Lançada há mais de um quarto de século, a série “Sex and the City”, que acompanha as aventuras de quatro amigas nova-iorquinas na virada do milênio, voltou à pauta ao entrar no catálogo da Netflix e ser redescoberta – e problematizada – por uma nova leva de espectadores, formada, principalmente, por pessoas que eram muito jovens ou sequer haviam nascido quando o título estreou na TV.
Elogiada por apresentar, sem filtros, um ponto de vista feminino – mas também branco, norte-americano e de classe média-alta – sobre temas diversos, incluindo aqueles que permaneciam cercados de tabus, a produção apresenta, em sua primeira temporada, o dilema de Samantha, que sofre ao descobrir que o homem com quem está se envolvendo, James, tem o pênis pequeno – deixando suas amigas compadecidas com a situação.
Evidentemente, a polêmica sobre se o tamanho do órgão genital importa é muito anterior à série. Uma questão que, muitas vezes, é tratada como menos uma preocupação feminina e mais uma neurose que orbita o universo masculino – e aqui, evidentemente, o debate fica limitado às vivências cisgênero. É com essa lógica que “Sex and the City” rompe ao indicar que as dimensões podem, sim, ser um requisito valorizado por mulheres interessadas em relações heterossexuais.
— CINEMA 505 (@CINEMA505) June 30, 2024
De fato, uma pesquisa realizada por estudiosos da Universidade Nacional da Austrália, divulgada em 2013, encontrou correlação entre as preferências femininas e as dimensões do pênis. A investigação relacionou o tamanho do órgão a outras duas características consideradas, de acordo com investigações anteriores, fisicamente atraentes para corpos masculinos. A conclusão é que a altura e a proporção entre largura dos ombros e quadris foram preteridos em relação a genitálias maiores, mesmo em repouso.
Outro levantamento, feito em 2015 por estudiosos da Universidade da Califórnia, indicou que as preferências teriam ligeira variação a depender do tipo de relacionamento que estava sendo proposto: para relações de longo prazo, as entrevistadas escolhiam um órgão de 15 cm a 16 cm; para encontros casuais, o tamanho ideal seria ligeiramente maior, tendo cerca de 16,3 cm. Não há levantamentos relevantes sobre o tema no contexto de relações entre pessoas LGBTQIA+.
Curiosamente, se os estudos mostram que o tamanho pode ser um atrativo, há indicativos de que, para mulheres que estão em um relacionamento, as dimensões do órgão parecem não importar tanto. É o que pontua a psicóloga e sexóloga Laís Ribeiro ao citar estudos internacionais, segundo os quais, em média, 85% das mulheres estão satisfeitas com o tamanho do pênis do parceiro. Em contrapartida, apenas 55% deles estão plenamente felizes com as medidas do próprio órgão. Mais uma vez, não há investigações que forneçam dados sobre essa dinâmica em relações hétero ou cisdivergentes.
Os dados estão alinhados com a experiência clínica do urologista Luiz Otávio Torres. Em entrevista a O TEMPO sobre o tema, ele relata que, na maioria das vezes, os pacientes são levados ao consultório motivados não por uma insatisfação de suas parceiras ou de seus parceiros, mas, sobretudo, por uma cobrança autoimposta. “Esses homens gostariam de aumentar o pênis para trocar de roupa no vestiário, para exibir um genital grande, algo que, no imaginário, está relacionado a mais força e melhor performance sexual”, argumenta, lembrando que boa parte das queixas diz respeito ao órgão flácido – situação em que, biologicamente, o pênis não tem função sexual, apenas excretora.
Organização cria ranking do pênis por nacionalidade
Como se não bastasse a polêmica sobre se o tamanho do pênis importa – e para quem importa –, há também as listas que, ano a ano, tentam calcular as dimensões médias do órgão em diferentes países – e fomentam ainda mais tais discussões. O caso mais recente foi uma publicação do World Population Review, que, neste ano, estimou que o órgão humano varia de 12,9 cm a 13,92 cm. O estudo ainda refuta a crença de que haja uma correlação entre altura, tamanho das mãos ou dos pés e o tamanho do membro.
A média geral indicada pela organização foi calculada com base em um ranking de locais com maior tamanho médio do órgão que reuniu 142 países. Na dianteira, estão Sudão (17,95 cm), República Democrática do Congo (17,93 cm) e Equador (17,59 cm). Já na lanterna, Tailândia (9,43 cm), Coreia do Norte (9,60 cm) e Camboja (9,84 cm). O Brasil está na 20ª posição (15,70 cm).
