“Não apenas casamentos e funerais são espetáculos, mas também os rituais cotidianos que, por sua familiaridade, não nos chegam à consciência. Não só pompas, também o café da manhã e os bons-dias, tímidos namoros e grandes conflitos passionais, uma sessão do Senado ou uma reunião diplomática – tudo é teatro”, já manifestava o dramaturgo e criador da linguagem teatral “Teatro do Oprimido”, Augusto Boal (1931-2009). Ele também dizia que o “teatro não pode ser apenas um evento - é forma de vida!”, e é essa a proposta do 1º Festival do Teatro do Oprimido em Belo Horizonte: ser uma oportunidade para todas as pessoas vivenciar e transformar a sociedade.
O Teatro do Oprimido, fundado por Boal, buscava quebrar as barreiras tradicionais do palco e da plateia, tornando todos os envolvidos participantes ativos (atores e espectadores). Em sua primeira edição, "Árvore" chega à capital mineira para celebrar os 55 anos dessa metodologia revolucionária e promete ocupar diferentes espaços culturais da cidade com uma programação diversa, que inclui espetáculos, oficinas, documentários e muito mais, de forma inteiramente gratuita entre os dias 5 e 12 de abril.
Durante oito dias, o festival reunirá artistas do Chile, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Minas Gerais, para promover a troca de experiências e reflexão coletiva. “Quando começamos a divulgar, tivemos um retorno muito bonito e animado das pessoas praticantes de diversas partes. Elas me diziam que há muito tempo não tínhamos aqui no Brasil um encontro de Teatro do Oprimido neste teor, de festival”, conta Mariana Senna, idealizadora do evento.
Os espetáculos serão realizados em 11 espaços da capital mineira: na Funarte MG, nos Centros Culturais São Geraldo, Vila Marçola, Venda Nova, Liberalino Alves de Oliveira, Zilah Spósito e Lindeia Regina e nos Centros de Convivência São Paulo, Rosimeire Silva e Arthur Bispo do Rosário, no CRCP – Centro de Cultura Popular e Tradicional Lagoa do Nado e no CERSAM Venda Nova.
Espetáculos
A abertura do festival será no sábado (5), às 21h, com a montagem “Suspeito”, do Grupo de Teatro do Oprimido Cor do Brasil (RJ), na Funarte. Dirigida por Bárbara Santos, a peça aborda o racismo institucional e convida o público a refletir e oferecer soluções para a problemática social, no formato de Teatro Fórum.
No domingo (6), o Coletivo Madalena Anastácia (RJ) apresenta “Qual é o seu lugar?”, também no formato Teatro Fórum, às 18h, na Funarte. No dia seguinte, segunda-feira (7), é a vez do Centro de Teatro do Oprimido (BH/MG) levar ao palco “Gêneres”. Na terça-feira (8), o Grupo de Teatro do Oprimido Pirei na Cenna (RJ) se exibe com “Doidinho para trabalhar” no Centro de Convivência São Paulo.
Já na quinta-feira (10), o coletivo Calcinha de Palhaça (Contagem/MG) traz “Devagar Escola” (Teatro Fórum) ao Centro Cultural São Geraldo. No mesmo dia, mas no Centro Cultural Venda Nova, o grupo chileno Sinestesia leva ao público o “Animita”, no formato Teatro Jornal Estética Participativa, dirigido por Roberto Pino. Na sexta-feira (11), o público assistirá ao “Passá-Tempo: Encruzas, Ancestralidades e Identidades”, uma obra baiana no formato Teatro Imagem, encenada por Romis Ribeiro e Lessya Felipe, no Centro Cultural Vila Marçola.
Para encerrar o festival, no sábado (12), o Coletivo Pele Negra/Gesto (BA), em parceria com a Cia de Teatro da UFBA, traz “O pregador - Teatro-Fórum Antirracista” na Tenda do Bosquinho, no CRCP/Parque Lagoa do Nado.
Além das apresentações, o evento contará com a exibição do documentário "Pirei na Cenna: trajetória de uma luta", do Grupo de Teatro do Oprimido Pirei na Cenna, na Funarte MG. Também serão realizadas quatro oficinas gratuitas direcionadas a mulheres, adolescentes, idosos, usuários da Rede de Saúde Mental e multiplicadores do Teatro do Oprimido. Uma das oficinas, intitulada "TO e Juventude: Arte e Transformação!", será ministrada por Gabriela Chiari, atriz, doutora nessa arte teatral e multiplicadora do método desde 1999.
Encontros e desmontagens cênicas
Durante a programação, haverá dois encontros especiais: um voltado para a troca de experiências entre praticantes e multiplicadores do Teatro do Oprimido, e outro sobre a História do método, com participação de importantes nomes do movimento, como Herlen Romão, Lucas Costa, Dimir Viana, Gabriela Serpa Chiari, Marcelo Borges, Cida Falabella, Meire Regina e Nuno Arcanjo. Além disso, o público poderá participar das Desmontagens Cênicas, momentos pós-espetáculo que promovem a reflexão sobre a montagem e o papel do curinga, mediador entre a cena e o público.
