Um núcleo familiar reduzido, composto apenas por um casal e um filho mal saído da adolescência, é tragicamente dilacerado após uma noite que, na verdade, tinha todas as credenciais para ficar na memória. Logo no início de "Com Todo Meu Coração" ("Behold My Heart", 2018), filme de Joshua Leonard que aporta agora nas plataformas de streaming, temos um homem, o músico Steven Lang (Timothy Olyphant), se apresentando num bar cool da cidade, sob os ouvidos atentos da plateia e o olhar mais que orgulhoso do filho, Marcus (Charlie Plummer), a quem também ensina os segredos de seu instrumento. Não bastasse, o show dá direito à performance de sua mulher, Margaret (Marisa Tomei), a quem ele convida a subir ao palco para um dueto da música que funciona como trilha sonora da apaixonada vida a dois.
Ao fim do show, a família está pegando seu carro para voltar para casa quando, apesar dos apelos contrários, Steve resolve intervir numa briga de casal que se desenrola logo ali, no estacionamento, e na qual uma garota está sendo agredida. Alcoolizado, o agressor, nervoso com a intromissão, acaba avançando sobre Steve, que, após ser golpeado, acaba morrendo ali, na frente de Margaret e Marcus. A partir daí, claro, a vida dos dois sobreviventes vira de ponta-cabeça. Além da ameaça da impunidade (sim, até lá, nos EUA) e do tradicional e desgastante trâmite da justiça, mãe e filho lidam com seus fantasmas particulares - ela, o paulatino alheamento das questões envolvendo seu trabalho, após a perda abrupta do marido; ele, a aversão aos olhares de pena e às palavras protocolares que os habitantes, constrangidos ao encontrá-lo, não se cansam em proferir.
Pouco a pouco, Margaret vai se deixando levar pela bebida, relegando os cuidados com a casa (vasilhas se acumulam na pia, as cartas, na caixa de correios, os jornais, na porta da casa), o filho e o trabalho - e consigo própria, o que se reflete na sua aparência desleixada. Mas o momento ápice do naufrágio se dá em um momento em que, com a razão embaçada pela bebida, faz um movimento irrefletido em direção ao filho que acaba minando completamente a relação dos dois, a ponto de ele sair de casa.
É o tal momento fundo do poço. Não tendo mais como descer, Margaret cai em si e tenta retomar as rédeas de sua vida, começando por tentar resolver seu problema com a bebida e com o filho. Não é tarefa das mais fáceis, principalmente porque os dois ainda têm o julgamento do assassino pela frente.
Neste filme onde a dor de um luto é veio principal, os méritos recaem para Marisa Tomei (o que não é propriamente uma surpresa), belíssima do alto de seus 57 anos, e para Charlie Plummer, muito bom num papel que exige muitas camadas de interpretação. Não é preciso perder alguém tão próximo e de forma tão violenta para o espectador se conectar à dor que se abate sobre mãe e filho. Em certa medida, em algum ponto da vida, mesmo em situações absolutamente distintas, quem de nós nunca se sentiu desamparado, perdido, injustiçado e sem ter para onde ir? É dessa conexão, aliás, que brota, ou se fortalece, o tal sentimento de compaixão.
Onde ver: nas plataformas digitais iTunes, Apple TV, Vivo Play, Google Play, Youtube Filmes, Now e Looke