Há 10 anos, em 2014, o mundo perdia um dos principais representantes do design modernista brasileiro: o premiado arquiteto e designer Sergio Rodrigues, conhecido por suas contribuições para o reconhecimento mundial do mobiliário moderno nacional – que, não raras vezes, é elevado à condição de arte.
“Para mim, sem demérito para os demais, ele é, simbolicamente, uma das figuras mais importantes desse movimento estético ao lado de Joaquim Tenreiro”, comenta o galerista Sergio Zobaran, fazendo referência ao português, radicado no Rio de Janeiro, considerado pioneiro nesse tipo de desenho moveleiro quando, ainda na década de 1940, por encomenda do empresário mineiro Francisco Inácio, mobiliou uma casa em Cataguases, na Zona da Mata, projetada por Oscar Niemeyer.
“Acontece que, quando a obra ficou pronta, Francisco notou que não existiam objetos adequados para aquela construção, caracterizada pelo traço certeiro e por privilegiar o uso de concreto armado, aço e vidro”, elabora.
Casa de Francisco Inácio Peixoto, projetada por Oscar Niemeyer
E se Tenreiro saiu na frente na primeira fase dessa vanguarda criativa, coube a Rodrigues um papel central na internacionalização desse desenho: à frente da loja-galeria Oca, o designer conquistou o primeiro lugar no IV Concurso Internacional do Móvel, em Cantu, Itália, em 1961, com um de seus projetos mais conhecidos, a poltrona Mole, também chamada de Sheriff Chair.
Para Zobaran, a peça é um ícone desse movimento criativo por consagrar características comuns a essa linguagem estética, como as formas genuinamente baseadas na tradição brasileira – os pés da poltrona, por exemplo, remetem ao tacapé, um tipo de empunhadura usada por povos indígenas para caçar e guerrear – e o uso de uma madeira nacional por excelência, o jacarandá – cujo comércio, hoje, é proibido devido ao quase extermínio da espécie.
Sergio Rodrigues na Poltrona Mole, na década de 1990
Fundador da galeria carioca Gozto e idealizador do evento cultural Modernos e Eternos, com foco na arquitetura, design, décor e arte, Zobaran foi responsável pela organização, ao lado do artista plástico Walton Hoffmann, da última exposição que contou com a presença de Rodrigues – realizada em 2013, na Casa Electrolux, em São Paulo. E ele lembra que o próprio designer, desde 1962, ano seguinte à premiação na Itália, se esmerou na produção de mostras que tinham como premissa exaltar os móveis como objetos de arte. “O que só reforça que ele tinha esse entendimento. Mais que isso, mostra que ele trabalhou por esse reconhecimento”, avalia.
Paixão que atravessa gerações
Passados quase 80 anos desde o surgimento dos primeiros exemplares dessa vanguarda criativa, o mobiliário moderno brasileiro segue encantando inclusive gente que, nessa época, nem pensava em nascer.
“Justifica o crescente interesse por esse tipo de desenho o fato de o movimento dos modismos na decoração ser cíclico, privilegiando ora um período, ora outro. No atual momento, por exemplo, estamos resgatando muita coisa dos anos 70, 80 e 90. Ou seja, o vintage está andando para cá”, examina Sergio Zobaran.
O galerista acrescer que o que há de especial quando falamos sobre o móvel moderno brasileiro é que, neste caso, por se tratar de algo feito no Brasil, o apelo é mais forte, uma vez que as pessoas tendem a valorizar essas criações – “especialmente em São Paulo e Belo Horizonte, onde percebo que há um desejo pelo nacional em seu melhor momento”, aponta.
Por sua vez, Josette Davis, realizadora e curadora do Modernos e Eternos em Minas Gerais, pontua que essas peças costumam ser muito buscadas por serem entendidas quase como atemporais.
