"A Vida de Chuck" segue um formato cada vez mais comum no cinema hollywoodiano, ao misturar as partes da narrativa, obrigando o espectador a montar um quebra-cabeça. Em cartaz nos cinemas, o filme de Mike Flanagan está dividido em três atos, perfazendo um percurso de trás para frente.

O que dificulta  a compreensão imediata, além desse desordenamento, é que as partes dão saltos no tempo, atentando-se ao aspecto metafísico e existencial da história - um dos fatores que tem levado público ao cinema, juntamente com fato de ser baseado em conto de Stephen King.

Esses saltos narrativos são ilustrados por uma explicação do astrofísico Carl Sagan, que condensa a evolução do universo até os dias atuais nos 12 meses de um ano, com o big bang surgindo no segundo inicial de 1º de janeiro. O aparecimento da humanidade se dá nos últimos segundos de 31 de dezembro. 

A explicação, que busca enfatizar algo muito superior a nossa existência, é contada duas vezes, pelo professor vivido por Chiwetel Ejiofor, na primeira parte, e quando o personagem-título vê na TV o programa de Sagan ("Cosmos", muito popular na década de 1980), no capítulo de fechamento. 

Essa repetição é fundamental para a compreensão da primeira parte, sobre onde ela será inserida na vida de Chuck, um contador que está hospitalizado em fase terminal. Frases, nomes, habilidades, objetos e situações aparecem duas vezes, mas eles não estão plenamente conectados.

É preciso ficar atento à guinada sobrenatural da terceira parte, uma surpresinha típica do universo de King, definido como mestre do terror na literatura. "A Vida de Chuck" não tem nada muito explícito do gênero, apenas usando um ingrediente que nos fará pensar sobre a finitude.

Se o terceiro ato carrega uma pegada sobrenatural, o primeiro é,  de certa maneira, apocalíptico, enquanto o segundo vai para linha filosófica. Todos eles ligados pela questão da morte. O segundo é o mais interessante, porque abre um outro campo, ao discutir o papel da arte para a humanidade.

Quando Chuck resolve repentinamente dançar na rua, ao passar por uma garota que toca bateria, o filme define esse momento como definidor de nossa relação com a arte, movida especialmente por sensações que atingem nosso estado de espírito de maneira muito enriquecedora.

A narração reforça que o contador simplesmente se deixou levar por um desejo, assim como a baterista resolveu estabelecer uma outra batida, para acompanhar os passos do dançarino improvável. A cena é memorável, muito bem construída, como se fosse feita para um filme musical.

A ligação entre a primeira e a terceira partes, no entanto, não acontece como desejado. Além da distância narrativa, já que a história não retoma os acontecimentos do início, Flanagan pesa mão no tema apocalíptico, enfatizando o realismo quando deveria se abrir mais para o imaginário.

Para os saudosistas, o filme põe em cena, nos papéis de avós, atores muito simbólicos dos anos 80: Mark Hamill, o Luke Skywalker da primeira trilogia de "Star Wars", e Mia Sara, a namorada de Ferris Buller na clássica comédia adolescente "Curtindo a Vida Adoidado".