No cinema, o fetiche por procedimentos estéticos foi tematizado recentemente em ao menos dois filmes de horror corporal, ou body horror, subgênero do terror que recorre a cenas explícitas, de transformações e mutilações do corpo humano, para impactar os espectadores. Em “A Substância”, de Coralie Fargeat, atualmente em cartaz, de certa maneira, são os padrões de beleza e a ideia de juventude eterna que assombram a protagonista. Já em “Crimes do Futuro” (2022), de David Cronenberg, as intervenções corporais, principalmente as mais invasivas, alcançam status de arte em um futuro distópico, em que as pessoas perderam a capacidade de sentir cor.

Longe da ficção, os procedimentos estéticos mexem com fantasias outras, se elevando, para muita gente, à condição de um sonho – em vez de causar a sensação aflitiva que os filmes de Coralie e Cronenberg provocam. Dá para harmonizar rosto, ganhando boca, queixo, refazendo o desenho dos olhos, para aumentar ou diminuir seios, esculpir o abdômen, remodelar o bumbum… Há opções para todos os gostos, inclusive, procedimentos íntimos, que, segundo profissionais ouvidos pela reportagem, figuram entre os queridinhos do momento. Na ala feminina, intervenções como o “rejuvenescimento vaginal”, que O TEMPO explicou no mês passado. Já na ala masculina, há a faloplastia, que atende também por harmonização peniana, e mira, via de regra, dar mais volume ao órgão por meio da aplicação de um tipo de ácido hialurônico específico para a injeção genital.

Embora venha se tornando cada vez mais popular, buscas em sites ou conversas com profissionais que realizam a faloplastia atestam como as informações sobre a intervenção são ainda muito desencontradas. Enquanto a maioria das pesquisas aponta para um ganho de até 5 cm, há sites que falam em aumentos vultuosos, de até 10 cm, provocando a desconfiança de urologistas, que alertam para uma profusão de promessas mirabolantes e pouco factíveis. Caso de profissionais que, ao divulgar os benefícios do procedimento, argumentam que ele resolve questões como a ejaculação precoce, aumentando a “potência sexual” e o “tempo na cama”. “É mentira”, adverte o urologista e andrologista Yuri Lobato, especialista em saúde sexual e estética peniana. “O preenchimento adequado em nada muda a sensibilidade, a potência ou a ejaculação, porque a aplicação não é feita na glande”, detalha.

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O médico reconhece que, no mosaico de alternativas estéticas pensadas especificamente para o pênis, a faloplastia, com uso de ácido hialurônico, é, de fato, mais segura e apresenta melhores resultados na comparação com outras intervenções. “Materiais definitivos e artificiais como o PMMA e o silicone ou a injeção de gordura autóloga no pênis tem mostrado resultados disformes a curto e médio prazo que demandam correções cirúrgicas com complicações graves como necrose de glande”, explica, inteirando que, por ser uma substância que existe naturalmente no corpo humano, o ácido hialurônico permite uma consistência bem similar a do pênis e, por ser absorvível, garante a plasticidade e segurança necessária para um resultado adequado. 

Não significa, porém, que a novidade está isenta de riscos. “Não basta fazer um preenchimento com o material adequado. A técnica utilizada para colocação desse ácido e a escolha correta do tipo de substância aplicada são essenciais para um resultado cosmeticamente adequado. O ácido hialurônico injetado no local errado pode ser igualmente danoso, causando consequências com disfunção erétil grave e fibrose de corpo cavernoso”, situa, aconselhando que o preenchimento seja feito por profissionais habituados à anatomia do pênis. 

Mitos e verdades

No Rio de Janeiro, no mês passado, o Congresso Internacional de Medicina Sexual recebia diversas mesas redondas e palestras que, apresentando uma série de casos clínicos, reforçaram a tese de que a faloplastia seria uma opção segura e eficaz de aumento de volume peniano, quando executada por profissionais bem qualificados. Mas, afinal, o que se sabe, hoje, à luz da ciência, sobre a harmonização peniana? Os ganhos de volume do procedimento estão restritos a espessura ou há também crescimento em relação ao comprimento? Os resultados duram quanto tempo e qual é, em média, o investimento inicial?

Essas e outras tantas dúvidas foram levadas pela reportagem ao urologista Yuri Lobato, que participou do mencionado congresso e acompanha, há anos, os debates em torno do tema. Ele explica que o procedimento de preenchimento peniano tem resultados que melhoram o volume do pênis, resultando em um aumento do calibre do órgão tanto no estado ereto quanto no flácido e, em alguns casos, no aumento do comprimento no estado flácido. “O aumento de comprimento no estado ereto não é possível com uso de ácido hialurônico”, determina, desmentindo promessas facilmente encontradas ao pesquisar sobre o tema na internet.

O que ocorre, explica o especialista, é que aqueles pênis do tipo “grower”, ou seja, aqueles que retraem e encolhem muito quando estão flácidos, podem encolher menos com uso do preenchimento, apresentando um aspecto mais comprido em detumescência. “Esse resultado tem sido buscado muito por homens que não se sentem confortáveis em tomar banhos em locais de uso comum como vestiários e academias, ou mesmo por aqueles que não se sentem confortáveis em usar sungas e shorts de banho”, indica, detalhando que o investimento inicial, em média, gira em torno de R$ 6.000, mas vai variar muito, dependendo, por exemplo, da quantidade de ácido aplicado.