O pregador - Teatro Fórum Antirracista
O Teatro Fórum é uma técnica do Teatro do Oprimido que permite a qualquer pessoa ensaiar e vivenciar situações reais, como o racismo, oferecendo um espaço para reflexão e ação, explica Licko Turlese, diretor do espetáculo “O Pregador” e Coordenador do Centro de Teatro do Oprimido da Bahia.
"No caso de 'O Pregador', a luta anti-racista ganha força, pois a peça traz a possibilidade de o público se letrar politicamente, de entender a realidade e até mesmo propor soluções", comenta o diretor. Ele também explica que um dos maiores desafios deste tema está na falta de apoio financeiro, tanto por parte de órgãos governamentais, quanto da iniciativa privada. "O racismo é estrutural, e muitas vezes projetos enfrentam resistência", afirma. Ele também destaca a dificuldade de conseguir investimentos para promover ações que envolvem a temática de gênero e raça.
O diretor acredita que a principal novidade desse tipo de abordagem será o público vivenciar uma forma diferente de fazer teatro. "No Teatro Fórum, as pessoas não ficam apenas passivas. Elas participam, opinam e propõem soluções", explica. Licko também ressalta que é uma oportunidade para o público ver pessoas negras em cena, falando sobre suas próprias lutas e subjetividades, algo ainda raro no teatro convencional.
Licko compartilha que, ao conhecer Boal, ele e outros profissionais criaram o Centro de Teatro dos Oprimidos no Brasil, e desde então têm utilizado o método para transformar a realidade. "Boal nos ensinou que é possível ensaiar ações antes de tomá-las, o que aplica-se a várias questões sociais, como o racismo, ou até mesmo em conflitos pessoais", diz. Ele também destaca a importância de uma visão política aguçada para perceber e modificar relações opressoras no cotidiano.
O legado de Augusto Boal: O nascimento do Teatro do Oprimido
“Vendo o mundo além das aparências, vemos opressores e oprimidos em todas as sociedades, etnias, gêneros, classes e castas, vemos o mundo injusto e cruel. Temos a obrigação de inventar outro mundo porque sabemos que outro mundo é possível. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida”, disse Augusto Boal. O dramaturgo que driblava a censura com criatividade durante a ditadura nas ruas e palcos, as notícias da época e suas entrelinhas políticas. Criou o método “Teatro do Oprimido”, com objetivo de descolonizar o fazer teatral, usando-o como arma questionadora contra a opressão.
O Teatro do Oprimido busca utilizar o palco teatro como ferramenta de transformação social, promovendo a mobilização, o pensamento crítico e a ação coletiva. A ideia central é quebrar a quarta parede tradicional do teatro, onde os atores se apresentam para uma plateia passiva. Em vez disso, todos os participantes, sendo eles atores ou espectadores, se tornam agentes atores no processo, incentivando uma participação ativa e a reflexão conjunta sobre questões sociais e políticas.
Boal desenvolveu diferentes técnicas dentro do Teatro do Oprimido, como o Teatro Fórum, o Teatro Imagem, o Teatro Legislativo e o Teatro Jornal, que buscam estimular a reflexão sobre problemas sociais, como a violência, a opressão, o racismo, o machismo e a exploração. O Teatro do Oprimido também visa empoderar as pessoas, especialmente as que pertencem a grupos marginalizados, para que elas possam expressar suas experiências e lutar por seus direitos.
O dramaturgo acreditava que esse método deveria ser um instrumento de ação, não apenas de representação. A prática coletiva, em que todos têm voz e ação, é fundamental. Essa metodologia não se restringe ao palco; ela é muitas vezes levada a comunidades, favelas e periferias, buscando dar voz aos oprimidos, com o intuito de provocar mudanças concretas nas estruturas sociais.
Ao longo de sua carreira, Boal foi influente em diversos países e sua abordagem foi aplicada em mais de 80 nações, onde o Teatro do Oprimido se tornou um importante movimento para a educação popular e a luta por justiça social.
A Árvore: Símbolo de multiplicação e frutificação
O termo ‘Árvore’ não foi escolhido por acaso, segundo a idealizadora do evento, Mariana Senna. Ela explica que a estrutura pedagógica do método tem ramificações coerentes e independentes. “O nome foi escolhido porque Augusto Boal, criador do método, usou essa imagem para sistematizar todo o pensamento do Teatro do Oprimido. A árvore representa o solo fértil, as raízes do método, as técnicas do Teatro do Oprimido, os multiplicadores e os frutos. Ela também simboliza a ideia de plantar sementes que podem se multiplicar e gerar novas ideias e práticas.”
SERVIÇO:
1ª Árvore: Festival de Teatro do Oprimido
5 a 12 de abril (Sábado a sábado)
Sendo: 8 espetáculos, 4 Oficinas, 1 exibição de documentário, 4 Desmontagens cênicas e 2 Encontros para compartilhamento e trocas.
Para conferir toda a programação e se inscrever nas oficinas acesse o instagram @arvore_festival_to