Em algumas partes do Brasil, o maxixe é como aquela música dos anos 1990, “Dança do Maxixe”, eternizada pela banda Companhia do Pagode. Muitos já ouviram falar, mas poucos realmente conhecem o sabor e as características do fruto. Alguns podem até reconhecer a melodia, talvez cantarolar o refrão, mas o que muitos não sabem é que, assim como a música tem sua coreografia e passos próprios, o maxixe possui um formato peculiar e sabor inconfundível, escondido atrás de sua casca espinhosa.

Embora muitas pessoas confundam o maxixe com o pepino devido à sua aparência, as semelhanças param por aí. Sua textura e sabor são bem distintos. Ao corte, o maxixe revela uma carne firme, de cor esverdeada, com um sabor suave e ligeiramente adstringente, além de uma crocância delicada que o torna extremamente versátil. Pode ser consumido cru ou cozido, e sua combinação de frescor e leveza é ideal para saladas, refogados, ensopados ou até conservas. Ao longo dos anos, o maxixe conquistou um espaço especial na culinária brasileira, especialmente no Nordeste, mas tem ganhado destaque também em outras regiões, como Minas Gerais, onde novas formas de apresentação têm sido exploradas.

Um dos locais que abraçaram com carinho o maxixe foi o Maturi, bar em Belo Horizonte que promove uma fusão entre as culinárias de Minas Gerais e do Nordeste. A chef Regilene Coelho, natural do Maranhão e mineira de coração, tem um vínculo afetivo com o maxixe, que foi presença constante em sua infância. “Tinha na horta da minha casa e no sítio que meu pai tinha. Ele levava cestos de maxixe, e minha mãe distribuía para toda a vizinhança”, recorda. Para ela, o maxixe foi um ingrediente de fácil transição para o cardápio do Maturi, justamente por ser algo tão presente em sua formação.

Picles de maxixe do Maturi. Foto: Flávio Tavares

 

“Sempre que faço feijão, tem que ter maxixe, abóbora e quiabo. Até brinco que é a santíssima trindade da minha cozinha”, diz Regilene. No Maturi, o maxixe surge não apenas como acompanhamento, mas também como estrela em receitas criativas, como no cuscuz na manteiga com carne de sol, salada de tomate e ovo frito. Para trazer mais versatilidade ao cardápio, ela também prepara picles de maxixe, misturando água, açúcar, vinagre, sal e especiarias, que serve tanto como guarnição quanto para adicionar um sabor especial em diversas preparações.


Esse toque de inovação ajudou Regilene a conquistar novos paladares, como o de clientes que nunca haviam experimentado o maxixe. “As pessoas não encontravam o maxixe nos cardápios da cidade e precisavam vir até o Maturi para provar”, diz a chef, evidenciando como o fruto se tornou um elemento distintivo de seu trabalho e um verdadeiro charme da casa.

Herança

O maxixe tem uma forte carga cultural, com suas raízes na África, de onde foi trazido durante o período de colonização e se enraizou nas cozinhas do Brasil. A pesquisadora de culturas alimentares Patty Durães explica a relevância histórica do ingrediente: “Da África ao Brasil, o maxixe fincou raízes na nossa cultura alimentar, temperando a história com sua delicada crocância”.

Ela observa que o maxixe é bastante utilizado na culinária nordestina, especialmente em pratos como maxixada — um prato que leva o nome do ingrediente. A maxixada é tradicionalmente feita com carne de sol, carne de boi, frango ou peixe e frequentemente acompanha legumes como cenoura e batata-doce, além de coentro. A textura crocante e o frescor do maxixe tornam esse prato ainda mais interessante, proporcionando um equilíbrio de sabores.

Sabor e conservação

 Embora a maxixada seja bastante popular no Nordeste, encontrar pratos que utilizem maxixe em Belo Horizonte pode ser uma tarefa mais difícil. Isso se deve à sazonalidade do fruto, que depende do clima quente e úmido para seu crescimento, sendo mais abundante no verão, entre dezembro e março.  Para driblar essa sazonalidade e garantir o uso do maxixe o ano todo, muitos chefs têm apostado na técnica do picles de maxixe.

O chef Djalma Victor, do boteco Fiado, em Belo Horizonte, utiliza generosas fatias de picles de maxixe como acompanhamento para pratos como gyosa de galinha com quiabo e aioli. “É um ingrediente que me interessa muito por sua versatilidade e pelo sabor levemente ácido e refrescante. Já conhecia o fruto antes de incorporá-lo ao cardápio, mas fui aprofundando esse estudo ao longo do tempo, criando formas interessantes de usá-lo. Foi natural querer explorá-lo mais na minha cozinha”, afirma Djalma. Para ele, a acidez do maxixe é um elemento crucial para equilibrar o sabor de pratos mais complexos. E, ao ser servido em conserva, o maxixe consegue manter seu frescor mesmo fora da temporada.

