A pandemia causada pelo coronavírus deixara cicatrizes a todos. Na indústria cultural não foi diferente. Mas se alguma lição pode ser tirada pelos organizadores do país e do mundo, mesmo em meio a tantos cancelamentos e adiamentos, é que agora com os eventos voltados para as plataformas virtuais, as distâncias se encurtaram e grandes nomes podem se reunir a um clique.
Exemplo disso é a 9ª edição do Festival Internacional de Artes de Tiradentes – Artes Vertentes, que começou nesta quinta-feira (26) e irá promover encontros até então impensados pela logística presencial. Até o próximo dia 06 de dezembro personalidades como o líder indígena Ailton Krenak, o escritor Mia Couto e a ilustradora mineira Marilda Castanha vão estar juntos pela primeira vez na programação da mostra que irá reunir música, literatura, cinema, artes visuais e artes cênicas. E claro, neste ano, devido à pandemia da Covid-19, a programação será apresentada ao público virtualmente.
Com curadoria de Luiz Gustavo Carvalho, o tema deste ano será a água. “É um tema que queremos trabalhar desde 2019 e agora com a crise sanitária que estamos vivendo se mostra mais uma vez tão importante e presente até porque entendo a água como um elemento que narra a história de humanidade. É um espelho das mudanças climáticas, um recurso comum pelo qual podemos matar. É um privilégio e um direito, é saúde", destaca Carvalho. "A arte, portanto, tem o papel fundamental de nos fazer refletir sobre uma mudança de postura em um tema que é tão urgente como esse", acrescenta.
Segundo Luiz, nesse ano, com o formato virtual, além de garantir a segurança de artistas, equipes de produção e do público, será possível proporcionar outra novidade: encontros que até então seria impensáveis para o festival. “Neste tempo tão esquisito e sombrio, a tecnologia pode beneficiar a arte. Claro, que não é a mesma coisa, há toda uma magia em estar junto. Isso é insubstituível. Mas a tecnologia é uma alternativa, uma forma necessária de manter a arte presente”, pontua Luiz, que ainda completa:
“Fazer um festival neste momento é um ato de resiliência, de mostrar que a cultura está viva e cumprindo seu papel de manter a sociedade viva. Nossa ideia é promover diálogos entre as diferentes linguagens da arte. Nosso desejo é construir uma ponte entre diversas áreas”, ressalta.
Programação
Todos os shows, debates, peças e filmes serão disponibilizados gratuitamente no site do Vertentes. Apenas a performance-instalação Mil litros de preto, de Lucimélia Romão, será realizada presencialmente, entre sexta-feira (27) e 6 de dezembro, no Centro Cultural da cidade, com 10 pessoas por sessão.
Na programação musical do festival, serão apresentados 11 concertos de música clássica, transmitidos ao vivo, às 20h, da Igreja Nossa Senhora das Mercês pelo site e canal YouTube do Festival. Todo repertório será em homenagem a obras inspiradas em estreito diálogo com a água. A programação musical fará, ainda, uma homenagem ao compositor brasileiro Almeida Prado, conhecido por suas lutas ambientais.
Também haverá três artistas em residência: a ilustradora mineira Marilda Castanha, o francês François Andes e o poeta, escritor e tradutor Guilherme Gontijo Flores. Nas artes cênicas, será apresentada a performance-instalação Mil Litros de Preto da performer e artista visual Lucimélia Romão.
Já a programação de cinema conta com filmes nacionais e internacionais como "A despedida", de Larissa Shepitko e "Elém Klimov"; "A última Volta do Xingu", de Kamikia Kisedjê e Wallace Nogueira, e "À Cura do Rio", de Mariana Fagundes.
A 9ª edição do Festival terá ainda 11 debates, palestras e mesas-redondas com o escritor e líder indígena Ailton Krenak, o cineasta Eder Santos, o compositor Roberto Victório, o artista visual cubano Nelson Ramírez Arellano e o crítico de cinema russo Anton Dolin.
"Todos os artistas escolhidos possuem essa ligação e identificação com o tema central, que é a água, e tem trabalhos voltados para isso. Poder reunir nomes, que antes pelas agendas, logísticas seria muito difícil e agora pela internet se torna possível e nos fazer pensar sobre o papel artístico do festival, que é criar estímulos e proporcionar encontros", afirma o curador do festival, Luiz Gustavo Carvalho.
Confira os destaques do curador Luiz Gustavo Carvalho
- Ailton Krenak, ativista indígena dos direitos humanos, que nasceu em 1953, no Vale do rio Doce, Minas Gerais, e pertence á etnia Krenak, vai abrir o Festival e falará sobre o tema 'água que somos'.
- O escritor e biólogo moçambicano Mia Couto é outro destaque da Vertentes Literatura deste ano. Mia vai debater como a água está presente em sua obra e, sobretudo, as questões ligadas a água em Moçambique no passado recente, as atitudes humanas em relação à água, entre outras questões.
- Nas artes cênicas, a performer e artista visual Lucimélia Romão irá apresentar a instalação "MIL LITROS DE PRETO". Impulsionada pelas notícias diárias de mortes da juventude negra, a artista aborda a água contida no corpo humano, denunciando também a violência policial praticada contra a população negra nos centros urbanos brasileiros.
- A premiada ilustradora mineira Marilda Castanha desenvolverá também um trabalho em torno do Cobra Norato, personagem que habita o folclore da região norte do Brasil. Durante a sua residência artística, a artista visual trabalhará com as crianças e adolescentes. O resultado desta residência será desenvolvido sob a forma de uma instalação.
- O francês François Andes, que tem o rio e a floresta como principais protagonistas no trabalho visual, é o segundo artista convidado como artista em residência. Durante a sua estada em Tiradentes, ele trabalhará um conjunto de desenhos inéditos inspirado no Rio das Mortes. A ideia é fomentar a criação de um trabalho inédito, levando em consideração todos os aspectos geográficos, históricos e simbólicos do rio, assim como a presença da água no entorno de Tiradentes.
- O poeta, escritor e tradutor Guilherme Gontijo Flores, vencedor do prêmio Jabuti e APCA, será o autor em residência do Festival Artes Vertentes. Assim como François Andes, o poeta terá o Rio das Mortes como ponto de partida para desenvolver uma série de textos inéditos. Estes textos serão apresentados ao público no decorrer da programação sob a forma de leituras e performances literárias. Guilherme Gontijo Flores ministrará, ainda, um workshop de literatura ligado à temática do festival para alunos de universidades públicas brasileiras e para jovens escritores.
Festival Internacional de Artes de Tiradentes – Artes Vertentes
Quando: do dia 26 de novembro a 6 de dezembro de 2020
Onde: virtualmente, através do canal YouTube do Festival Artes Vertentes
Quanto: gratuito