“É desafiador e, ao mesmo tempo, gratificante chegar a 23ª edição”, reconhece Flávia Tápias, que assina, com Giselle Tápias, a direção artística e a curadoria do Dança em Trânsito, festival dedicado à dança contemporânea que abre sua circulação nacional por Minas Gerais, com apresentações em Belo Horizonte, nesta quinta-feira (3) e sábado (5), e em Brumadinho, na região metropolitana, na sexta (4). Depois, o projeto segue para outros destinos, de maneira que, até outubro, deve percorrer mais de 30 cidades em todo o Brasil – em território mineiro, a iniciativa passa também Timóteo, Coronel Fabriciano, Caratinga e Governador Valadares entre os dias 6 e 9 de julho.
Para Flávia, a longevidade e extensão do projeto tem a ver com características inerentes à linguagem da dança. “É uma arte que tem muito potencial para acessar a subjetividade e, por isso, desperta um interesse enorme das plateias. O problema é que, embora atraídas, muitas pessoas não conseguem ir ao teatro no dia a dia para acompanhar um espetáculo”, reflete, lembrando que o festival se investe de um formato capaz de contornar esse obstáculo de acesso – o que representa outro fator para o seu sucesso.
“O Dança em Trânsito ocupa praças, palácios, museus, centros culturais… Então, chegamos até essas pessoas. O público vê, adere e reverbera, de maneira que a cada ano é uma nova surpresa”, assinala a bailarina, coreógrafa e diretora artística da iniciativa, cujas ações são inteiramente gratuitas. “Esta também é uma característica importante, porque oportuniza o acesso em uma realidade onde muita gente tem dificuldade de pagar para ir (a eventos culturais) e acaba ficando de fora”, menciona.
De fato, o estudo “Cultura nas Capitais”, realizada pela JLeiva Cultura & Esporte com patrocínio do Itaú e do Instituto Cultural Vale, por meio da Lei Rouanet, e divulgada em maio deste ano, identificou que parte significativa do público que não foi a espetáculos de dança nos 12 meses anteriores à pesquisa demonstrava interesse em ir: no total, 25% dos respondentes que não conseguiram comparecer a essas apresentações deram nota entre 8 e 10 para seu interesse em ir. O gráfico apresentado na publicação mostra, se esse público potencial de fato fosse à atividade, o acesso dobraria.
E Flávia é testemunha de que, quem vai uma vez, costuma voltar outras. “Ver a reverberação do festival, como ele mexe com as plateias, é muito gratificante para quem trabalha com arte e, portanto, trabalha bastante para isso acontecer”, enaltece, inteirando que, em boa medida por conta do formato adotado, o evento tem hoje um público plural. “Como o Dança em Trânsito está em diversos lugares, ele pega as pessoas de surpresa. Então, quem está passando, começa a nos seguir”, comenta.
“Tem, claro, quem vem pela divulgação, quem é mais ligado à cena da dança e das artes e acompanha a programação da cidade. Mas uma boa fatia é formada por esses que são surpreendidos e acabam encantados. Por isso, a gente vê que o nosso público está ficando mais diverso. Hoje, tem famílias inteiras que começam a nos seguir e, quando tem mais de um dia em uma cidade, muitas que viram por acaso, voltam depois”, ressalta.
Diversidade
Neste ano, a principal marca do festival é a diversidade. “São trabalhos com linguagens diversas, independente de ser mais conceitual ou mais dançado, de ter dança contemporânea – que é o foco do festival – aliada ao teatro, ao circo ou à cultura urbana. Enfim, nesta edição tem espetáculo para todos os gostos”, ressalta Flávia Tápias.
Ela explica que o processo de seleção de espetáculos tem início a partir da abertura de uma chamada pública, quando o Dança em Trânsito recebe propostas de trabalhos. Posteriormente, o material é avaliado por um comitê, que, internamente, chega a uma convergência.
Em Belo Horizonte, a abertura do evento é realizada no Teatro Marília, na região central da cidade, que recebe o espetáculo carioca “Ziraldo, o Mineiro Maluquinho”, com texto de Fernando Caruso, filho do cartunista Chico Caruso, e direção artística de Giselle e Flávia Tápias. “É uma peça que propõe esse diálogo entre a dança e o teatro, que presta homenagem a esse autor mineiro tão importante”, avalia a diretora e curadora do festival. No mesmo dia, o bailarino madrilenho Iker Karrera ministra uma residência artística de dança contemporânea – também gratuita, mas destinada especificamente a estudantes de dança e bailarinos profissionais – na Sala Klauss Vianna, no Palácio das Artes.