A própria entidade, porém, alerta que os dados não são plenamente confiáveis, asseverando que “toda lista de tamanhos médios de pênis no mundo provavelmente está incorreta”, pois as técnicas de medição podem variar em cada país. Há a possibilidade, por exemplo, de alguns países optarem pela autodeclaração, mais imprecisa, enquanto outros vão realizar medições laboratoriais.
Tamanho vs satisfação
Fisiologicamente falando, Luiz Otávio Torres é categórico: “Com exceção do micropênis, que, ereto, terá menos de 7 cm, acarretando problemas funcionais, a verdade é que mais ou menos centímetros não implicam um fator para uma boa desenvoltura no sexo”, crava, garantindo que as medidas do membro interferem minimamente no prazer. “Basta perceber que, com a ponta do dedo, a mulher pode se masturbar e alcançar o orgasmo. Além disso, a vagina se acomoda ao pênis, de maneira que suas paredes se amoldam ao seu formato”.
Ele lembra que, em média, a profundidade do canal vaginal é de 8 cm, alcançando até 15 cm quando estimulado. Mesmo assim, ressalta que, para a maioria das mulheres, a área de maior sensibilidade está localizada na parte anterior do órgão – ou seja, nos primeiros 5 cm do canal. O mesmo vale para o sexo anal. O canal do reto tem profundidade média de 17 cm e pode sofrer lesões.
No caso do pênis, o urologista expõe ser um consenso médico que o tamanho médio seja de 14 cm, variando entre 10,5 cm e 17 cm. “Quando são maiores, podem até gerar algum incômodo”, diz. Ironicamente, esta é também uma queixa de Samantha: a mesma personagem de “Sex and the city” que, na segunda temporada, após terminar o relacionamento com James por considerar seu membro muito pequeno, vai se queixar de um parceiro cujo pênis é grande demais até para os padrões dela.
Cultura vs preferências pessoais
O interesse pelo tamanho do pênis, que alimenta a indústria de perigosas cirurgias experimentais e de suspeitos suplementos que prometem milagres, não é novo. Há, inclusive, evidências que, no passado, essa lógica já existisse, mas com sinais trocados. No caso dos gregos antigos, por exemplo, eram os membros pequenos os mais valorizados, sendo sinal de civilidade, enquanto, para a sociedade contemporânea, os grandes são, normalmente, vistos como símbolo de virilidade e potência. Mas, claro, ainda que sofram influência da cultura, preferências são, ao fim e ao cabo, muito pessoais.
“O fato é que vão existir pessoas que têm preferência divergentes daquele ideal que está posto, mostrando que há uma margem de agência, uma margem subjetiva que nem sempre obedece ao que é padrão na sociedade”, aponta o psiquiatra Vinícius Moreira Lima, que estuda gênero, sexualidade e masculinidades.
De fato, é possível encontrar representações positivas de genitais maiores mesmo em civilizações que valorizam mais os menores, assim como é possível, hoje, encontrar pessoas que preferem os pequenos. Um público que se anima ao esbarrar, por exemplo, com a conta adulta de um engenheiro mineiro de 38 anos, que contou à reportagem vir recebendo um número crescente de propostas desde que passou a falar abertamente sobre o tamanho do próprio genital.
“O fato de eu ter um pênis pequeno foi virando um fetiche para mim. Então, o perfil serve para alimentar esse fetiche e, ao mesmo tempo, tem uma função catártica, no sentido que me permite colocar isso para fora de maneira mais prazerosa”, diz. “(Desde então), o número de pessoas interessadas por mim aumentou absurdamente – tanto afetivamente como sexualmente”, completa, ponderando que o debate sobre se “tamanho importa” pode ganhar mais camadas a partir da experiência de pessoas como ele. Nesse sentido, ele lembra de uma série de posts, em tom de desabafo, que um homem gay norte-americano fez na rede social X (antigo Twitter).
“Estou sendo inundado com um monte de mensagens diretas e comentários sobre como ‘tamanho não importa’. E eu simplesmente não acho que vocês estão entendendo”, escreveu ele na thread em que finaliza argumentando que, para algumas pessoas, “os pênis pequenos melhoram a experiência sexual justamente porque são pequenos e, portanto, seu tamanho importa”.