O sol é a estrela central do Sistema Solar e é também uma grande fonte de energia, luz e inspiração. Mas no Carnaval que a Portela vai levar este ano para a Marquês de Sapucaí, o “astro-rei” vai brilhar como nunca mesmo sendo madrugada de 4 para 5 de março. Com o enredo “Cantar será buscar o caminho que vai dar no sol…”, a agremiação - que é a mais antiga da folia carioca e também a maior campeã do Rio de Janeiro (são 22 títulos) - , vai celebrar o artista que carrega MI (lton) NAS (cimento) no nome e na alma.
“O desenvolvimento é exatamente o que o título sugere. A gente vai sair em procissão numa grande cantoria cantando e exaltando, lembrando essas grandes canções que tocam o emocional do povo brasileiro, que falam sobre nossas identidades, sobre nossa cultura, sobre nossa percepção sobre a vida, sobre a poesia, sobre a música, até chegarmos nesse grande trono no final, em Minas Gerais, para coroar o Milton Nascimento como o grande sol da música popular brasileira”, comenta Antônio Gonzaga, um dos carnavalescos da escola de Madureira ao lado de André Rodrigues.
Bituca esteve na semana passada no barracão portelense e falou ao jornal O TEMPO sobre a emoção de receber uma das maiores homenagens em vida que um ser humano pode ter: “Eu tive a honra de ir até o barracão da Portela, onde fui acolhido de uma forma que pra mim é até difícil de acreditar, tamanho o carinho com que me receberam. André e Antônio, os carnavalescos da escola, me mostraram tudo o que planejaram para a Sapucaí, e todos nós nos emocionamos, muito!”, festeja.
Nas redes sociais da escola, Antônio e André deram algumas pistas do que pode rolar na passarela do samba. As tradicionais baianas devem fazer referências a um dos maiores hits de Bituca, “Maria, Maria”, parceria com Fernando Brant (1946-2015). Outras músicas e versos do cantor e compositor nascido no Rio de Janeiro, mas criado em Três Pontas, no sul de Minas, como “Vendedor de Sonhos”, “Os Tambores de Minas”, “Solar” “Cavaleiro negro que viveu mistérios e essas cores mórbidas, esses homens sórdidos, esse temporal”, trecho de “Paisagem da Janela”, também estarão presentes nas alas, fantasias, adereços e alegorias.
No entanto, os carnavalescos frisam que a história de vida de Milton não vai ser contada de forma literal na Sapucaí. A ideia é mostrar de que maneira sua trajetória e sua obra impactam a vida de cada um. “Nós investigamos como a música do Milton atravessa cada pessoa. Na verdade, não ficamos interessados em mostrar na avenida um desenvolvimento que falasse sobre a vida pessoal ou a trajetória pessoal, ou carreira do Milton Nascimento. O que importa pra gente é saber a enormidade, o tamanho do artista, a partir de como ele atravessa a vida das pessoas. E aí, nessas descobertas, vamos vendo como o Milton faz parte do cotidiano, dos momentos importantes de muitos brasileiros e também do nosso país em geral”, reforça André Rodrigues.
Destaques
Um dos momentos mais aguardados nos desfiles da Portela é a aparição da águia, maior símbolo da escola. André conta que ela virá logo na abertura e de forma bem imponente. Mas o ponto alto deve ficar mesmo para o final. Milton Nascimento vai literalmente fechar o Carnaval carioca já que ele está previsto para aparecer no carro alegórico que encerra o desfile da azul e branco de Madureira.
A Majestade do Samba será a última a entrar no Sambódromo na terça (4/3), último dia de desfiles. Em 2025, pela primeira vez, serão 3 dias de festa na Marquês de Sapucaí. “A gente acredita muito que o final da escola seja um momento dos mais emocionantes de todos. Até porque toda aparição do Milton Nascimento é um momento de celebração, de êxtase. E assim a gente espera que as pessoas no final do desfile da Portela, se juntem à escola e cantem e vibrem para a passagem do Milton”, anseia André.
O enredo “Cantar será buscar o caminho que vai dar no sol - Uma Homenagem a Milton Nascimento” marca uma grande novidade, como ressalta Antônio Gonzaga. “Nesses 102 anos de Portela, é a primeira vez que a escola escolhe homenagear um artista em vida. Isso dá a dimensão do Milton Nascimento para o cenário nacional; a importância dele para a música popular brasileira. Mas a gente também busca fazer uma forma de equiparar essas duas grandezas, essas duas potências. Em momento nenhum, a gente coloca o Milton Nascimento como maior que a Portela, ou a Portela maior que o Milton Nascimento. Mas é importante que os dois estejam se reverenciando, de alguma maneira, se homenageando nesse momento. É lindo ver como o Milton se debruça sobre a emoção portelense, e é bonito ver como a Portela também acaba se debruçando nas emoções que o Milton Nascimento traz para dentro da escola”, salienta o carnavalesco.
“Quem acredita na vida não deixa de amar”
De autoria de Samir Trindade, Fabrício Sena, Brian Ramos, Paulo Lopita 77, Deiny Leite, Felipe Sena, JP Figueir, o samba-enredo da Portela será interpretado na avenida por um dos intérpretes mais elogiados e premiados do Carnaval, Gilsinho. Nos ensaios técnicos e na quadra, é visível a força que a música ganhou justamente por conta do talento do cantor e da bateria conhecida como Tabajara do Samba. E no esquenta, antes da escola finalmente iniciar o seu desfile, trechos de “Maria, Maria” e “Raça”, duas parcerias de Milton e Brant, serão cantadas e tocadas pela Portela e prometem animar os presentes na Marquês de Sapucaí.
