“De Janeiro, São Francisco/ Rio certo, rio errado/ Um salgado, outro doce na cidade, no Cerrado/ De Janeiro, São Francisco/ corta Minas pelo meio/ uma estrada complicada passa por aqui”. São os versos da canção “Rio-Bahia” que vão abrir o último show da dupla Sá & Guarabyra – o penúltimo da carreira de mais de 50 anos – em Belo Horizonte. A apresentação acontece no sábado (12/7) no Palácio das Artes.
Curiosamente, Minas Gerais sempre esteve no meio – e não só geograficamente – do carioca Luiz Carlos Pereira de Sá, o Sá, e do baiano de Barra do Rio Grande, na região do Vale do São Francisco, Guttemberg Nery Guarabyra Filho, o Guarabyra.
“Muita gente até acha que a dupla é mineira. Mas, de alguma maneira, as nossas cabeças se encontraram aqui, em Minas. Muito da nossa trajetória passou e passa por aqui, e Minas está no meio do Rio e da Bahia, daí, inclusive, a inspiração para essa música”, revela Sá, que, apesar de ter nascido no Rio, mora em Belo Horizonte há muitos anos e é casado com uma mineira de Montes Claros, a produtora Verlaine de Sá.
O músico conta que um dos primeiros shows de quando ainda eram um trio – Sá, Rodrix (1947-2009) & Guarabyra – aconteceu justamente na capital mineira, no Teatro Marília, em 1972. “Eu sempre tive uma ligação com essa cidade; sempre gostei de BH. Há alguns anos eu fui agraciado com o título de Cidadão Honorário de Belo Horizonte e, este ano, eu vou ter uma alegria ainda maior, porque a Assembleia Legislativa vai me conceder o título de Cidadão Honorário de Minas Gerais”, celebra.
Ser praticamente um belo-horizontino de alma e coração pesou um pouco na decisão de acabar com uma das duplas mais queridas e talentosas da música popular brasileira. Em abril, Sá e Guarabyra anunciaram o fim da parceria de mais de meio século. Em um comunicado divulgado nas redes sociais, eles informaram que a separação ocorreu por “causas naturais”, sem desentendimentos ou brigas. Segundo os artistas, o fato de residirem há anos em cidades diferentes (Sá em BH, e Guarabyra em São Paulo) contribuiu para o afastamento gradual e a formação de novos vínculos musicais com parceiros locais.
“Mesmo com toda a tecnologia existente e tudo mais, morar em cidades diferentes – eu não abrindo mão de morar aqui, o Guarabyra não abrindo mão de morar em São Paulo – sempre causa uma separação também. Igual àqueles casamentos em que o marido e a mulher moram em cidades diferentes. E aí a coisa foi meio que esgarçando… Não vejo condição nenhuma de sair de Belo Horizonte. Criei uma vida aqui, quatro dos meus cinco filhos moram aqui, sendo que o mais novo é mineiro. Então, é uma história até familiar. Nós nos tornamos belo-horizontinos definitivamente”, enfatiza Sá.
Uma publicação compartilhada por Sá & Guarabyra #dona (@saeguarabyraoficial)
A ideia, inclusive, é criar vínculos profissionais na capital mineira a partir de agora que a dupla vai se dissolver. Apesar de Sá ter parcerias com músicos daqui, como Flávio Venturini e Márcio Borges, ele quer fincar raízes musicais na cidade que o acolheu. “Eu sempre me propus a me deslocar para São Paulo para ensaios, e a banda que nos acompanha é toda paulistana. Toda a infraestrutura da gente é de São Paulo. É por isso também que eu quero começar a criar aqui uma raiz musical que eu ainda não tenho, apesar dos amigos músicos e das parcerias mineiras. Quero criar um núcleo em BH, ter uma banda de BH, poder ensaiar aqui, dar continuidade à minha história musical em Belo Horizonte”, revela.
Começar de novo
Por falar nisso, o fim da dupla não significa o encerramento da carreira dos artistas. Cada um vai seguir o seu próprio caminho. Sá, aliás, já vinha trilhando paralelamente à parceria com Guarabyra, um trabalho solo. Em 2022, lançou o primeiro disco sozinho, “Solo e Bem Acompanhado” e já prepara o segundo álbum – ainda sem nome – para este segundo semestre para marcar não só o novo momento da carreira, como os 80 anos de vida, que ele completa em outubro. O projeto terá parcerias com nomes como Zeca Baleiro, Chico César, Ivan Lins, Almir e Gabriel Sater.
