O Rio de Janeiro continua lindo – e delicioso! Não é segredo para ninguém que as belezas naturais são o ponto alto da Cidade Maravilhosa, mas cada vez mais a capital fluminense tem chamado a atenção do Brasil (e do mundo) para a sua gastronomia, uma mistura fina entre ancestralidade, inovação e um dose generosa de brasilidade.
Basta dar uma olhada nos rankings gastronômicos mais consagrados do planeta para perceber isso. Há cerca de um mês, por exemplo, o Lasai, localizado no Humaitá, na zona Sul carioca, foi o único restaurante brasileiro a entrar no The World’s 50 Best Restaurants 2025, considerado o “Oscar da Gastronomia.” O restaurante ainda sustenta duas estrelas Michelin.
Mas a relação não se resume ao Lasai. No Leblon, o Oro manteve suas duas estrelas Michelin na seleção realizada em maio deste ano. Outros dois cariocas (Casa 201 e Oseille) ganharam uma nova estrela, somando-se aos outros quatro do Rio que já têm a premiação: Oteque, Ristorante Hotel Cipriani, MEE e San Omakase. Para além de rankings, a cidade tem investido na própria vocação gastronômica.
No fim do ano passado, a prefeitura do Rio divulgou o estudo “Rio: A Capital da Gastronomia Sustentável da América Latina”, que revelou que a cidade tem potencial de receber, em uma década, dois milhões de visitantes estrangeiros a mais em busca de turismo gastronômico.
Em 2026, a cidade ainda será palco de um fórum de turismo gastronômico promovido pela ONU, com o propósito de discutir formas de integrar experiências culinárias às viagens, conforme informado pela coluna do jornalista Lauro Jardim, de “O Globo”. O evento, que neste ano ocorreu na Tanzânia e contou com a presença de mais de 300 lideranças, reúne profissionais do setor gastronômico, especialistas em culinária e representantes do poder público.
Diferentes chefs compartilham da opinião de que a veia culinária do Rio de Janeiro está cada vez mais pulsante. Com mais de 20 anos de experiência e passagem pela escola Nagoya Sushi, no Japão, o chef Guilherme Campos acredita que isso se deva à valorização da cultura do boteco.
“O Rio de Janeiro tem uma oferta boa de comida, mesmo se tratando de restaurantes com menor projeção na mídia. É muito comum do carioca se especializar nos petiscos, nas pequenas porções… Tudo acompanhado de cerveja. É muito fácil comer bem no Rio de Janeiro, ainda mais hoje com a facilidade da propagação de informações no digital”, salienta.
Guilherme Campos comanda o Shiso, restaurante de culinária oriental localizado no resort urbano Grand Hyatt Rio de Janeiro, luxuoso hotel cinco estrelas localizado na Barra da Tijuca e margeado pela Lagoa de Marapendi.
Funcionando há nove anos, o Shiso figurou nas edições de 2017, 2018 e 2019 do Guia Michelin, no Guia Comer e Beber da Revista Veja Rio (2017, 2018 e 2024) e foi eleito melhor restaurante japonês pelo Guia Rio Show de Gastronomia 2019, do jornal “O Globo”. Também foi finalista na categoria restaurantes de hotel no prêmio Comer e Beber, da Veja Rio (2024).
O espaço é aberto ao público, e são servidos cerca de 300 quilos de peixes e frutos-do-mar por mês, vindos de pescadores artesanais e fornecedores locais. No cardápio do Shiso, estão peixes da costa fluminense, que apresentam identidade própria.
“No Rio de Janeiro, temos uma corrente de água gelada, e há muitos peixes que gostam dessa temperatura. Isso influencia o nível de gordura presente neles”, relata. Dentre os peixes presentes no cardápio de Campos, estão piraúna, sardinha, linguada, badejo, robalo e peixe-serra, o predileto do chef.
Em suas criações, Campos alia tradição às novidades. O restaurante oferece menu à la carte, com seleção de entradas e pratos principais tipicamente japoneses. Tem também o omakase (palavra em japonês que significa “eu confio em você”), em que o cliente deixa a cargo do chef a escolha dos pratos, modo de preparo e ingredientes, selecionados conforme a sazonalidade.
Recentemente, Guilherme Campos realizou um omakase na companhia do chef Celso Amano, vindo do Japão. “Fiquei surpreendido com a quantidade e a variedade de peixes presentes aqui. Acredito que os ingredientes daqui combinam muito com o da culinária japonesa”, detalha Amano.
Pizza à carioca
Foi de um forno do Rio de Janeiro que saiu a melhor pizza da América Latina. “Scampi”, do restaurante Ferro e Farinha, ganhou a primeira colocação do ranking realizado em abril passado pelo Guia das Melhores Pizzarias Artesanais do Mundo.
A massa leva camarões salteados na manteiga, creme de alho, muçarela, molho de tomate, salsinha, cebola e manjericão e foi desenvolvida pelo chef nova-iorquino Sei Shiroma. Há cinco unidades do Ferro e Farinha no Rio de Janeiro: Barra da Tijuca, Botafogo, Ipanema e duas no Leblon.
A relação de Sei Shiroma com a Cidade Maravilhosa começou em 2011 com sua “pizza-móvel.” Naquele ano, o chef rodava a capital em um carro servindo as redondas diretamente de um forno à lenha de ferro acoplado ao veículo.
