Um pai-nosso, uma ave-maria, um ponto de Oxum, um ponto de Oxóssi, uma oração ao anjo da guarda e outra para são Jorge. Esses são os rituais espirituais da atriz Tereza Gontijo, 38, a palhaça Guadalupe, que acaba de lançar “Do Riso ao Soro: Reflexões de uma Palhaça no Hospital e a Incrível Jornada dos Afetos”, relatos sobre o encontro do humor com a dor, o desconforto e a morte, tendo como cenário os hospitais públicos.
Há 16 anos dando vida à palhaça Guadalupe, a libriana Tereza é uma mulher de fé. “Sou espiritualizada e acredito nos guias espirituais e na orquestração divina para que as coisas aconteçam segundo uma cadência generosa, amorosa e certeira. Busco propósitos em todas as coisas que acontecem”, diz.
Como nesta história vivida e retratada em seu livro no capítulo “Quando um cometa cruza o céu”. “Íamos fazer umas fotos para o calendário de um hospital e lá conhecemos um menino que devia ter uns 3 anos e meio. Esperto, bem-disposto, falante, brincalhão e tranquilo; se não estivesse no hospital, você não diria que ele estava doente”, relembra a palhaça.
E prossegue: “O garoto que seria fotografado não ficou à vontade, então convidamos o menino. A fantasia de super-homem serviu perfeitamente para ele, que encarnou o personagem. Foi lindo vê-lo se entregando ao momento. No dia seguinte, ele teve várias paradas cardíacas e morreu. Lembramos dele como uma estrela cadente que foi ao ápice do seu brilho, cruzou o céu e se apagou. Sua alegria ficou registrada em fotos e vídeos. Os fatos nos trazem aquilo que precisamos aprender”.
Tereza confessa que essa experiência a transformou como ser humano. “Me fez perceber aspectos com os quais não havia tido contato antes, como a finitude da vida. Me fez perceber minha própria finitude e a impermanência de todas as coisas. Vivemos uma vida muito automatizada e protocolar; vamos seguindo uma ordem num mecanismo de causa, efeito e recompensa, tudo muito pasteurizado e automatizado”.
O trabalho em um hospital e o contato com bebês e crianças com doenças raras e de grande complexidade, para ela, “desafiam a ordem natural da vida: nascer, crescer e morrer”. “Comecei a me questionar sobre isso e, mais do que tentar ter respostas, entendi que aceitar que as coisas são impermanentes é um desafio diário. A vida não é certa, não dá garantias, e isso fortalece o sentido do presente e de presença nas relações”, ressalta Tereza.
“O encontro com outras pessoas que trazem experiências de vida tão ricas e diversas expandiu minhas percepções em relação a mim mesma, à minha família, meus filhos. Já fui testemunha de muitas circunstâncias inesperadas que mudaram o curso de famílias de forma repentina e inesperada. Isso pode acontecer com a gente”, observa ela.
O livro reflete sobre os 16 anos de Tereza como palhaça em alas pediátricas de hospitais públicos de periferias. “É um compilado de textos que eu escrevi ao longo de quase duas décadas. Reuni essas anotações, categorizei por temas e exercitei meu olhar sobre cada assunto. O hospital é um retrato da sociedade, e aí tive contato com diversos eventos políticos e situações vividas pelas pessoas que procuram o Sistema Único de Saúde, como são atendidas, seu sofrimento e qual o contexto socioeconômico dessa realidade”, infere a palhaça.
O hospital público, diz ela, “possibilitou o entendimento de aspectos políticos, sociais, filosóficos e éticos” e permitiu que Tereza, que tem dois filhos, refletisse sobre sua vida pessoal, casamento e maternidade. “Todo palhaço é um reflexo, uma hiperbolização da pessoa que interpreta. Os eventos que acontecem em nossa vida se refletem na expressão desse palhaço”.
Dessa forma, o livro fala sobre a Tereza mãe, esposa e artista. “Abordo temas políticos, falo sobre o racismo estrutural, feminismo, a presença das mulheres na sociedade, por meio da minha atuação cotidiana na saúde pública e lidando com as dimensões humanas”, observa Tereza.
Livro
“Do Riso ao Soro: Reflexões de uma Palhaça no Hospital e a Incrível Jornada dos Afetos”, Tereza Gontijo, Amazon, 200 páginas, R$ 17,90 (Kindle).