Um dos autores do samba, Samir Trindade - que é da ala de compositores da Portela e está nesse universo carnavalesco há muitos anos, sendo bastante respeitado no mundo dos bambas - revela que foi uma responsabilidade e, ao mesmo tempo, uma grande honra e um desafio criar uma canção que reverencia um dos maiores músicos do planeta.
“Foi uma motivação muito grande para todos nós compositores fazer um samba-enredo sobre o Milton, porque ele é um grande poeta da MPB. Pesquisamos e nos dedicamos bastante. E juntando com a Portela é um encontro de entidades e majestades. O que o povo esperava, talvez, fosse um samba com várias referências e até trechos de músicas do Milton. Pra gente seria muito mais fácil fazer assim. Mas, desde o início, o nosso entendimento da sinopse da escola, não era para ser um samba dessa forma; era um samba da Portela para cantar o Milton Nascimento, e não um samba da Portela com o Milton Nascimento. Preferimos usar a identidade da escola, uma poesia própria nossa com coisas implícitas, delicadas e sutis sobre o Milton, assim como é a própria obra dele”, esclarece o compositor.
A letra carrega várias referências da obra de Bituca e do Clube da Esquina como “Travessia”, "girassóis”, “esquina”, “cais” e “amizade”. Aliás, um dos trechos mais bonitos lembra não só o homenageado e seu esplendor, mas também uma das figuras portelenses mais emblemáticas da história do Carnaval, Antonio Candeia Filho (1935-1978), considerado o idealizador das comissões de frente das escolas de samba: “Onde Candeia é chama, Brilha Milton Nascimento”....
“O próprio ‘O Trem Azul’ (Lô Borges e Ronaldo Bastos), apesar de não ser uma música dele, mas que está ligado a ele, ao Clube, é colocado no samba através de uma figura de linguagem como se fosse a própria Portela. ou como se fosse um rio cantado pelo Paulinho da Viola. É um Trem Azul que leva a gente pela Sapucaí. Enfim, acho que conseguimos captar essa essência do Milton e fazer uma poesia muito bonita pra ele”, acredita Samir Trindade.
Clube da esquina
O desfile da Portela contará com amigos de Milton Nascimento, inclusive, integrantes do Clube da Esquina, como os compositores Márcio Borges e Ronaldo Bastos. Nas arquibancadas e camarotes, familiares de Fernando Brant, principal parceiro de Bituca e cujo verso inspirou o nome do enredo “Cantar será buscar o caminho que vai dar no sol…”, também estarão presentes para conferir a homenagem da azul e branca de Madureira ao maior artista vivo de Minas Gerais.
De outros Carnavais
Não é a primeira vez que Bituca é homenageado por uma escola de samba. Em 1989, a Unidos do Cabuçu, então no Grupo Especial do Rio de Janeiro, homenageou o artista com o enredo "Milton Nascimento, Sou do Mundo, Sou de Minas Gerais". O desfile foi ecologicamente correto, sem utilização de plumas e enfeites de origem animal, conforme pedido do próprio cantor, que desfilou na última alegoria.
A escola ficou em 14º lugar naquele ano que teve a Imperatriz Leopoldinense como a grande campeã ('Liberdade, Liberdade, Abre as Asas sobre Nós'). A Cabuçu seria rebaixada para o Grupo 2, mas seu descenso foi cancelado, para que, no ano seguinte, o grupo especial fosse composto por dezesseis escolas. Vários amigos, familiares de Milton Nascimento e integrantes do Clube da Esquina participaram do desfile na Marquês de Sapucaí naquele ano.
A folia paulistana também se rendeu a Bituca em 2016. A Tom Maior, que era do Grupo de Acesso, homenageou o músico mineiro no Sambódromo do Anhembi com o enredo 'Travessias de Milton Nascimento, todo artista tem de ir aonde o povo está'. O músico desfilou no último carro da escola e declarou na época: "Gostei tanto que espero que não seja o último." A Tom Maior acabou sendo a vice-campeã e subiu para o Grupo Especial do Carnaval de São Paulo.
SAMBA-ENREDO PORTELA 2025
Autores: Samir Trindade, Fabrício Sena, Brian Ramos, Paulo Lopita 77, Deiny Leite, Felipe Sena, JP Figueira
Manhã,
Alvorada das nossas lembranças
Peito aberto, carrego esperança
Do altar de São Sebastião
Estou onde a mãe do ouro me afaga
E fiel abraçado à Águia
Vou partir em procissão
Na fé, que faz do artista entidade
E sagrada as amizades
Ardem vozes, mil tambores
Nas mãos, girassóis na travessia
Minh’alma em cantoria
Vem a tarde, vão-se as dores
Nessa estrada, é sonho, é poeira
Passa o trem azul, sigo em paz
Feito Rio… só me leva Pra Deus filho de Maria
Tantos mares em um cais
E as raízes se juntaram
Na esquina uniram a nação
Venceram as lutas que travavam
Pra ver Zumbi no céu da canção
Noite apaga o arrebol
Num milagre ser farol
E continuar…
Quem acredita na vida
Não deixa de amar
Dorme a maldade após o temporal
Na bandeira a liberdade, vem Bituca triunfal
Cheguei com meu povo, mesmo sentimento
Onde Candeia é chama
Brilha Milton Nascimento
lyá chamou Oxalá preto rei pra sambar
lyá chamou Oxalá preto rei pra sambar
Anjo negro é o Sol que faz a Portela cantar
Anjo negro é o Sol na minha Portela