Gyosa com picles de maxixe do boteco Fiado. Foto: Victor Schwaner/divulgação

Bruna Rezende, chef do bar e armazém A Porca Voadora, compartilha o mesmo entusiasmo pelo maxixe. Para ela, o fruto não é apenas um ingrediente, mas uma maneira de destacar a acidez nos pratos. “O maxixe engrandece a acidez em nossas receitas. Eu gosto muito desse toque”, explica Bruna, que utiliza o picles de maxixe para complementar, por exemplo, o presunto de pato. Em uma versão mais vegetariana, o maxixe é refogado e servido tostado com outros vegetais, sobre um creme de castanha de caju e finalizado com muito coentro, oferecendo uma combinação de texturas e sabores bastante equilibrada.

Presunto de pato e picles de maxixe do bar A Porca Voadora, Foto: Joana Spadinger/divulgação

 

A chef Ornela Mattos, à frente da Casa Gabo, encontrou no maxixe uma forma de valorizar a identidade nordestina, ao incorporá-lo em um picles que combina frescor e acidez. A escolha de utilizar o maxixe em conserva foi motivada pela técnica de picles e pelo desejo de agregar personalidade aos pratos, como o frango com mole negro.

Segundo a chef, o preparo do picles de maxixe exige cuidado, principalmente na escolha dos frutos, que devem ser firmes e frescos, e no tempo de conserva, para garantir a crocância sem perder a essência do vegetal. “A conserva oferece um sabor levemente amargo, que harmoniza bem com pratos mais gordurosos e condimentados. A resposta dos clientes tem sido positiva, com muitos elogiando a textura e o sabor surpreendente”, conta.

Frango com mole negro e picles de maxixe da Casa Gabo. Foto: Casa Gabo/divulgação

 

À brasileira

No restaurante Pacato, o chef Caio Soter também se rendeu ao charme do maxixe. Caio é conhecido por suas releituras criativas de pratos clássicos, e sua versão do steak tartare com carne de sol e picles de maxixe reflete perfeitamente sua habilidade de unir influências internacionais com ingredientes brasileiros.

Tradicionalmente, o steak tartare é feito com carne crua, misturada com condimentos fortes como mostarda, alcaparras e pimenta. No entanto, Caio transformou a receita francesa ao substituir a carne crua por carne de sol serenada, permitindo que o sabor da carne se destacasse mais. “Eu gosto de colocar maxixe em tudo. Ele traz esse frescor do pepino, mas com um sabor mais vegetal e mineiro, perfeito para dar equilíbrio ao prato”, diz o chef, evidenciando como o maxixe se adapta perfeitamente a pratos sofisticados e contemporâneos. 

Steak tartare de carne de sol e maxixe do Pacato. Foto: Victor Schwaner/divulgação

 

Fitó, da chef Cafira Foz, resgata o maxixe até no coquetel

A chef Cafira Foz, à frente do restaurante Fitó, que possui duas unidades em São Paulo, é uma das grandes defensoras da valorização dos ingredientes regionais e suas memórias afetivas. Natural de Piauí, Cafira cresceu em contato com a cozinha tradicional, onde o maxixe tinha um papel fundamental nas receitas da sua família. Ela se lembra com carinho da relação que seu avô tinha com o fruto, que ele utilizava em pratos como a maxixada e até em combinações inusitadas, como o maxixe com leite, que para ele fazia todo sentido. “Essa lembrança afetiva do maxixe ficou comigo ao longo da vida”, compartilha a chef, destacando como o ingrediente a acompanhou desde a infância até a cozinha profissional.

Hoje, em seu restaurante, Cafira explora as infinitas possibilidades que o maxixe oferece. “Sou apaixonada por ele e consigo usá-lo de diversas maneiras”, diz ela. Na cozinha do Fitó, o maxixe aparece em preparações criativas, como no vinagrete que acompanha o carpaccio de carne de sol. Ela também o utiliza em saladas e até em drinks, mostrando sua versatilidade e capacidade de se adaptar a diferentes sabores e texturas. Para beber, o coquetel elaborado pelas mixologistas Renata Adoración e Suellen Martins, leva aguardente de cana vermelha, maxixe, tomilho e mel. 

No Fitó (SP), o drink Vixe, Maxixe é feito com aguardente de cana vermelha, maxixe, tomilho e mel. Foto: Marilia Princy/divulgação