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Tereza se diz “uma alma atravessada pelos afetos”
nariz vermelho, as palhaçadas e a irreverência amenizam o sofrimento de pacientes e familiares. “Esse trabalho me fez ter contato com a fragilidade, força, mistérios, complexidades da existência humana, do próprio corpo – coisas que a gente vivencia, mas não explica. Tudo isso foi me afetando e me transformando em um ser humano muito diferente. Hoje sou uma alma atravessada por afetos e pela história de vida de outras pessoas. O ser humano é capaz de produzir miséria e beleza, situações degradantes de violência, abuso, e também de grande beleza, cuidado, afeto, dedicação”, reflete Tereza Gontijo.
Pergunto a ela o que fica desses 16 anos como palhaça. “A vida nos possibilita uma experiência maravilhosa e transformadora. O que dá sentido à existência é deixar se afetar pelo outro. Não somos seres únicos neste planeta e temos essa maravilhosa oportunidade de nos expandir por meio da interação com o outro. Isso nos faz maiores e melhores. Estar vulnerável é estar disponível para o afeto”, responde. (AED)
Transformar o cotidiano é o papel da arte
A trajetória percorrida por Tereza Gontijo teve início aos 11 anos, quando ela entrou para a Spasso Escola de Circo, onde ficou até os 18 anos, aprendendo todas as técnicas circenses. Aos 16 anos, começou a fazer teatro profissionalmente a convite do tio, Chico Aníbal, na peça “A Menina e o Vento”, da dramaturga Maria Clara Machado, sua tia-avó.
“Estudei artes cênicas (licenciatura) e fiz o curso profissionalizante em teatro do Centro de Formação Artística do Palácio das Artes, me formando com um espetáculo de improvisação dirigido por Mariana Muniz. Quando o ‘Doutores da Alegria’ abriu seleção para Belo Horizonte, comecei a ser palhaça de verdade. Aquela era e é minha missão de vida, fazer diferença na rotina hospitalar. Ser palhaça com um propósito social e transformar o cotidiano é a síntese de tudo que eu acredito sobre o papel da arte”, comenta a palhaça.
Na vida e no livro, a palhaça vivencia “o encontro com a artista, mãe, mulher e com o ser humano pleno de fragilidades, vulnerabilidades e potências que eu sou”. (AED)
Natal: Encontro de conexão com laços de amor
A Fraternidade sem Fronteiras é uma organização humanitária presente em oito países, com 37 mil pessoas acolhidas, servindo 542 mil refeições por mês. Sua proposta é vivenciar e incentivar a prática da fraternidade, sem restrições étnicas, geográficas ou religiosas, amparando prioritariamente crianças e jovens em situação de vulnerabilidade ou risco social.
“Neste mês de dezembro, a Fraternidade sem Fronteiras preparou um encontro diferente, a fim de que as pessoas possam conectar seus corações pelos laços do amor, sem barreiras. Se Jesus não nascer e crescer na manjedoura de nossa alma, em vão os anos novos se abrirão iluminados para nós”, comenta o escritor e palestrante espírita Wellerson Santos, um dos participantes do evento.
O Especial de Natal da Fraternidade sem Fronteiras acontecerá no próximo dia 11, com apresentações musicais e teatrais e uma palestra com o tema “A importância do amor fraterno para a vivência de nossa humanidade”.
O evento terá o violino de Alain Calixto e a gaita e o violão de Edmilson Neto; os personagens natalinos do conferencista e escritor Wellerson Santos; os atores Carlos Nunes e Kayete em um espetáculo teatral; e uma palestra com o médico homeopata e palestrante, Andrei Moreira.
O valor arrecadado com o evento será destinado 100% para os projetos Fraternidade da Rua, polo de BH, que faz o acolhimento de pessoas em situação de rua; o Projeto Amor sem Dimensões, para o amparo e tratamento de crianças com microcefalia; e o Projeto Chemin du Futur, que acolhe meninos em situação de rua no Senegal, na África.
AGENDA: O Especial de Natal acontece amanhã, dia 11 de dezembro, no Theatro Brasil Vallourec, das 20h às 22h. Ingressos: https://www.eventim.com.br/artist/cine-theatro-brasil/especial-de-natal-fraternidade-sem-fronteiras-2024-3764086/