especialmente por seu final, é de um roteiro baseado em caso real. Mas quem for procurar por Toth, vai encontrar apenas informações sobre o movimento artístico que dá título ao filme, que buscava criar uma arquitetura honesta e autêntica, ingredientes que não são permitidos ao protagonista. Por sua grandiosidade épica, não será surpresa se o longa levar o Oscar principal.