Alice Braga, 38, nasceu em abril. Gabriel Leone, 28, é de julho. Alice gosta de Legião Urbana, mas não se considera uma “legionária”. Foi em uma viagem de férias pelo Sul do Brasil com o cineasta Jorge Furtado, muito amigo de sua mãe, Ana, que ela conheceu, ainda muito nova, a música de Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá: “É uma banda muito presente, sempre gostei muito do Renato”. Gabriel, por sua vez, é um grande fã da Legião desde criança, toca as músicas da banda no violão, sabe datas de shows que nunca viu e tem Renato como um de seus principais poetas.

Profissionalmente, os caminhos de Alice e Gabriel nunca haviam se cruzado. Ela mora nos Estados Unidos, ele vive no Rio de Janeiro. A história começou a mudar em 2016, quando eles fizeram testes para o mesmo filme. Dois anos depois, ambos encontraram uma brecha nas agendas para as gravações. Durante dois meses e duas semanas, hospedaram-se nos mesmos hotéis, conversaram muito e trocaram ideias. Acabaram virando bons amigos. O longa ficou pronto em 2020, mas veio a pandemia, que foi jogando a estreia para depois, e depois, até que, enfim… 

“Eduardo e Mônica”, filme de René Sampaio baseado na clássica canção da Legião Urbana, estreia em 20 de janeiro nas salas de cinema de todo o país. Alice Braga e Gabriel Leone vivem o casal improvável que sai dos versos de Renato Russo para as telas.

Mônica faz medicina, fala alemão, pilota uma moto, curte meditação, Godard, Caetano e Rimbaud. Eduardo é um adolescente de 16 anos, envolvido com as chatices do pré-vestibular, que vê novela e joga futebol de botão com seu avô. Eduardo e Mônica eram nada parecidos, como diz a letra da música, “mas quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?”. A despeito de todas as diferenças, eles se apaixonam, vivem um grande amor e seguram algumas barras juntos.

O filme de René, que tem roteiro assinado por Matheus Souza, constrói uma ótima história a partir de uma música pop de pouco mais de quatro minutos. A canção da Legião até dá bons elementos para isso, mas a construção dos personagens, de suas relações familiares e como eles crescem e evoluem – muitas vezes independentes um do outro, o que faz com que Eduardo e Mônica também tenham suas personalidades escancaradas –, ganhando complexidades e esbarrando em conflitos existenciais, é um dos méritos de “Eduardo e Mônica”, que ressalta Brasília como o cenário de várias paixões: dos personagens e do próprio diretor com a capital federal, onde nasceu, em novembro de 1974.

Dar vida às divergências, desencontros e incompatibilidades de Eduardo e Mônica, personagens que habitam o imaginário de toda uma geração, foi, para Alice, um dos maiores desafios. “Quando me chamaram para fazer, fiquei com muita vontade e muito frio na barriga”, comenta a atriz. As atuações dela e de Gabriel Leone são excelentes. Ali estão Eduardo e Mônica da Legião Urbana, mas também de René Sampaio, Alice e Gabriel.

Para a atriz, era fundamental que ela se transformasse um pouco em Eduardo e Gabriel passasse a entender a Mônica para que houve uma sinergia real entre a dupla: “Se a gente não acredita nesse amor dos dois, não tem filme. Havia uma vontade muito grande de fazer esse amor ser crível. Tentei ao máximo que a gente ficasse muito próximo para ter essa química quando a gente entrasse no set, porque a câmera capta tudo, isso é fascinante no cinema”.

O que não está na canção da Legião foi bem arquitetado, como o embate entre o avô de Eduardo, Bira, um militar saudoso da ditadura interpretado por Otávio Augusto, e Mônica, orgulhosa de seu pai comunista, que teve de sair do país nos anos de chumbo. “Tudo está ali para poder ajudar a contar a história do Eduardo e da Mônica. São personagens diferentes, cada um se desenvolveu de uma maneira. Todas as opções narrativas levavam para a história dos dois personagens”, ressalta René Sampaio.  

Delicado e divertido, “Eduardo e Mônica” é sobre amor, liberdade e tolerância, para além das preocupações estéticas e artísticas. Longe de ser pueril, o filme (vale destacar a excelente trilha sonora com clássicos dos anos 1980) coloca acertada dose de drama sem ser piegas e inspira as pessoas a se apaixonarem, a viverem um grande amor. Esta é a grande conquista da película.

Para Alice Braga, o fato de o filme estrear agora, em meio aos debates políticos próprios de um ano eleitoral e a uma pandemia já não tão agressiva quanto antes, mas ainda presente e letal, é emblemático: “Estamos vivendo um momento dolorido, com um governo muito agressivo, que preza a morte, o conflito, a não aceitação da diferença. O filme toca em detalhes importantes de falarmos, de não esquecermos nossa memória. As pessoas dão risada, ficam emocionadas. O filme tem essa força e é também um acalanto”.

Fã da Legião Urbana, o diretor René Sampaio já havia adaptado a obra da Legião Urbana para o cinema quando dirigiu “Faroeste Caboclo” (2013), baseado na épica letra de Renato Russo. Mexer no terreno de Renato e da Legião, ambos tão venerados, tocados e cantados, pode resultar numa experiência desastrosa.

Para não cair em armadilhas e invencionismos, René, conhecedor da obra da banda, tem sempre uma receita no bolso: “Tento ser muito fiel ao espírito da música, ao que ela traz de emoção para além da literalidade. A sensação é de uma música solar, e o filme responde a isso. Foi isso que tentamos traduzir ao fazer ‘Eduardo e Mônica’”.