“Ânima” é o terceiro texto para teatro de Lúcia Helena Galvão, uma das filósofas mais vistas no YouTube. Uma tecelã, vivida pela atriz Beth Zalcman, narra os feitos, pensamentos, a coragem e as lutas de Joana d’Arc, Hipátia de Alexandria, Marguerite Porete, Helena Blavatsky, Harriet Tubman e Simone Weil.
A filósofa conta que a peça trata de uma tecelã “que tece com os fios da vida e, de vez em quando, encontra fios muito luminosos e fala deles. Ela trata da beleza desses fios femininos, parentes das estrelas, que deixaram uma trilha exemplar a ser seguida no mundo. Cada dama vai surgindo, com uma ordem aleatória, e contando sua história, a grandeza de seus sonhos e as duras provas vividas. Por fim, a tecelã conclui o seu tecido com palavras finais”.
Lúcia Helena diz que todas as mulheres “são muito corajosas e ousadas, além de dotadas de uma mística ardente, um desejo de se aproximarem de Deus pelos caminhos estabelecidos por elas próprias, e não por rotas convencionais. Algumas intelectuais, como Hipátia e Simone, outras muito simples, como Joana e Harriet, e ainda a visionária Helena”.
E emenda: “Seres humanos diversos, em tempos diversos, mas tão próximos em sua garra, seu idealismo, que não admite desvios nem se conforma com pouco. Histórias diferentes, corpos diferentes, mas talvez a mesma alma ardente, ainda envolta em pó de estrelas, como diz a frase que inspirou a peça: ‘Desde sempre e para sempre, toda mulher tem parentesco com a primeira estrela brilhante que levou luz ao azul profundo do céu’”.
A direção do espetáculo é de Luiz Antônio Rocha, que dirigiu “Helena Blavatsky: A Voz do Silêncio” e “O Profeta”. “Minhas escolhas em teatro têm sido pautadas pela existência humana. O que estamos fazendo aqui? Tento responder minhas questões pessoais no fazer teatral. Todas essas peças falam de vida, morte e existência, temas que me interessam”, comenta o diretor.
As pessoas têm medo de falar sobre a morte. “Vejo tanta poesia nela que me acalma. ‘Ânima’ conta a história de seis mulheres que sacrificaram suas vidas em prol de um ideal. Todas as peças mesclam teatro e filosofia e, consequentemente, questões relacionadas à existência. Trazer esses temas à cena é o que eu posso fazer, como um sinal de alerta, sempre uma busca pela reflexão e por um mundo mais justo”, diz Rocha.
O diretor considera que talvez o maior desafio em “Ânima” tenha sido o ponto de partida. “Como contar a história de mulheres de séculos diferentes de forma compreensível para o público? A peça entrelaça a existência e a trajetória de mulheres idealistas, emissárias heroínas que deixaram suas marcas indeléveis nas linhas da história, mudaram seu curso e desde sempre e para sempre levaram luz ao azul profundo do céu”.
A encenação passa por vários séculos. “Cada mulher escolhida é de um século diferente, também falamos do futuro e do século XXI. Por essa razão, trazemos uma montagem ‘extratemporal’, transitando pelo passado, presente e futuro, como o raio laser e até um drone que contracena com a atriz”, revela Rocha.
No fundo, diz o diretor, “o espetáculo quer retratar o poder transformador das mulheres, cada vez mais importante no mundo atual. A coragem e a resistência daquelas seis mulheres ainda estão, felizmente, presentes em tantas outras do nosso dia a dia, famosas ou não”.
Três artistas incansáveis
O diretor Luiz Antônio Rocha revela mais sobre o fazer teatral. “A autora Lúcia Helena Galvão abre a peça com ‘o céu de uranos: um universo de possibilidades. No início era o caos, o vazio absoluto: espírito puro e a matéria pura. O encontro acontece: partículas de matéria e de espírito se entrelaçam num estreito abraço e começam a dançar seu drama em espirais pelos quatro cantos do espaço’”.
Para acolher essa abertura, Rocha optou por trazer “um palco nu, vazio”. “A ideia é mostrar o universo de possibilidades que o teatro oferece. Apenas a atriz sozinha no palco vai revelando, traçando um paralelo com o céu de uranos, que também é um universo de possibilidades”, analisa ele.
O diretor entrega como tem sido a parceria com essas duas mulheres maravilhosas: Lúcia Helena Galvão e Beth Zalcman. “Em time que está ganhando não se mexe. Realmente é uma feliz parceria. A Beth, eu já havia dirigido em ‘Brimas’, um grande sucesso no Rio de Janeiro, e logo depois veio ‘Blavatsky’. É uma atriz excepcional, com bastantes recursos. É sempre um prazer dirigi-la”, entrega o diretor.
E acrescenta: “Lúcia Helena é uma mulher sensível, muito inteligente e com um coração gigante. Quando a convidei para escrever ‘Helena Blavatsky, a Voz do Silêncio’, não sabia que iríamos ficar amigos. Nossa parceria deu tão certo que ela vai escrever um novo texto para eu dirigir em 2025. Somos três incansáveis artistas, nos dedicamos demais ao que fazemos, tentamos entregar para o público o melhor de nós”. (AED)
“Coube a mim girar a roda do tear”
A atriz Beth Zalcman conta que, quando a professora Lúcia Helena Galvão lhe entregou “Ânima”, texto teatral que escreveu para ela, “disse que nele estavam seis mulheres marcantes em sua vida, pensadoras, idealistas, místicas e heroínas, importantes na história da humanidade. Fiquei emocionada e, claro, ansiosa para saber como seria ‘nosso encontro’”.
A atriz não conhecia Simone Weil, Harriet Tubman e Marguerite Porete, “mas já na troca do primeiro olhar, acrescido de um leve sorriso (característica de encontro feminino), entendi de imediato que já nos conhecíamos e sabia que meus olhos levariam um tempo para decifrá-las”, diz.
Hipátia de Alexandria e Joana d’Arc apontavam novos desafios. “Como atriz, eu pensei: como fazer uma idealista, heroína e santa, tão jovem? Como sentir a alma de uma mulher do século IV como Hipátia, que fala no texto para sermos humanos na maior plenitude de nossas possibilidades?”, questiona Beth.
E continua: “E o que dizer de Helena Petrovna Blavatsky, a mais íntima, sempre instigante e desafiadora? Ela sempre me desestabiliza, me tira do lugar-comum, me deixa em estado de presença, inteira, vibrante. ‘Em meio a esse céu de estrelas’, como falo no texto. Cabe a mim, atriz, girar a roda do tear e tecer histórias, alinhavar tempo e espaço, ser o feminino em sua máxima expressão e trazer a luz do espírito para a manifestação”.
A personagem mais desafiadora foi Simone Weil. “Ela alerta que absorver ideias da moda pode gerar uma intoxicação que nos impeça de pensar e depois se descobre mística em um encontro profundo com Deus”, finaliza Beth. (AED)