“Eu, particularmente, estou muito animado com a minha carreira solo. Eu assinei contrato com a gravadora Kuarup para este meu segundo disco e completo 80 anos de vida e 60 de carreira. O fim dos palcos é apenas com a dupla, porque eu não sei quais são os planos do Guarabyra, mas eu vou continuar com a minha carreira. Vou seguir em frente e estou muito animado”, festeja Sá, lembrando que na nova fase profissional, sobretudo nos shows, não vai abrir mão das canções que marcaram a trajetória de Sá & Guarabyra. “As músicas da dupla continuam no repertório porque são a marca indelével de mais de 50 anos de estrada e fazem parte da memória afetiva do público também. E elas são um excelente veículo para você poder mostrar o seu trabalho novo”, frisa.
Questionado sobre como gostaria que, no futuro, as pessoas se lembrassem de Sá & Guarabyra, o carioca-mineiro não titubeia: uma dupla essencialmente brasileira.
“Até o nosso rock é brasileiro, o rock rural. Sem patriotada, mas como criadores de uma tendência diferenciada. E como donos de um trabalho que não tem nenhum paralelo enquanto gênero. Se você ouve uma música nossa, você sabe que é nossa. Eu acho que o nosso trabalho é inconfundível e é muito extenso. São quase 300 músicas gravadas por nós e quase 400 compostas em dupla e gravadas por nós e por outros artistas. E eu reparo que conseguimos atravessar gerações, porque ninguém sobrevive sem ter uma validade óbvia. Ninguém está aí, viajando e trabalhando como nós, depois de 53 anos de carreira, sem que a sua obra seja válida, atual e diferenciada. Eu me orgulho muito disso”, ressalta.
Show acústico
O Palácio das Artes é um espaço que faz parte da história de Sá & Guarabyra e não à toa vai sediar o penúltimo show da dupla. O derradeiro vai acontecer no fim de setembro em Itajaí (SC) e já estava agendado desde o ano passado, antes mesmo dos músicos anunciarem a separação. Mas é a capital mineira que irá receber a última apresentação em formato acústico.
O repertório vai percorrer sucessos da dupla como “Sobradinho”, "Cheiro Mineiro de Flor”, “Mestre Jonas”, “Jesus Numa Moto”, “Espanhola”, “O Pó da Estrada”, “Caçador de Mim”, mas também algumas composições inéditas para o público de BH. “Pinçamos músicas da nossa carreira que consideramos especiais e que são parte da nossa melhor obra, mas que, às vezes, ficam desconhecidas do grande público, porque elas ficam no lado B. É um show completamente acústico, com violões, piano de cauda, baixo acústico e com a nossa banda completa”, adianta.
Ao longo desses 53 anos de estrada, a dupla Sá & Guarabyra também emplacou hits nas trilhas sonoras de várias novelas. E algumas delas também estarão presentes no show, como a tríade “Dona”, “Verdades e Mentiras” e “Roque Santeiro”, que embalou os personagens da trama criada em 1985 por Dias Gomes e protagonizada por José Wilker, Regina Duarte e Lima Duarte.
“Acho que as nossas músicas são muito – como é que eu vou dizer – cinematográficas. A gente sempre colocou muita imagem nessas músicas. Eu, particularmente, e acredito que o Guarabyra também, tenho uma visão muito clara das músicas que eu faço. Elas me aparecem como se fossem quadros ou sequências de cinema. Sou muito ligado em cinema, adoro cinema, e também sou ligado à teledramaturgia. A gente deve ter mais de 30 músicas em trilhas de novela e, claro, elas não poderiam faltar nessa apresentação”, destaca.
SERVIÇO
O quê? Sá & Guarabyra – Último Show em BH
Quando? Sábado (12/7), às 21h
Onde? Grande Teatro do Palácio das Artes (avenida Afonso Pena, 1.537, Centro)
Quanto? Ingressos: a partir de R$ 100. Vendas na bilheteria do teatro e pelo Sympla