Em "A Guerra dos Roses", era um advogado que contava a um novo cliente a história de amor e ódio de um casal. Agora, em "Os Rose: Até que a Morte os Separe", eles mesmo relatam sua história diante de uma terapeuta incrédula. Essa mudança diz muito sobre a nova adaptação do livro de Warren Adler, em cartaz nos cinemas.

Em 1989, havia um aspecto  econômico muito forte a dividir os pombinhos formados por Kathleen Turner e Michael Douglas: a casa. Ela continua sendo o motivo de disputa no filme de Jay Roach, mas é apenas a consequência do caminho sem volta que a relação se estabeleceu, vista mais por suas entranhas.

Entre um advogado a dar sua interpretação e a impossibilidade de resolução determinada por uma psicóloga, prevalece uma visão mais doentia e interiorizada. Em 1989, era o capitalismo selvagem e o culto à individualidade. Hoje, vemos uma sociedade deteriorada, enfrentando uma epidemia de doenças mentais.

Neste sentindo, Roach fez bem em atualizar a história, criando um humor nervoso na forma como nos leva a ver as fissuras de um relacionamento que se alargam com o tempo. Exibe ainda o machismo de nossas convenções sociais, pois o caldo só entorna depois que Ivy (Olivia Colman) se empodera.

Depois de anos dedicada ao lar, cuidando dos dois filhos, ela vê seu negócio gastronômico prosperar, enquanto o marido Theo (Benedict Cumberbatch) perde o rumo da carreira após um projeto arquitetônico falhar grotescamente. Os papéis se invertem, mas eles esbarram em uma desigualdade secular.

O fato de a nova adaptação optar por dois atores ingleses ajuda a enfatizar uma relação menos sexualizada - Kathleen Turner tinha acabado de dublar a pin-up Jéssica na animação "Uma Cilada para Roger Rabbit" e Michael Douglas se enrabichado por mulheres sedutoras em "Atração Fatal".

Olivia e Benedict fazem um casal mais comum. Eles se conhecem num momento em que o namoro os fortalece em direção à realização de seus sonhos. Em "A Guerra dos Rose", a dupla trava o primeiro contato numa disputa para ver quem dá o melhor lance num leilão de obras de arte.

Essa disputa se mantém na guerra física que se metem posteriormente.  O filme mais recente evita esse tipo de confronto como maneira de garantir risadas fáceis. É impossível enxergar comicidade numa escalada de violência que, mesmo exagerada, não deixa de ser realista, como mostram os relatos de feminicídios.

Mesmo na climática cena final, o humor despretensioso não se estabelece, já que ela é resultado da falência do ser humano de se tolerar. O engraçado fica mais nas figuras estranhas que orbitam o casal, como um advogado que assume a sua inveja pela sofisticação aparente dos amigos.