Quem conhece a filmografia de Domingos Oliveira, que conta com obras-primas como "Todas as Mulheres do Mundo" e "Edu, Coração de Ouro", sabe o quanto ela está impregnada por um olhar  muito pessoal do cineasta,  em que discussões sobre as relações - de todos os tipos, mas principalmente as amorosas - e a própria existência são emolduradas por longos diálogos, contradições e, fundamentalmente, por um assentido ponto de vista masculino.

Seis anos após a morte de Oliveira, é muito interessante ver uma adaptação de sua obra por um viés feminino e up to date, com "Todo Mundo (Ainda) Tem Problemas Sexuais", espécie de continuação de "Todo Mundo Tem Problemas Sexuais", lançado em 2008. Em cartaz nos cinemas, o filme é dirigido pela mineira Renata Paschoal e tem duas mulheres entre os quatro roteiristas. 

Renata participou da produção de vários filmes de Domingos, como a obra original, além de "Juventude" e "Infância", último longa do realizador, o que não quer dizer que caminharia necessariamente para a típica verborragia auto-indulgente do autor, muitas vezes comparado a François Truffaut e Woody Allen. Fundamentalmente, não faz do homem o centro do universo (ou da narrativa).

Essa mudança de perspectiva é um aspecto que salta os olhos. Se em "Todo Mundo Tem Problemas Sexuais" a gente conseguia ler mais o que estava nas entrelinhas do pensamento masculino, agora é possível dizer até o contrário. As mulheres estão sempre um passo à frente, até mesmo na forma como se envolvem com a comicidade. Na maior parte das vezes, estamos rindo deles e com elas.

A estrutura já se manifesta no primeiro dos quatro episódios, quando uma mulher (Letícia Lima) resolve satisfazer o fetiche do marido em incluir uma mulher na relação. O que é motivo de triunfo, vencendo o ciúme e o medo de ser trocada por outra, ganha outros contornos, com os riscos trocando de lado. Não se trata de uma guerra dos sexos, mas a vantagem é nítida para quem sempre sofreu com estereótipos.

Mesmo quando a resolução muda de lado, como no caso do namorado que insiste em fazer em sexo anal com a companheira, após descobrir que ela já teria feito com os antecessores, a história está impregnada de críticas ao machismo - sobre não ser o primeiro ou ouvir a respeito de outras experiências sexuais, sem fazer rum retrato promíscuo da mulher ou condená-la por sua liberdade.

No filme de Oliveira, ele manteve um certo vínculo com o teatro, como mostrar a plateia, o que atrapalha um pouco o fluxo narrativo. Isso não existe nesta sequência, que perde alguns pontos no formato episódico, com as histórias se desenvolvendo de maneira semelhante, colocando uma questão sexual para ser resolvida sem grandes arestas, fazendo-nos sentir falta de um olhar mais poético, marca registra de Oliveira.