A menina dos olhos de Toninho Geraes está com “traje de casamento, roupa de gala”. “É uma emoção singular, inefável”, descreve o belo-horizontino de 62 anos. Tudo porque, com quatro décadas de carreira, composições de seu amplo repertório, que compreende mais de 300 músicas, vão ganhar um tratamento erudito para o concerto que a Orquestra Sinfônica e o Coral Lírico de Minas Gerais prestam em sua homenagem, com ensaio aberto nesta quarta (7) e estreia oficial na quinta (8), na “Abertura do Carnaval da Liberdade”, promovido pelo governo do Estado.
Autor de sucessos eternizados nas vozes de Martinho da Vila, Zeca Pagodinho e Beth Carvalho, como a incontornável “Mulheres”, “Seu Balancê”, “Mais Feliz”, “Se a Fila Andar”, dentre outras, Toninho, quando não assina tudo sozinho, costuma ser responsável pela melodia, o que prevaleceu na difícil seleção para o repertório, em que ele teve que “cortar na carne” para chegar ao enxuto número de quatorze canções que compõem o programa. “Todas as melodias do espetáculo são minhas”, orgulha-se. O jornalista Zu Moreira, que, segundo Toninho, “conhece até mais” a sua obra do que ele próprio, foi peça fundamental nesse processo. A regência é da maestra Ligia Amadio e a direção musical é de Fernando Bento.
Inspiração
Foi ao ler uma matéria com o histórico sambista Silas de Oliveira (1916-1972), nome por trás dos sambas-enredos “Heróis da Liberdade” (com Mano Décio da Viola e Manoel Ferreira), “Aquarela Brasileira” e “Os Cinco Bailes da História do Rio” (com Dona Ivone Lara e Bacalhau), que Toninho Geraes determinou internamente um norte para suas criações melódicas.
Na ocasião, Silas ensinava: “se quer saber se um samba é bom, imagine ele com orquestra sinfônica”. “Fiquei com isso na cabeça, e, quando compunha, imaginava a orquestra”, revela Toninho. Um exemplo nítido é “Aquarela da Amazônia”, parceria com o xará Toninho Nascimento que abre o concerto. Essa “melodia mais refinada, que puxa para o erudito”, volta a se insinuar em “Seu Balancê”, como explicita uma rápida espiada na gravação de Zeca Pagodinho produzida por Rildo Hora, em 1998.
Encontros
Foi com essa música que Teresa Cristina tomou o primeiro contato com a obra de Toninho, e logo se encantou “pela linguagem completamente popular, com uma melodia diferenciada, rebuscada, mas que é feita de um jeito tão perfeito que a gente aprende a cantar”. “Toninho não sabe fazer música feia, é um compositor iluminado, tem um segredinho ali”, elogia a intérprete, que participa em quatro faixas da homenagem prestada pela Sinfônica ao sambista. “É importante também para a música erudita interpretar samba, porque é uma linguagem que está na formação musical do Brasil”, sublinha Teresa.
Os dois se conheceram em um projeto chamado “Puxando Conversa”, que acontecia na Lapa, no Rio de Janeiro, no final dos anos 1990. Toninho conta que a amizade nascida no samba se estendeu para a militância política, com a participação em eventos e encontros na casa de Tia Surica, presidente de honra da Portela. “Ainda não temos uma parceria de composição, mas a Teresa está sempre me cobrando”, diverte-se Toninho. Outra presença marcante no concerto é a de Aline Calixto, que, em 2009, ao gravar o seu primeiro disco, lançou “Tudo Que Sou”, de Toninho.
“Acompanhei o crescimento profissional da Aline, ela já gravou várias músicas minhas”, diz o anfitrião, que ressalta o fato de as convidadas de honra estarem bem longe daquelas “participações forçadas, biônicas, ou por conveniência”. “Todas carregam a bandeira do samba, têm comprometimento com o gênero”, afiança Toninho, que admite ter ficado com “um frio na barriga” quando se deparou com o aparato da orquestra. “Mas, depois, a gente vai ensaiando, se emocionando, e vendo que a música fala com a música, o erudito com o popular e vice-versa, a música conversa entre si e fica tudo mais fácil”, celebra.
Projetos
Nesta sexta (9), Toninho coloca na praça “Seu Zé”, de Claudinho Guimarães, primeiro single de seu próximo álbum, previsto para esse ano e ainda com o título provisório de “Reviravolta”, que deve conter quatorze faixas. Um clipe rodado nos Arcos da Lapa e no Beco do Rato acompanha a novidade.
“Comecei a compor inspirado nos sambistas de BH, era garoto ainda e vendia bilhete de loteria”, lembra Toninho, que cita Gervásio Horta, Lagoinha, Geraldo Orozimbo e Ataíde Machado como referências. Quando chegou ao Rio, “achando que já tinha garrafa pra vender”, o compositor percebeu que “estava só começando”. “Faltava todo o processo de amadurecimento e autocrítica”, constata.
Toninho morou na casa de Ivan Marujo, compositor da Mangueira, que ele reputa como “mestre”, em São João de Meriti, região metropolitana da capital fluminense. “Foi o meu batismo”, declara. Numa comemoração de aniversário de Paulinho Rezende, autor de mais de mil músicas, Toninho, emocionado, agradeceu aos parceiros e disse que não seria quem era se não fosse por eles. O aniversariante devolveu a gentileza: “Você só tem esses parceiros todos por ser quem é”.
Toninho guardou a lição: “Para compor com grandes músicos, você precisa produzir coisas boas para conquistá-los”. Se alguém duvida da capacidade de Toninho, é só conferir com quem ele anda no mundo do samba: Roque Ferreira, Moacyr Luz, Serginho Beagá, Fabinho do Terreiro, Ricardo Barrão e mais uma infinidade de bambas da melhor estirpe.
Folia
Enredo da escola de samba belo-horizontina Raio de Sol, em 2020, Toninho, que habitualmente desfila na Portela, e, no último ano, saiu na Grande Rio por conta da homenagem ao amigo Zeca Pagodinho, tem se animado com a folia na capital mineira. “O Carnaval em BH cresceu tanto que a rede hoteleira está tomada de gente, não tem lugar para nem um mosquito”, brinca ele, que atribui o sucesso, entre outros motivos, “ao aconchego do mineiro, que é sempre muito cordial e receptivo”.
“Aqui não tem praia, mas temos os melhores bares!”, defende. A instalação de caixas sonoras nas avenidas, que permitirão aos foliões “escutarem o que o carro de som toca lá na frente”, é exaltada como “uma iniciativa pioneira” da cidade. Em São Paulo, Toninho assina o samba-enredo da Acadêmicos do Tatuapé, que versa sobre a preservação ambiental e etnias indígenas. “É o samba mais lindo do Carnaval de São Paulo, todo mundo está comentando”, arremata.
Serviço.
O quê. Orquestra Sinfônica e Coral Lírico de Minas Gerais homenageiam Toninho Geraes
Quando. Ensaio aberto nesta quarta (7), às 12h; estreia do Concerto nesta quinta (8), às 20h
Onde. Grande Teatro Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1.537, Centro)
Quanto. Ensaio aberto com entrada gratuita, sujeito à lotação do espaço; Concerto com ingressos a partir de 10 reais, na bilheteria do teatro ou pelo site www.fcs.mg.gov.br