“Quando foi anunciado o show do Ateez, deixei de ir em todos os outros para poder me preparar financeiramente, porque acompanho o grupo desde o começo”, conta a auxiliar veterinária Sophia Janot, de 24 anos. Para ir à apresentação do grupo, que aconteceu no último dia 26 de agosto, no Allianz Parque, em São Paulo, ela desembolsou, apenas em ingressos, cerca de R$ 2.500. O valor pago por ela incluiu a meia-entrada para o setor mais próximo do palco e um pacote VIP - que, segundo ela, não cumpriu com todas as vantagens prometidas. Mas, mesmo que alguns detalhes tenham ficado aquém do esperado, ela garante que a experiência valeu cada centavo. “Acho que o valor que fosse eu pagaria para vê-los. A gente parcela, pede emprestado”, diz.
Embora o preço dos ingressos - que no caso do show escolhido por Sophia, variaram entre R$ 195 e R$ 990 - estivesse na média de outras apresentações internacionais no Brasil como aespa, Taylor Swift e Paul McCartney - que passa por Belo Horizonte em 3 de dezembro - os valores acabam sendo considerados altos por muita gente. Em uma pesquisa rápida nas redes sociais, por exemplo, é possível ler uma grande quantidade de reclamações e comentários sobre os valores cobrados. Em alguns casos, como as apresentações do cantor Andrea Bocelli, que têm entradas custando de R$ 250 a R$ 4.620, acabaram rendendo memes e piadas.
“Estava vendo o preço dos ingressos para o show do Andrea Bocelli para dar de presente para a minha avó. Simplesmente R$ 1.000 a cadeira superior do Allianz (Parque, em São Paulo), o pior lugar. Sei lá, acho que se eu fizer um poeminha ela vai gostar também, né”, brinca uma usuária no Twitter. Outro se diverte com a opção oferecida para jovens de baixa renda, com um valor de R$ 2.062,50 para o setor mais próximo do palco. Há ainda aqueles que critiquem o valor exorbitante das entradas, ressaltando que os ingressos tão caros fazem com que a própria função social da meia-entrada perca seu sentido.
O custo dos ingressos também pode ser avaliado através de comparativos que deixam claro o quanto eles podem acabar pesando - e muito - no bolso dos consumidores. Uma pessoa que quer assistir a apresentação do britânico Paul McCartney, por exemplo, pode ter que desembolsar R$ 1.188, quando incluída a taxa de conveniência cobrada pela venda online. O valor corresponde a 90% do salário mínimo do país, que atualmente é de R$ 1.320. Em shows nacionais como os dos Titãs, que volta a BH no final do ano com a turnê "Encontro", o preço também chama a atenção. Entradas para a pista VIP, sem o acréscimo da taxa de conveniência, equivalem a mais de 40% do salário mínimo. Com a inclusão da taxa, a porcentagem equivalente sobe para 49%.
Mas, afinal, o que faz com que os preços pareçam cada vez mais altos? Segundo produtores belo-horizontinos, vários são os motivos que podem justificar essa alta. O principal deles é a própria alta nos valores de produtos e serviços no país, o que reflete diretamente em todos os setores da economia. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a inflação acumulada em 12 meses é de 3,99% - em dados referentes a julho de 2023.
Porém, existem ainda outros fatores que fazem com que os valores se tornem ainda mais elevados. Segundo o produtor João Akerman, um deles tem relação com o próprio cachê cobrado pelos artistas. “Estamos vivendo um momento de alta. E, na verdade, o que justifica a precificação de um cachê é a capacidade do artista de mobilizar o público”, explica. Ele exemplifica citando que um artista que cobra R$ 100 mil pelo show precisa ser capaz de reunir espectadores suficientes para que esse valor seja pago. “Mas vários artistas que não mobilizam público o bastante estão cobrando valores muito altos”.
Os valores pagos por serviços prestados em eventos também têm aumentado. “Além da alta do preço dos cachês e fornecedores, também vemos valores subindo acima da inflação em Belo Horizonte. De um ano para outro, as coisas sobem de 10% a 15%”, conta Akerman.
O local escolhido para receber um show também pode influenciar no valor do ingresso. Apresentações em parques, estádios ou praças, por exemplo, podem ter um gasto adicional - e mais alto - com a estrutura. Embora a questão estrutural já esteja presente em espaços como teatros, há também cobranças específicas para shows nesses locais. “Eles costumam reter uma porcentagem da bilheteria bruta. Aqui em BH, ela varia de 10 a 15%, mais os impostos que devemos arcar também”, explica Caique Muniz, produtor e sócio da Laranjeira Produções e Favo Cultural.
Gastos com passagens aéreas, transporte, hospedagem e alimentação do artista e de sua equipe também estão inclusos nas despesas envolvidas na produção de um show e, também, estão inclusos no valor cobrado pelos ingressos.
