A pequena Malu (Elizândra Souza) se acomoda na janela do quarto e, com seu binóculo, acompanha cada movimento da vizinhança. Nada passa despercebido aos olhos da garota, que compartilha com a plateia cada detalhe que enxerga através das lentes. Acontece que esse gesto vai além da brincadeira infantil.

Na cena de abertura do espetáculo “Da Janela”, que estreia neste sábado (6/9), entra em cena a audiodescrição, recurso que traduz o conteúdo visual e garante acessibilidade a pessoas com deficiência visual, intelectual ou idosos. Assim como esta cena, toda a montagem do diretor Marco dos Anjos foi concebida com recursos de acessibilidade, que surgem como elementos protagonistas.

A ideia de criar algo assim veio de um incômodo vivido pelo diretor, quando ele trabalhou como gestor de um espaço cultural voltado para infância e juventude. “Uma das premissas é que as apresentações sempre tivessem recursos de acessibilidade. No entanto, eles acabavam se distanciando das pessoas com deficiência porque não eram pensados desde o início; vinham esteticamente diferentes e não comunicavam a poesia da obra”, explica.

A trama acompanha a história de amizade entre três crianças, Malu, Nina (vivida pela atriz surda Mariana Siciliano) e Cadu (Alain Catein), que se conhecem pelas janelas de suas casas. Aos poucos, eles começam a se comunicar a distância, e a conexão entre os três aumenta à medida que aprendem a conviver com as diferenças.

“Nina é surda, e Cadu e Malu buscam novas formas para se comunicar com ela. Então, Nina Libras aos dois. Essas três crianças se tornam amigas apesar das diferentes”, afirma dos Anjos.

Em determinado momento, Malu desce para a plateia e provoca as crianças a se autodescreverem. “É interessante, porque elas começam a falar coisas do tipo: ‘sou filha da minha mãe’, ‘sou irmã da minha irmã…’ Mas depois começam a falar do tipo de cabelo e cor da pele. Nessa interação, as crianças falam coisas muito inusitadas, e a experiência torna-se uma forma lúdica e inclusiva de comunicação e de percepção do outro”, analisa o diretor.

“Há um momento muito especial em que os três personagens ensinam a plateia a perguntar em Libras: ‘Você quer ser meu amigo?’. Todo mundo se engaja, e, ao final do espetáculo, todos aprendem a fazer a pergunta”, comenta.

Na montagem, a tradução para Libras acontece dentro das cenas. Gerusa, a síndica da vila onde moram as crianças, que também é intérprete de Libras, não apenas traduz, como conta a história sob a ótica da personagem. “Assim, a plateia consegue acompanhar a narrativa dentro da cena, sem criar um efeito de ‘pingue-pongue’, em que público precisa dividir a atenção entre a intérprete e as cenas. A experiência acontece de forma integrada e única e aproxima o público da narrativa”, salienta.

Para a elaboração do espetáculo, o diretor contou com a consultoria de Vanessa Bruna, da Incluir pela Arte, e de Christofer Allex, consultor de Libras, que estiveram em ensaios e colaboraram na formatação final da dramaturgia e da direção.

“O processo foi desafiador e, por vezes, desesperador. A audiodescrição tradicional, por exemplo, traz todos os detalhes de forma literal, sem poesia, e isso não nos servia, pois entrava em um território não-artístico. Surgiu então a questão: como comunicar a cena de forma sensível e artística? Foi assim que chegamos à descrição poética, com a ideia de contar a cena a partir da própria fala, incorporando o som e a atmosfera”, diz.

O quê. Espetáculo “Da Janela” 

Quando. De 6 a 15 de setembro, com sessões aos sábados e domingos, às 15h e às 18h, e segundas, às 15h

Onde. Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte (praça da Liberdade, 450, Funcionários)

Quanto. R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada), no site ccbb.com.br/bh e na bilheteria do CCBB-BH.

Duração. 50 minutos.