O que separa "Levante" (2023) de "Ainda Não é Amanhã", em cartaz nos cinemas, é a faculdade. Ou melhor, a ampliação do acesso à faculdade a estudantes de baixa renda por meio de bolsas integrais ou parciais. É a possibilidade de fazer um ensino superior que torna o destino da jovem Janaína, protagonista do filme recifense, muito diferente do caminho trilhado por Sofia em "Levante".

Nos dois longas, o tema em questão é o mesmo: estudante cheia de sonhos, moradora da periferia, descobre que está grávida e deseja interromper a gestação, mas enfrenta vários obstáculos para  conseguir realizar o aborto. O ambiente em que transitam é o que fará toda a diferença para que o objetivo seja cumprido (ou não), sem prejudicar os sonhos de vida que carregam.

Em "Levante", a diretora Lillah Halla mostra um  entorno nocivo, em que Sofia sofre perseguição de igrejas evangélicas e da própria comunidade após manifestar o desejo de abortar. O time de voleibol em que joga - e que poderá lhe abrir as portas para o profissionalismo - é bancado por uma associação filantrópica, sujeita a pressões de todos os tipos. Esse é o dilema proposto pelo filme.

Em nenhum momento há um discurso sobre a possibilidade de dar continuidade à gravidez, assim como em "Ainda Não é Amanhã", de Milena Times. As duas personagens têm bastante definido o que querem para o futuro delas, sentindo-se despreparadas para assumir a função de mãe. Esse futuro tem a ver com possibilidades que dificilmente surgirão novamente em razão da classe social.

Ambas vivem em famílias fragmentadas - Sofia mora com o pai, enquanto Janaína divide o teto com a mãe e a avó. Apesar disso, tem nelas uma rede de apoio, embora, no caso de Janaína, adie contar a verdade o quanto pode à mãe, que também teve uma gravidez indesejada, preferindo ter o bebê, mas sem fazer disso também um fardo. Afinal, é sobre escolha que as histórias se debruçam.

No Brasil, o aborto ainda é considerado crime, o que leva milhares de mulheres a buscarem clínicas clandestinas, com risco de perderem a própria vida. Como "Ainda Não é Amanhã" mostra, não é uma questão de classe. A diferença está no fato de as soluções estarem mais ao alcance da mão quando se tem mais dinheiro. É  assim que Jananía descobre que uma colega mais abastada fez o procedimento.

Esse convívio proporcionado pela faculdade facilita as decisões da protagonista, deixando claro também que o acesso à educação é fundamental no desenvolvimento como indivíduo, entendendo seus direitos e corroborando para superar desafios. O ambiente familiar também é importante, a partir da transmissão de valores, mas o filme de  Milena evidencia a necessidade de um projeto social.

Outra qualidade de "Ainda Não é Amanhã" é não criar julgamentos sobre a gravidez precoce ou o ato sexual sem proteção. O sexo nem mesmo é mostrado. E o namorado de Janaína não é pintado como vilão, como acontece em outros filmes. Ele não é um personagem determinante, tanto que desaperece no final, já que a intenção da cineasta é estabelecer um forte vínculo entre três gerações de mulheres.

Esse círculo de mulheres é acrescido da amiga Kelly, com quem Janaína divide algumas das melhores sequências do filme, exemplares de afeto e acolhimento. Por mais que ela passe por dificuldades para concretizar o aborto, o ambiente da protagonista nunca é tóxico como o de Sofia. Janaína nunca será impelida por um terceiro a dar continuidade à gravidez, sempre ouvindo a pergunta "O que você quer fazer?".

Neste aspecto, além de levantar a bandeira do acesso para todos à educação, o filme aborda a importância de valorizar as nossas escolhas, sem revestir essa noção de didatismo ou tom panfletário. O eixo em que a narrativa se movimenta é a escuta, a capacidade de comprender e nos envolver ativamente para ajudar, sem pré-julgamentos. Pode-se questionar a falta de ousadia na composição das cenas, mas nunca a sua emotiva.