Na sexta, em Brumadinho, a grade do evento inclui um aulão de dança com Flávia Tápias, a apresentação pocket de “Ziraldo - o Mineiro Maluquinho” e a performance “Rotas DELAS” com "Rotas convida Elas do Surdo”, um intercâmbio artístico idealizado por Flávia que reúne três intérpretes brasileiras e três canadenses, além do grupo ELAS do Surdo. Também vinda do Canadá, a artista Louise Bedard apresenta seu solo “Morceaux Choisis”. Já Karrera apresenta a peça “#7fm” enquanto Frantielly Khadija, de Corumbá, no Mato Grosso do Sul, realiza o solo “Só”.
Karrera volta à programação com a apresentação da mesma montagem no sábado, em BH. “Ele trabalha muito com a precisão dos movimentos – uma coisa meio arte marcial, em um tempo asiático”, comenta a realizadora. Antes, o público assiste ao “Rotas convida Elas do Surdo”. Encerra as atividades a performance da Cia de Dança Palácio das Artes, convidada especial da edição, que realiza o espetáculo “Você perto…”, uma cocriação com o diretor e coreógrafo Rodovalho. Além destas apresentações, Flávia destaca a participação do grupo paulista No Rasto Cia, com o trabalho “Do chão não passa”. “É um projeto com movimentação muito particular e uma técnica de chão muito presente – algo, aliás, que vemos muito em bailarinos de BH”, lembra a bailarina e coreógrafa.
O chão como trampolim
Integrante da No Rastro Cia, Bianca Haertel está animada para participar do festival. “Para nós que trabalhamos com a arte, que acreditamos e lutamos por ela de todas as maneiras, participar de um projeto como este, que está há tanto tempo sendo realizado, é motivo de muito orgulho, de muita alegria, especialmente por se tratar de um trabalho que foi criado de forma independente e tão recentemente”, celebra, contextualizando que o grupo foi fundado em agosto de 2024, sendo fruto da pesquisa de Henrique Lima, diretor da companhia, que trabalha há mais de 10 anos com a técnica de dança para o chão. “Ele já tem um núcleo artístico muito consolidado, como coreógrafo, e, a partir deste trabalho, teve a vontade de criar uma companhia de dança independente”, cita.
O espetáculo “Do chão não passa”, por sua vez, estreou em novembro do ano passado. “Nós tentamos inscrever este trabalho em editais, e como não aconteceu e tínhamos muita vontade que ele existisse, decidimos colocar ele no mundo de forma independente em novembro do ano passado, quando levamos o espetáculo para um galpão em São Paulo. Logo depois, recebemos o convite para dançar no Centro Cultural SP e, na depois, no Dança em Trânsito”, comemora. “Ficamos felizes com esses convites porque acreditamos que esse nosso trabalho merece ir para outras regiões, enriquecendo tanto a nossa experiência como a do público, que vai assistir a um espetáculo que vem de outra técnica de dança, mais rasteira, com elementos da capoeira”, complementa.
Para BH, a peça chega em uma versão em trio – originalmente, a montagem inclui os sete integrantes da companhia. “A gente editou o trabalho para que se adequasse mais à proposta do festival”, explica Bianca. “No espetáculo, trabalhamos com essa relação no plano baixo, com o chão magnetizando a gente, como se tentássemos levantar, mas não conseguíssemos. E é uma proposta interessante porque gera muitas interpretações por parte dos espectadores; mostra as relações humanas, individuais, essa opressão que vem de cima para baixo, que às vezes cola a gente no chão, nos deixa com uma dificuldade de levantar, mas mostra também a nossa força, usando o chão como trampolim”, detalha.
SERVIÇO:
O quê. Dança em Trânsito – Festival Internacional Itinerante
Quando. A partir desta quinta-feira (3), às 15h; até sexta (5)
Onde. Em Belo Horizonte, na quinta e sábado, e em Brumadinho, na sexta; atrações ocupam diversos espaços das duas cidades
Quanto. Gratuito. Programação completa disponível no site dancaemtransito.com.br.