Para ilustrar os custos envolvidos em um show, Caique Muniz cita o exemplo fictício de uma apresentação em um teatro com capacidade para mil pessoas. Ele explica que entre os lugares disponíveis, 15% costumam ser destinados para cortesias e gratuidades. Então, neste caso, o produtor teria 850 ingressos disponíveis para a venda. Com ingressos a R$ 100, a inteira, a bilheteria renderia R$ 63.750, com o tíquete médio de R$ 75. “Qualquer artista nacional cobra, no mínimo, um cachê de R$ 40 mil. Considerando que ele tem uma equipe de cinco pessoas, serão, pelo menos, mais R$ 5 mil de gastos com passagens e bagagem extra. Com a retenção de 10% do teatro, os 5% do ECAD, que são os direitos autorais, 3% do INSS e outros 3% de taxa de cartão de crédito, vai sobrar cerca de R$ 5.300. Com esse valor, ainda é preciso pagar hospedagem, transporte local, toda mídia do evento e gastos com camarim”, afirma. “Nesse cenário, o prejuízo seria de R$ 20 mil a R$ 30 mil. Para evitar isso, o valor do ingresso precisaria ficar entre R$ 150 e R$ 180 para conseguir pagar todas as despesas e ter uma margem de lucro”, acrescenta.
Em shows internacionais outros fatores ainda entram em jogo. Além dos gastos com passagens e deslocamentos serem maiores, o preço do dólar também acaba pesando no valor cobrado pelas entradas. “Toda a logística e as exigências de camarim acabam sendo mais complexas e mais caras. Tudo isso é levado em consideração na hora de precificar um ingresso”, afirma João Akerman.
Taxa de conveniência deixa o preço de ingressos ainda mais salgado
Impulsionadas pela pandemia da Covid-19, as compras online se tornaram cada vez mais comuns na rotina dos brasileiros. Conforme um levantamento feito em 2022 pela Octadesk, numa parceria com a Opinion Box, 61% dos consumidores compram mais pela internet do que em lojas físicas. Para se ter uma ideia do volume de compras online, o e-commerce atingiu a marca de R$ 169,6 bilhões somente no ano passado no Brasil.
O cenário não é muito diferente quando o assunto é a venda de ingressos para shows, mas no caso das entradas para apresentações musicais, é possível que o consumidor acabe pagando um valor extra pela praticidade da compra em casa. Isso porque no país é cobrada a chamada "taxa de conveniência", que costumeiramente é calculada a partir de uma porcentagem acrescida ao valor pago pelo tíquete.
Embora a cobrança seja permitida por lei, ela ainda divide opiniões no meio judiciário. É isso o que explica Carolina Vesentini, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). “Essa é uma taxa que não é regulada pelo Código do Consumidor, mas alguns Estados como Alagoas, Rio de Janeiro e Santa Catarina têm normas que regulamentam essa taxa. De forma geral, esse é um tema bem polêmico porque não temos uma situação definida, mas, para o Idec, essa cobrança é abusiva e não respeita a vontade do consumidor”, afirma.
Segundo a advogada, o Instituto não considera que a conveniência exista de fato, já que o consumidor é colocado em filas virtuais, numa situação semelhante à que aconteceria na venda presencial. “A maior justificativa dessa taxa era não enfrentar filas, mas hoje você tem ficado horas na internet. Tem sido vendido um serviço inexistente”, observa.
Carolina acrescenta ainda que por ter o valor definido a partir do percentual do valor do ingresso, a taxa também acaba sendo injusta para alguns consumidores. “Ela acaba sendo diferenciada, já que o ingresso mais caro terá uma taxa mais cara, mesmo que a chamada conveniência seja igual para todos”, afirma ela, ressaltando que esse é mais um fator que torna a prática abusiva no entendimento do Idec.
Vale ressaltar ainda que para que a taxa seja justificada, além da conveniência, é preciso que a empresa ofereça outras formas de compra que não tenham o acréscimo da taxa - a venda presencial costuma ser a principal alternativa. É necessário também que o valor da taxa seja sempre informado.
Em caso de descumprimento dessas regras, o consumidor tem o direito de contestar a cobrança. Conforme a advogada, neste casos, deve-se ter em mãos o maior número de provas possíveis que atestem o abuso. Capturas, gravações de tela e outras formas de comprovação devem ser guardadas pelo consumidor.
Com o material reunido, Carolina Vesentini orienta que o primeiro passo é entrar em contato com a empresa vendedora. Caso a taxa não seja devolvida, é importante procurar o Procon. Em último caso, pode ser necessário entrar com uma ação na justiça.
Mesmo com preços caros, shows seguem tendo ingressos esgotados
Vendidos em meados de junho, os ingressos, que variavam de R$ 190 a R$ 1.050, para os primeiros shows de Taylor Swift no Brasil não demoraram nem uma hora para esgotarem. As datas extras anunciadas após a corrida pela compra de ingressos - que teve filas online que acumularam mais de 1 milhão de pessoas - também se esgotaram rapidamente, em pouco mais de uma hora.
Além da norte-americana, outras atrações também devem se apresentar para casas cheias pelo país. Paul McCartney, que passará por Brasília, Belo Horizonte, São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro, também teve ingressos esgotados. Artistas nacionais, como os Titãs e o NX Zero que promovem turnês de reencontro pelo país, também repetiram o feito.
Para o produtor Caique Muniz, o período pandêmico pode ser uma das justificativas para que muitas turnês e festivais estejam vendendo tão bem, mesmo que muita gente considere os preços salgados. “Passamos por mais de dois anos sem poder aproveitar um show, sem poder ver um artista que a gente gosta. Mas acho que além das pessoas estarem com saudade de prestigiar esses eventos, há também certa insegurança, uma necessidade de aproveitar o dia de hoje por não saber o que vai acontecer amanhã”, observa.