É sobre o vazio que se estende a performance de Dudude Herrmann e Lina Lapertosa que estreia nesta sexta (20) em Belo Horizonte. O enigmático nome “Q BRÔ” vai ao encontro dessa perspectiva. “Gostaria que cada público fosse assistir sem saber o que possa significar. Nesse vazio entre a letra Q e o BRÔ existimos”, sugere Dudude. Lina recorda que desde as primeiras conversas esse batismo estava no radar. O destino contribuiu para torná-lo ainda mais incontornável.
Durante um café, “Dudude deixou o prato com bolo cair e ele se quebrou”. “A gente reporta às quebras que acontecem na vida, com possibilidades de reconstituição. Nos lembramos da técnica japonesa Kintsugi, que repara a cerâmica quebrada, tornando-a mais resistente, mais valorizada, com aceitação das mudanças. Também me vem a ideia de quebrar cada pedaço, como uma dissecação de si”, elabora Lina.
Encontro
Expoentes da dança contemporânea, as duas, que se conhecem desde a década de 1980, sobem juntas ao palco pela primeira vez. “Somos da mesma geração, quando estava na Cia. de Dança do Palácio das Artes tive a oportunidade de acompanhar e admirar Lina na sua dedicação e entusiasmo”, elogia Dudude, que deixou o corpo artístico da instituição em 1987, mas nunca se distanciou completamente, ministrando aulas e dando palestras. Nesse tempo, Lina era presença constante no ateliê criativo de Dudude, onde ela realiza residências artísticas.
“Um dia, perguntei de súbito se ela gostaria de fazer um trabalho comigo, e ela disse um ‘sim’ cheio de afirmação”, conta Dudude. A improvisação foi primordial para Lina não hesitar diante do convite. “Há tempos eu desejava realizar um trabalho sem uma movimentação pré-estabelecida. Sabia que ia ser um desafio, e, agora, na véspera da estreia, digo que foi uma experiência rica de trocas e aprendizados”, confirma Lina, que considera “o improviso, a poesia e o risco inerentes a dançar e viver”.
Dedicada a esta linguagem há mais de três décadas, Dudude destaca que “em nossos corpos temos um registro quase infinito de movimentos”. “A improvisação é atada à composição em tempo real, é necessário treino e desapego. Para tanto, trabalhamos com estruturas que trazem frescor, dando a sensação de ser sempre a primeira vez, conectando arte e vida. Neste trabalho, humanidades nos atravessam e todo o espaço fala”.
Instante
A partir de um jogo, deste “lugar sem receita”, Dudude garante que “certamente será sempre uma surpresa as composições que se darão quando eu, Lina e todos que lá estiverem experimentarão”. “Atuamos em campos potentes de sensibilidade, não é um trabalho virtuoso, mas poético”, resume. Dudude prefere “o não saber, a não expectativa”. E também não consegue nem pensar sobre o fato de ela e Lina serem mulheres com mais de 60 anos.
“Seguimos vivas e desejosas e com um acervo de histórias já vividas. Quando tinha 20 anos dançava de um jeito, aos 30 de outro, e, agora, sigo. Todas as idades estão em cada corpo nosso hoje, atualizando a cada dia, e o DNA permanece. A presença é o impacto de escolas distintas em corpos distintos, são mais de 50 anos de experiência em nós e tal diferença potencializa nosso encontro”, assinala Dudude.
Lina adota uma retórica parecida. “Somos duas mulheres com mais de 40 anos de profissão na dança e que continuamos. Cada uma com sua história incrustada em seus corpos. Corpos que continuam sendo atualizados com o tempo da vida”, arremata.
Serviço
O quê. “Q BRÔ”, com Dudude Herrmann e Lina Lapertosa
Quando. Desta sexta (20) a 7 de julho, de sexta a segunda, às 19h
Onde. Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450)
Quanto. A partir de R$15 (meia) na bilheteria ou pelo site www.ccbb.com.br/bh