O negócio deu tão certo que Shiroma se fixou no bairro Catete, de onde conseguiu expandir para bairros mais badalados da zona Sul carioca. Além das pizzas, seu cardápio contempla entradas, como pão de alho, feito na lenha com grana padano, muçarela e salsinha e Flor de Burrata (burrata na crosta assada, tomate, basílico e grana padano), além de uma carta variada de drinks autorais e clássicos.
Valorização da produção local
O chef Hugo Souza observa que, historicamente, São Paulo é o principal polo brasileiro quando se trata de gastronomia com projeção global. “Mas percebo que isso tem mudado, especialmente no Rio de Janeiro, que, de uns anos para cá, deslanchou gastronomicamente falando”, pondera.
Souza comanda a cozinha do Cantô Gastrô & Lounge, restaurante de comida brasileira do luxuoso resort Gran Hyatt Rio de Janeiro. Na avaliação do chef, esse cenário tem se transformado porque as casas do Rio de Janeiro valorizam a produção local sem perder de vista a inovação e a ousadia. “Buscamos elementos e fornecedores pequenos da região. A ideia é criar uma gama própria de ingredientes sem necessariamente recorrer a produtos de fora”, ressalta.
No cardápio do Cantô, Hugo Souza faz questão de não somente utilizar ingredientes típicos do Rio de Janeiro, mas também de fazer releituras de pratos célebres. É quase impossível pensar na comida de praia do Rio de Janeiro sem se lembrar dos biscoitos de polvilho Globo, por exemplo.
Por isso, o tartar de atum desenvolvido pelo chef acompanha um crocante feito inspirado receita original, salpicado com nori (folha de algas secas) e hondashi (tempero japonês à base de peixe). “O cardápio do Cantô segue a linha da culinária brasileira contemporânea. Queremos remeter à gastronomia e ao potencial que temos no Brasil, especialmente no Rio, e mostrar isso para o mundo. Faço releituras, principalmente de pratos conhecidos fora do país, utilizando ingredientes brasileiros”, acentua.
Outro destaque do cardápio que é o Mac’n’Uai, releitura do clássico americano mac and cheese. “Em vez de usar cheddar, usamos queijos mineiros. A ideia é sair daquela bolha do mac and cheese tradicional e mostrar que é possível criar algo diferente com ingredientes daqui. Isso desperta curiosidade nos estrangeiros. Eles pensam: ‘conheço mac and cheese, mas o que é esse Mac’n’Uai?’. Isso instiga a experimentação”, detalha. A carta de drinks, assinada por Alex Mesquita, também tem essa pegada, como o drink Açaí Sour, que leva, além do licor do fruto típico da Região Norte, suco de limão taiti, vermute seco, xarope de açúcar e emulsificante.
A chef pâtissier Paula Peixoto prepara as sobremesas do Cantô Gastrô & Loung e do Shiso, ambos do Grand Hyatt Rio de Janeiro, de olho nos ingredientes locais, mas sem perder de vista a gastronomia internacional.
Com a habilidade em transformar receitas simples em sobremesas complexas, ela elaborou, por exemplo, um prato com doces variados, com macarrons de laranja e de amora e bombons de limão-siciliano e de caramelo de cupuaçu. Mas o que enche os olhos dos hóspedes, que recebem o mimo em ocasiões especiais, é o Cristo Redentor. A miniatura da emblemática estátua do rio de Janeiro é feita chocolate belga e derrete ao toque na boca.
Gastronomia integral
Na avaliação do chef Gerônimo Athuel, à frente do restaurante Ocyá, a gastronomia do Rio de Janeiro é pujante porque há tanto um busca por novidade quanto apego aos detalhes. “É preciso se preocupar com o que o cliente está sentindo ao entrar no seu espaço: como ele é atendido, qual a imagem que ele tem da sua marca. Cada detalhe soma um ponto. Quando você alinha vários desses pontos, tudo fica mais redondo. No fim das contas, trata-se de cuidar de pessoas. Um dos nossos objetivos do restaurante é fazer com que o cliente se lembre que esteve aqui”, comenta Athuel.
É mesmo difícil se esquecer do restaurante que, no ano passado, foi recomendado pelo Guia Michelin e que conquistou a 96ª colocação no Latin America’s 50 Best Restaurants, em 2023. Para chegar no Ocyá, localizado na Ilha Primeira, é preciso pegar um barco que corta o canal do arquipélago da Barra da Tijuca. Chegando lá, a depender do horário, aprecia o sol que se põe no espelho d’água em uma das mesinhas ao ar livre. No cardápio, Athuel apresenta frutos-do-mar e peixes pescados por ele mesmo, hábito adquirido na infância.
No restaurante, ele ainda conserva uma grande câmara de maturação, de onde é possível observar os peixes ganhando novas texturas e sabores regulados por temperatura e umidade ideais. Na hora do preparo, o chef faz uso integral dos peixes. “Quando decidi trabalhar com cozinha, foi justamente por essa vivência com os peixes. A experiência de capturar, limpar, cozinhar... Daí surgiu minha vontade de cozinhar profissionalmente. O Ocyá nasce muito disso: da prática da pesca, do contato com o mar e também da relação com meus sócios, que também pescam, surfam, mergulham”, conta.
*A repórter viajou a convite do Grand Hyatt Rio de Janeiro