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Aliás, é provável que o mercado de insatisfeitos, buscando “correções” no órgão, seja relevante. Nos Estados Unidos, por exemplo, um estudo publicado em 2013, recorrendo a uma amostragem representativa de homens de 18 a 60 anos, identificou que no geral, a maioria deles tem uma avaliação positiva sobre seus próprios genitais. No entanto, 24,6% expressaram algum desconforto em deixar um profissional de saúde examiná-los e cerca de 20% relataram insatisfação com o tamanho. No Brasil, não há levantamentos confiáveis sobre o tema.

Sobre o tempo de permanência do ácido no corpo, Lobato informa que, em média, a duração é de dois anos – e tende a ser menor se houver atividade sexual intensa. “Em um ano o paciente pode requerer um retoque do volume perdido para retomar o ganho que teve no primeiro preenchimento”, recomenda. Quanto ao ganho, ele expõe que tudo vai depender da quantidade de ácido utilizada e do tamanho “original” do pênis. “Podem chegar a até 6 cm de circunferência, em casos extremos, mas deve-se sempre respeitar uma harmonia entre a glande e o corpo do pênis para não gerar um resultado desproporcional e disforme para o paciente”, situa.

Indicação médica x estética

Ao falar sobre a harmonização íntima masculina, Yuri Lobato defende ser preciso separar o que é indicação médica de estética. “As indicações médicas, no meu entender, são aquelas que o órgão tem uma assimetria importante que gera transtornos psicológicos ao paciente e naqueles casos de micropênis (quando o órgão possui, em ereção, menos de 7 cm) em adjuvância (tratamento que se realiza após um procedimento principal) a uma abordagem cirúrgica”, cita.

“Outra indicação médica interessante é em paciente que colocaram prótese peniana: nesses pacientes a colocação da prótese acaba gerando uma perda significativa no calibre do pênis que deixa o paciente muito insatisfeito, assim o ácido hialurônico é uma possibilidade de restaurar essa perda”, complementa. 

Já, do ponto de vista estético, o médico diz não ver problemas na realização do procedimento se o paciente realmente tiver um pênis abaixo da média e isso o afetar, do ponto de vista psicológico ou gerando incapacidade de satisfazer a parceria, contanto que seja feita de forma segura por um profissional qualificado e que esse paciente não tenho um transtorno dismórfico corporal, caracterizado por uma preocupação excessiva do indivíduo com defeito percebido na sua aparência física que, na verdade, não é aparente ou aparece apenas ligeiramente para outras pessoas.

Preocupação legítima x falocentrismo

Lobato ainda defende que a abordagem, no caso de pacientes que desejam a realizar a faloplastia, deve ser feita por um profissional que consiga numa anamnese identificar se a queixa é legítima para insatisfação do paciente ou não. Preferencialmente, diz, um médico urologista, andrologista. “Na nossa abordagem, ouvimos não só a história sexual como também social desse paciente, o meio que está inserido, a relação dele com sua parceira, as situações em que ele se sente constrangido, etc.”, detalha, comparando a situação com a busca de mulheres por um cirurgião plástico a fim de colocar uma prótese de silicone. 

“No início das colocações de próteses, também nos questionávamos se justificaria uma abordagem cirúrgica para ter um seio maior, hoje já entendemos isso de maneira mais natural. Quando o alvo é a estética peniana, a história se repete. Nossa experiência mostra mesmo que essa autoestima pode ser melhorada com o preenchimento”, sugere. Mas ele mesmo, em seguida, faz uma ressalva: “Vivemos em uma sociedade falocêntrica onde o tamanho do pênis ganha protagonismo em situações indevidas. O prazer que o homem pode proporcionar em uma relação sexual vai muito além do calibre do seu pênis e os referenciais de normalidade estão muito adulterados em uma sociedade que esta inundada de pornografia e objetificação dos corpos”.

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A obsessão pelas dimensões fálicas, aliás, ganha contornos explicitamente competitivos em Belo Horizonte, neste sábado (19), quando a cidade recebe a sua primeira edição do concurso “Mister Berinjela”, promovido pelo bar Dédalos, que se classifica como “o melhor ponto de encontro entre homens. Proibido para menores de 18”. Na segunda etapa do certame – a primeira aconteceu em São Paulo, no início do mês –, os candidatos concorrem ao título de membro de mais expressivo calibre, podendo faturar R$ 1.200 em premiação. A princípio, nada impede que pênis harmonizados participem.

Seja como for, quando falamos em procedimentos estéticos, “o sarrafo da segurança tem que ser elevado para justificar a realização de algo seguro para um resultado adequado”, defende Lobato. “O ácido hialurônico abriu uma possibilidade seguro de estética peniana que, pela primeira vez, está sendo abraçada pela comunidade médica com amplas ressalvas, ou seja, parece ser uma ferramenta útil para tratar pacientes bem indicados por profissionais habilitados e gabaritados com resultados satisfatórios”, inteira, reconhecendo que, como os espectadores de “A Substância” e “Crimes do Futuro”, também sente um arrepio na espinha diante do evidente aumento da busca por intervenções estéticas. “Vejo o fenômeno com alguma preocupação, principalmente, devido a imensa oferta do mesmo por profissionais que não tem formação especializada no tratamento cirúrgico do pênis e nenhuma prática na correção das complicações que possam advir dele”, alerta.