“E, hoje, indo na contramão de um layout de loja, onde tudo se encaixa, mas de um jeito frio e sem vida, é comum que as pessoas adotem um perfil ‘hi-lo’, combinando objetos de diferentes linguagens e gerações, propondo diálogo entre o moderno e o contemporâneo”, sinaliza, lembrando que a escolha é estratégica também por ser mais econômica: “Pode-se ter, no mesmo ambiente, um móvel assinado por um designer relevante, que vai ser mais caro, harmonizando com peças de autoria desconhecida, por exemplo”.
Para Josette, essa escolha de decoração costuma vir a reboque de uma noção muito cara aos eventos organizados por ela: “A ideia de que o mobiliário conta história de costumes, crenças, técnicas, povos e saberes diversos, de forma que cada um de nossos ambientes possa ser rico de histórias”.
Interesse crescente
No caso do arquiteto Henrique Pirani, a paixão pelo mobiliário surgiu como consequência. “Há cerca de oito anos, abri, com outros colegas da arquitetura, um escritório, que funcionava com uma loja adjacente. No início, vendíamos peças da Móveis Cimo, que por muito tempo foi uma das maiores movelarias do país”, recorda, pontuando que os itens tinham aspecto institucional – “eram escrivaninhas, cadeiras escolares, etc.”.
Henrique Pirani, um dos fundadores do Coletivo Au
A partir dessa primeira experiência, ao lado de Daniel Correa, Mariana Falcão e André Cota, Pirani iniciou um mergulho no universo do upcycling, se dedicando a coletar itens que iriam para o lixo, que, após serem restaurados ou repaginados, voltavam a ser comercializados. “Nessa época, já trabalhávamos com móveis industriais e armário de farmácia, que podiam ganhar novas funções, se tornando uma cristaleira, por exemplo”, cita.
Não tardou para que o interesse por esse lugar de interseção entre mobília e decoração desaguasse na pesquisa e encantamento com o mobiliário moderno brasileiro. “A gente começou a ter mais conhecimento sobre esses designers, muitos deles com formação em arquitetura, cujas peças continuam sendo muito procuradas”, lembra, dizendo que, naquele momento, passou a se dedicar com mais afinco ao garimpo de tais objetos.
Peça de mobiliário da extinta Móveis Gerdau no Coletivo Au
“Fizemos até uma biblioteca que nos ajuda a identificar os itens e saber se eles são originais ou réplicas”, situa, lembrando, hoje, ser comum esbarrar em cópias que tentam se passar por obras autênticas. “E isso acontece justamente por conta do reconhecimento conferido a esse tipo de mobiliário, que é referência em todo o mundo”, pondera.
ONDE IR
Veja relação de lojas-galerias belo-horizontinas que comercializam peças representativas do mobiliário moderno brasileiro.
Modernos e Eternos (@modernoseternosbh). Evento cultural de arquitetura, design, décor e arte, que busca combinar peças modernas e contemporâneas.
Quando. Anualmente, sempre entre junho e julho.
Pé Palito – Vintage Decor (@pepalito65). Loja-galeria possui em seu eclético acervo peças anônimas e também assinadas por alguns dos maiores designers do século 20.
Onde. Rua dos Timbiras, 2500, Santo Agostinho
Quando. As visitas podem ser agendadas pelo link: https://linktr.ee/pepalito.
Gabinete – Galeria (@gabinete.galeria). Traz ao mercado de arquitetura e interiores a curadoria de mobiliário modernista por meio da identificação, da restauração e da comercialização do seu acervo.
Onde. Av. Brasil, 311, Santa Efigênia
Quando. De segunda a sexta-feira, das 10h às 19h; sábado, das 10h às 14h
Coletivo Au (@coletivoau). É formado por quatro arquitetos que fazem garimpo de móveis e objetos, ressignificando as peças através da restauração ou intervenção.
Onde. Rua Visconde de Taunay, 124, São Lucas
Quando. De segunda a sexta-feira, das 10h às 12h30 e das 13h30 às 19h; sábado, das 10h às 15h.