"Um Completo Desconhecido" deveria se chamar "Bob & Joan", em referência aos cantores Bob Dylan e Joan Baez, protagonista do filme que chega agora às plataformas de streaming, pela Disney+. Dirigirido por James Mangold, tem estrutura muito semelhante a "Johnny & June" (2005), do mesmo realizador e que retrata a jornada do artista - também folk - Johnny Cash, ao lado da esposa (também cantora) June Carter.

Não por acaso, Cash tem presença ativa em "Um Completo Desconhecido", entrando na história de Dylan como alguém que compreende toda a inquietação artística do autor de  "Bloowin in The Wind",  sugerindo que "suja o tapete com a lama das botas". A maior proximidade entre os filmes está em seu estilo muito limpo, sem arranhuras, como se quisesse dar conta de uma figura tão emblemática como Dylan a partir de trejeitos.

Embora seja um excelente ator,Timothée Chalamet não consegue dar a intensidade que o personagem exige justamente pelas armadilhas que a narrativa prega pelo caminho. Na trama, ele é reduzido a um garoto do interior que tenta um lugar ao sol no cenário musical nova-iorquino. No máximo, tem como mancha a traição à namorada Sylvie (Elle Fanning), com Joan Baez, vivida por Môonica Barbaro.

 Nessa fase inicial da carreira, Dylan foi viciado em heroína e carregava um pensamento suicida, sem pensar muito no amanhã. Havia um turbilhão interior expresso em muitas de suas canções,  mas que, em "Um Completo Desconhecido", se resumiu ao incômodo com o sucesso, tornando-o, muitas vezes, um esnobe. A importância de suas letras é reiteradamente mostrada por rostos impactados, com longos closes nos rostos de Elle, Monica e Pete Seeger, vivido por Edward Norton.

O filme só funciona, por sinal, quando há uma interação com os outros personagens, capazes de tirar algo mais de Dylan. Os melhores momentos são com Joan, estabelecendo uma certa tensão entre eles. Por isso deveria se chamar "Bob & Joan". Além de uma grande atuação de Monica, que deveria ter sido indicada ao Oscar de atriz principal e não de coadjuvante, a cantora é responsável por trazer um pouco do universo narcisista do colega e não esconder suas emoções.

Dylan seria a disfarçatez e Joan o sentimento à flor da pele, com Mangold não conseguindo construir o equilíbrio necessário, porque a todo momento o filme tenta colocar Dylan em primeiro plano, dentro de una narrativa morna, sem criatividade e força. O documentário "No Direction Home" (2005), de Martin Scorsese, que retrata a mesma época, dá conta de todas as nuances daquele que se transformou na voz de uma geração.