Em uma peça publicitária de inserção nacional, exibida na televisão e nas redes sociais a partir do fim do ano passado, a modelo e apresentadora Sabrina Sato questiona: “Globoplay é TV ou streaming? É streaming ou TV?”. Na sequência, ela cita que tanto atrações típicos da linguagem televisa – como telenovelas, telejornais e programas de auditório – quanto aquelas mais associadas aos serviços de streaming – como as séries e a opção do consumo de vídeo sob demanda – estão presentes na plataforma. A embaixadora da marca conclui, então, que o Globoplay seria simultaneamente TV e streaming.
Curiosamente, a questão central levantada pelo comercial também pode ser aplicada a outros diversos serviços de streaming – mesmo que possuam propostas muito diferentes da plataforma da Globo, que, de fato, realiza, em tempo real, a retransmissão da programação televisiva.
“Estamos diante de um momento de transição desse formato, que, agora, vai testar novos modelos, que podem ser alterados no futuro”, opina o diretor-executivo do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC), lembrando que, quando surgiram, esses provedores de conteúdo buscavam se diferenciar da televisão – e até se vendiam como a “anti-TV” – pela ausência de publicidade e pelo desinteresse na realização de exibições ao vivo, apostando em um catálogo on demand e no sistema de assinatura. Contudo, nos últimos anos, visando maior rentabilidade e uma diversificação de suas receitas, alguns desses players têm adotado um conjunto medidas que parece aproximá-los do formato televisivo, como a realização de transmissões ao vivo e a inserção de peças publicitárias – abrindo, inclusive, dados sobre a sua audiência.
Pioneira no setor, a Netflix, por exemplo, possui um plano de assinatura mais barato, que inclui a inserção de publicidade, desde novembro de 2022. A empresa também vem divulgando, periodicamente, os números do ibope de cerca de 18 mil produções disponíveis em seu catálogo. Agora, a Prime Video, da Amazon, e a Disney+, que já realizam transmissões esportivas ao vivo, também anunciaram a inclusão, em alguns territórios, de planos mais econômicos que incluem a exibição de comerciais.
Na sua avaliação da pesquisadora e produtora de cinema Mariana Mól, esse pacote de mudanças pode, sim, ser interpretado como parte de um processo em que as fronteiras entre o que é TV e o que é streaming se tornam cada vez mais tênues. “Se antes a televisão aberta era a guardiã da audiência, agora, com as novas plataformas, que propunham outra lógica de consumo, temos uma dissolução desse público”, avalia, situando não haver mais tanta fidelidade a algum formato. “Há pessoas que gostam de assistir formatos tradicionais da TV, mas que também têm o hábito de ‘maratonar’ conteúdos, como esses novos serviços propõem”, examina.
Diante deste cenário, Mariana acredita que uma das estratégias a ser testada é a mistura de linguagens. “Com a rapidez, com essa mudança e adaptação do público brasileiro a ambas formas, essas empresas estão se esforçando para pensar em como podem trazer para si o melhor da estrutura da linguagem do outro. E, com isso, não há mais espaço para o purismo. Ou seja, não há um produto que seja apenas para a televisão ou apenas para o streaming”, avalia.
Nesse sentido, a estudiosa lembra que, do outro lado do front, para não perder mais espaço, as emissoras de TV também têm adotado medidas que, por sua vez, vão ao encontro do modelo de consumo estabelecido pelo streaming. Exemplo disso é o próprio Globoplay, que, além de hospedar sua programação televisiva em tempo real, também passou a permitir o consumo on demand de conteúdos antes exibidos apenas ao vivo.
Modelo nacional
A própria Globo admite que esses movimentos na indústria de streaming e da TV não são novidade. “As grandes empresas de mídia estão buscando suas soluções próprias de streaming ou licenciando seus programas para outros players”, avalia a empresa em entrevista por e-mail, em que prossegue detalhando que, desde seu lançamento, em 2015, “o Globoplay já opera em um modelo freemium, tanto com ofertas gratuitas suportadas por anúncios como por acesso exclusivo para assinantes”.
“Também desde seu lançamento, o Globoplay carrega o sinal ao vivo da TV Globo, com todas as transmissões de eventos, futebol e realities. Em 2020, lançamos o Globoplay + Canais, que oferece o sinal também de todos os canais de TV por assinatura da Globo”, explica. “Esse mix de negócio da Globo, que mistura TV aberta, TV por assinatura e streaming, é único no Brasil. E ainda temos a vantagem de ter os Estúdios Globo produzindo também para o Globoplay”, complementa.
Desafios
O processo de hibridização da TV e do streaming, que parecem cada vez mais misturados, impõem uma série de desafios para os quais não há respostas fáceis. É o que garante a pesquisadora e produtora de cinema Mariana Mól. “A própria medição de audiência, da forma como é feita hoje, se mostra um instrumento defasado”, observa.
Como exemplo, ela cita os reality shows, que podem alcançar baixos índices de ibope, considerando-se apenas os sinais de televisores ligados, mas, paradoxalmente, conviver com grande repercussão nas redes sociais e fora delas. “Hoje, as pessoas podem, em vez de ver pela TV, assistir a esses programas pelo celular, por meio das plataformas de streaming dessas empresas. Mas mesmo que a gente levasse esses dados em conta, ainda não seria suficiente para saber o alcance da atração, porque temos também um grupo relevante de espectadores que acompanham tudo apenas por cortes disponibilizados nas redes”, salienta.
E enquanto se quebra a cabeça em busca de métodos mais adequados para realizar essa medição, outro aspecto que merece atenção, e com urgência, diz respeito à regulamentação da atividade das plataformas de streaming no Brasil. “É uma batalha difícil, mas que teremos que enfrentar, pois já entendemos que esses serviços chegaram para ficar”, reflete Mariana, complementando que a medida é essencial para dar proteção ao conteúdo nacional e, consequentemente, à nossa cultura.
“Um país que não se importa com a proteção do seu audiovisual não se importa com sua própria identidade. Não podemos ter nossa cadeia de produção reduzida a espaços menores”, critica, sublinhando a necessidade de se criar formas de salvaguardar essas produções para além dos interesses desses provedores estrangeiros, que podem simplesmente retirar produções de seus catálogos a qualquer momento.