O escritor e dramaturgo paraibano Ariano Suassuna (1927-2014) costumava dizer que ser nordestino é ser plural. A frase, referência citada pela chef Irina Cordeiro, nascida em Natal (RN), traduz bem a forma como ela enxerga a própria trajetória. “Eu acho que meu foco é integralmente no meu fazer. São as ações que eu faço, são as culturas que eu aplico aos meus negócios, é a forma que eu conduzo minha vida, é a forma que eu enxergo o mundo e como eu desejo que ele seja”, afirma a chef, que também é empresária e criadora de conteúdo digital.

Vinda de uma realidade marcada por vulnerabilidades sociais, Irina encontrou na comida uma forma de amar e existir. Formou-se em enogastronomia e gastronomia antes dos 20 anos e, atualmente, comanda dois estabelecimentos em São Paulo: o restaurante Irina e o Cuscuz da Irina.


Ao ser questionada sobre o papel das mulheres na gastronomia, Irina inicialmente critica a ideia de destacar gênero e origem de forma isolada, afirmando que isso reforça divisões que deveriam ser superadas. “Uma coisa que a gente mais busca em relação à construção de gênero é essa não segregação, como é o papel do profissional da gastronomia”, disse.

No entanto, em seguida, ela própria ressalta sua identidade como mulher brasileira ligada ao Nordeste, definindo suas raízes como fonte de força criativa e expansiva: “As mulheres nordestinas têm que ser lidas e enxergada como forma plural. Como diria Ariano Suassuna, o ser nordestino é um ser plural, universal, e hoje em dia eu me leio muito mais como uma mulher brasileira, não para esquecer as minhas raízes, mas para que exista um entendimento coletivo de que eu possa estar onde eu quero estar”.

 

Vida

A potiguar relembra que sua infância foi vivida entre mulheres e panelas, cercada pela escassez alimentar – e foi nesse cenário que aprendeu a tratar o alimento como algo sagrado. Cada ingrediente tem um tempo, uma história e uma dignidade, cujo percurso é respeitado por ela. “Eu aprendi lá em casa a cuidar do ingrediente, desde seu cultivo, da sua criação, até a hora que ele chega na mesa”, disse.

Irina se tornou nacionalmente conhecida ao participar do “MasterChef Profissionais”, em 2017. No entanto, sempre reforça que o programa apenas amplificou um caminho que já vinha sendo construído. “O reality show só me deu voz para as coisas que eu já falava serem reverberadas. Minha percepção não mudou nada. Eu continuo fazendo a comida que preenche a minha alma, que tem o gosto das minhas raízes. Lá foi um agente expansivo do meu trabalho para que o mundo conseguisse enxergá-lo mais e, consequentemente, eu fosse mais valorizada”, relembra.

Em 2022, inaugurou o Cuscuz da Irina, na Vila Madalena, restaurante dedicado à diversidade do cuscuz e à memória das avós nordestinas. Dois anos depois, lançou o Irina Restaurante, no bairro dos Jardins, com foco em frutos do mar e brasilidade. “Eu lido e vejo a gastronomia como arte e, sendo dessa forma, eu costumo me inspirar e me espelhar em outros artistas”, conta a chef, que também é apaixonada por design, moda e artes plásticas. “O que me inspira é a arte popular brasileira, são as cozinhas intrínsecas de donas de casa, é a cozinha ainda preservada em sua origem, em sua raiz, é o que eu amo”, disse.

Definir a gastronomia brasileira em uma única frase, para ela, é impossível – e até injusto. A pluralidade de territórios é justamente o que torna a cozinha do país tão especial. “O Brasil é o país com a maior biodiversidade do mundo. Não dá para definir. Cada microrregião, cada pedacinho, vai ter a melhor tradução do que ela é. Eu acho que a gastronomia brasileira é rica – essa palavra descreve tudo”, acredita.

Homenagem

Em julho deste ano, Irina Cordeiro foi convidada para ser madrinha do Festival Fartura Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais. “Comida pra mim sempre foi cura, não tem comida sem entender desde sua origem até chegar à mesa. O que faz esse festival ser tão diferente dos outros é esse olhar generoso de dizer ‘vamos entender o que já passou e transformar isso numa potência, como ela deve ser vista’”, destaca.

 

 A chef Irina Cordeiro foi madrinha do Festival Fartura Conceição do Mato Dentro. Foto: Victor Schawner/Divulgação

 

Irina acredita que a culinária afetiva está menos no gesto de quem cozinha e mais na forma como o outro recebe. “Na prática, é continuar perpetuando isso: ensinar que é preciso cozinhar com amor, mas entender que isso não pode ser uma punição. A gente também vai ter que cozinhar nos dias em que não estiver bem, né? Acho que a comida afetiva é mais sobre como o outro recebe do que sobre como a gente dá – porque a gente só pode dar o que consegue”.


Depois de sua passagem por terras mineiras, Irina se prepara para uma nova fase: estruturar com estratégia a expansão do Cuscuz da Irina, além de uma nova unidade do seu restaurante. Mas tudo com calma. “Meu projeto recente é conseguir prosperar sem adoecer. Não existem projetos, existem sonhos”, finaliza.