Teatro

Meritocracia, dinheiro e poder

Em “O Importado, Odilon Esteves interpreta jovem que tem como meta apenas o trabalho e o consumo

Por Gustavo Rocha
Publicado em 18 de janeiro de 2019 | 03:00
 
 
 
normal

A ideia de “self-made man” (no Brasil, a referência mais próxima para o termo talvez seja “meritocracia”) é questionada no espetáculo “O Importado”, monólogo do ator Odilon Esteves que fica em cartaz neste fim de semana e no próximo na Campanha de Popularização do Teatro e Dança, no CCBB-BH. Inspirada no conto “O Importado Vermelho de Noé”, de André Sant’Anna, a peça narra a história de um jovem administrador bem-sucedido que vai expondo seus pontos de vista e sua enorme fome por poder e dinheiro.

“O conto trata de um jovem, bem-sucedido financeiramente, cujo projeto de vida é trabalhar e consumir. Para ele o que importa é ganhar a maior quantidade dinheiro possível para chegar a essa promessa de felicidade e poder. Esse projeto de existência não se importa em passar por cima dos outros e desperdiçar a própria vida em uma obsessão pelo dinheiro, nesse ciclo de produzir e consumir”, comenta o ator. Na peça, o personagem central tem fixação por produtos importados: carro, perfume, uísque, cinema, música.

Quanto à proposta cênica, Esteves pontua que seu processo criativo foi no intuito de levar as palavras de Sant’Anna ao palco sem a necessidade de ser apenas pela fala. Para tal, ele buscou dinâmicas de encenação que destacassem a estrutura reiterativa repetitiva presente no conto original. “Busquei dinâmicas de encenação que pudessem evoluir de acordo com o personagem. São estados que estão presentes no texto. É como se ele não mudasse de ponto de vista diante de tudo que a vida lhe oferece. É um padrão recorrente na nossa sociedade. Pessoas que têm um padrão de resposta para todas as perguntas. São verdades que resolvem quaisquer questões da vida”, observa.

Pensando em um contexto mais amplo e brasileiro, o ator considera que ocorreram avanços significativos nos últimos tempos em relação à sociedade brasileira e seus muitos desequilíbrios. Entretanto, para ele, os avanços foram apenas superficiais, e o pensamento conservador, junto com vários preconceitos, reapareceu com força recentemente. “Creio que as mudanças que vimos eram externas apenas, porque o ser humano, no seu pensamento, segue livre. No Brasil, não mudamos várias estruturas de pensamento. Muita gente estava apenas guardando o que pensa e não podia dizer porque era politicamente incorreto. Quando essas coisas vieram à tona, foi de forma violenta e virulenta. Vimos isso recentemente”, ressalta Esteves.

Pesquisa. Antes de começar a encenar o conto de Sant’Anna, o ator percorria outro caminho que o interessava: a loucura. “Estava estudando esse limiar entre a sanidade e a insanidade e como, em vários momentos, transitamos entre uma coisa e outra”, pontua. Em sua busca, Esteves leu o livro “Holocausto Brasileiro”, que trata do hospício em Barbacena, no interior do Estado, estudou também a história de Arthur Bispo do Rosário e finalmente chegou ao conto de Sant’Anna.

“Eu migrei um pouco. Para falar da loucura, fui falar desse projeto de normalidade dentro do contexto brasileiro. Muitas pessoas adeptas desse grande projeto têm traços de alguma alteração psiquiátrica, mas que não são considerados assim. É possível ver recorrência de comportamentos histéricos, de síndrome de perseguição e paranoias conspiratórias. Ou seja, a normalidade é uma loucura que rege uma parte imensa da sociedade”, destaca o ator.

Serviço. “O Importado”, de sexta à segunda, às 20h, até dia 28 de janeiro. Haverá debate após os espetáculos do dia 19 e 26. No CCBB (praça da Liberdade, 450, Funcionários). Ingressos antecipados a R$ 15

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!