Especial
A política social a serviço do voto
Para especialistas, governo se apropria do Bolsa Família e cria vínculo eleitoral; dados mostram que Dilma venceu nas cidades de pouca estrutura
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Analfabetismo e extrema pobreza, dependência do Bolsa Família e pouca oportunidade de ascensão. Esse é o perfil dos moradores dos municípios de Minas Gerais onde Dilma Rousseff obteve mais de 80% dos votos no segundo turno da eleição presidencial neste ano.
No mapa do Estado, 27 dessas cidades ficam na região Norte, acima do paralelo 19, que corta Minas Gerais de leste a oeste. Nessas localidades, dos 295 mil eleitores aptos a participar das eleições, 205 mil compareceram às urnas, sendo que 166 mil deles votaram em Dilma.
Se ampliarmos a margem de votos na presidente para 70%, o número de municípios cresce para 148, e se espalham pelo Estado – a maioria permanece no Norte, 47% (80), mas o perfil não se altera. Nesse horizonte alargado, os votos em Dilma somam então mais de 718 mil. Em Minas, a diferença da presidente reeleita para Aécio Neves foi de 550 mil votos.
Cidades com esse perfil se tornaram uma espécie de zona de segurança do voto, locais onde a expectativa dos cidadãos de perder o Bolsa Família se tornou questão essencial na hora de definir o candidato na urna. Sem porta de saída, resta o benefício. A ausência de governo, de políticas de desenvolvimento local para geração de riqueza e sustentabilidade, de orientação, todas essas variáveis tornam praticamente imutável o comportamento político dos beneficiários.
“O problema é como um governo se apropria das políticas sociais e consegue criar uma vinculação eleitoral com o Bolsa Família. Isso foi utilizado em todas as disputas eleitorais, inclusive neste ano, quando disseram que as pessoas corriam o risco de perder o benefício. É um uso indevido que fere a questão ética”, diz Murilo Fahel, sociólogo e pesquisador da Fundação João Pinheiro.
Para o cientista político Fábio Wanderley Reis, o assistencialismo existe há tempos, mas agora o debate social está mais presente, de forma “inédita”. “O medo de perder o benefício é um dos elementos usados eleitoralmente”, afirma.
Esse mecanismo se traduz em bolsões que não produzem riqueza e dependem apenas da transferência de renda para sobreviver. “O clientelismo político sempre foi feito pela relação de indivíduos, como na época do coronelismo. Não podemos dizer que as políticas sociais geram a mesma relação, elas são de natureza institucional, avançam com perspectiva de política de Estado, têm perenidade, têm critérios claros. Mas eu diria que a forma como você se apropria da política social eleitoralmente pode ser clientelista ou não. Se você divulga que determinado partido vai acabar com o Bolsa Família, isso é uma forma de clientelismo eleitoral”, justifica Fahel.
“Já se sabe há algum tempo qual a base socioeconômica do voto em Lula desde 2006 e também em Dilma, ou seja, que há uma clara correlação entre esse voto e a posição socioeconômica dos eleitores – quanto mais se desce na escala socioeconômica, maior é o voto Lula/Dilma –, com as projeções espaciais ou geográficas disso. Essas projeções acontecem no plano nacional, principalmente no caso Nordeste versus Sudeste/Sul, e se reproduzem no caso de Minas”, explica Wanderley Reis.
Segunda categoria. No levantamento feito por O TEMPO, as 27 cidades do Norte de Minas onde Dilma obteve mais de 80% dos votos apresentam quase que uma dependência total do Bolsa Família. Segundo o Portal da Transparência e a Caixa Econômica Federal, todos os 27 municípios possuem mais de 50% de famílias beneficiadas pela transferência de renda. Em Minas, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 1,15 milhão de famílias foram beneficiadas com o Bolsa Família em novembro de 2014 – o total de repasses no mês chega a R$ 181,5 milhões.
Outro lado. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome informou, por meio da assessoria de imprensa, que “repudia qualquer uso indevido do programa”.