A seu modo, o filósofo francês Gaston Bachelard (1884-1962) e o escritor mineiro Rubem Alves (1933-2014), natural de Boa Esperança, escreveram sobre consciência corporal. O primeiro utilizou a imagem de uma vela acesa, e sugeriu respirar “suavemente diante da chama leve que faz sossegadamente seu trabalho de luz”. O segundo recorreu à “sabedoria pedagógica que mora nos corpos”, por meio de comparações entre a aranha que tece sua teia e o caramujo que erige sua concha. “O corpo sabe ensinar, naturalmente, e sabe aprender, naturalmente”, disse Rubem Alves.
A fisioterapeuta e professora de ioga Gabriela Schetini pontua que é preciso ter em mente o caráter subjetivo da consciência corporal, e que a definição do termo, em si, passa longe de uma ideia unificadora e homogeneizante. “Cada pessoa tem a sua história, a sua vida, seus processos, sua construção de corpo e, por consequência, a própria consciência corporal”, afirma. O fato de estarmos tratando de seres subjetivos é fundamental para, segundo ela, compreender esse “despertar do corpo como um todo”. A dica mais preciosa seria atentar-se às conexões de movimento entre todas as partes.
“Movimentos feitos de forma mais lenta auxiliam nessa percepção. Se você eleva lentamente o braço, percebe a interação dessa elevação com o ombro, e como que a sua caixa torácica interage com esse movimento”, exemplifica Gabriela. Como num quebra-cabeças, a percepção de que cada peça está ligada à outra auxiliaria no ganho de uma consciência corporal. Posturas de equilíbrio de ioga, “por serem desafiadoras”, também seriam indicadas para quem deseja ter uma relação mais íntima com o corpo. Nesse sentido, a professora sugere as posturas de pé e as de posicionamento pélvico.
“A gente tem a postura de quatro apoios, que a gente faz o gato e a vaca, por exemplo, e que realiza toda uma ondulação com a coluna, que se move como um todo em dois movimentos, de flexão e extensão, percebendo como uma parte interfere na outra. Então, essa é uma postura que, se você prestar atenção ao movimento, vai te auxiliar numa maior consciência corporal”, assinala. Gabriela defende que “não existe um alinhamento ou uma postura correta, mas o estado do seu corpo naquele momento”. “A nossa postura é vinculada ao ambiente, externo e interno, em que ele se encontra”, diz.
Maleável como o próprio corpo e, sobretudo, nossas emoções, essa postura “muda de acordo com esses ambientes”. “O ioga ajuda nesse entendimento de como estamos, como está o nosso corpo, o que reflete em um ganho de consciência corporal, e, naturalmente, da postura”, destaca a fisioterapeuta. “O que melhora é o nosso olhar. Se a gente trabalha o nosso corpo, isso reverbera no estado emocional. Se a gente trabalha o emocional, isso reverbera no corpo. É como se fosse uma setinha para os dois lados”, assegura Gabriela. Como teias ou como a concha que engloba o caramujo.
Método de dança
Não é exagero dizer que o bailarino e coreógrafo belo-horizontino Klauss Vianna (1928-1992) revolucionou a dança. Em 1984, o seu filho Rainer Vianna e a professora Neide Neves sistematizaram o método conhecido como Técnica Klauss Vianna, cujo preceito básico é resumido pela bailarina, coreógrafa e professora Izabel Costa. “Ao invés de se preocupar com a inovação é preciso aprofundar-se em si mesmo”, salienta ela, que, em seguida, traz uma conexão com o “conhecer-se a si mesmo” da filosofia clássica, para, “a partir da individualidade contribuir para uma expressão artística mais verdadeira”. Izabel pesquisa técnicas de consciência corporal.
Por meio de palestras e aulas práticas, “que não desconsideram os mais elementares exercícios e análises das atividades cotidianas”, ela procura “a verdade corporal de cada um”. “Conhecer o seu corpo, as suas potencialidades e dificuldades, através dos ossos, das articulações e das musculaturas interior e exterior, permitem ao artista uma maior expressão e conteúdo, sem que ele se torne um mero repetidor de uma forma pronta”, afiança Izabel, que não restringe o poder da consciência corporal aos artistas. “Também no cotidiano, precisamos do nosso corpo firme, forte, flexível e expressivo…”.
Oriunda de uma formação clássica e moderna, ainda presa ao academicismo, Izabel admite que ela própria teve dificuldades para desenvolver uma consciência corporal, mas que, graças ao método Klauss Vianna, passou a ter “domínio, técnica e consciência das potencialidades, e a correta aplicação destas na arte cênica”, o que a permitiu “desfrutar de uma maior liberdade e prazer”. Izabel salienta que a técnica em questão, genuinamente brasileira, “não propõe encaixar-se numa ou noutra escola, seja ela clássica, moderna ou popular, mas servir a todas elas, e a seus princípios”, diz.
Atenção e presença como fundamentos da consciência
Para além de sentir o corpo no espaço, a fisioterapeuta e professora Gabriela Schetini afirma que a prática milenar do ioga, criada na Índia, tem como diferencial o fato de estimular a observação da nossa paisagem interna, ou seja, aquele vasto campo das emoções.
“Além da parte de posturas e de respirações, que são movimentos, o ioga te auxilia a ter esse entendimento de como você está emocionalmente, e isso pode interferir muito positivamente na nossa consciência corporal”, avalia Gabriela. Duas palavras seriam chave para esse despertar de um corpo em movimento: “atenção e presença”, vaticina.
“A consciência corporal começa pela atenção ao que você está fazendo, pelo estado de presença. Se você está sentado, trabalhando, é estar atento a como o seu corpo recebe aquela situação, do que ele precisa. Será que essa postura está legal? Será que não é hora de levantar um pouquinho, ficar em pé? Ou seja, trazer esse olhar para as necessidades do corpo”, orienta a fisioterapeuta, para quem “o ioga nos ensina a escutar o corpo”, ecoando o aforismo de Rubem Alves: “Parte da sabedoria do corpo é a sabedoria de ensinar”.
Ela finaliza dizendo que o ioga também pode ser usado no tratamento de dores crônicas, oferecendo “escapes e o reconhecimento do que o corpo precisa naquele momento”. “Pode ser um movimento, postura ou mudanças de hábito”.