“Eu sinto que renasci, como uma fênix que ressurge das cinzas”. É assim que a cirurgiã-dentista Aline Munhoz, 49, se define desde que realizou, há um mês, a cirurgia de explante de silicone em bloco. Ela havia colocado as próteses nas mamas havia 16 anos, algum tempo depois do nascimento da filha caçula. De início, celebrou os ganhos em autoestima que percebeu desde o procedimento estético, mas algo já a incomodava. “Notei que havia uma pequena assimetria, nada que chamasse a atenção, mas não estava perfeito”, lembra, reconhecendo que preferiu não se queixar. “Algumas pessoas da família foram contra, então achei melhor não voltar a falar disso”, admite. 

Alguns anos após o implante, Aline sentiu uma das mamas enrijecida, mais dura. “Mas, na época, se falava pouco sobre efeitos adversos. Imaginei que fosse normal”, cita. E, com o passar do tempo, a assimetria começou a ficar mais perceptível e incomodar. Além disso, passou a sentir dores na região dos seios. Os sintomas são de uma contratura capsular, uma reação do organismo que ocorre em cerca de 3% dos casos de uso de silicone. “A formação de uma cápsula em torno da prótese de mama é um processo natural, que ocorre como um mecanismo do corpo para isolar o material. Quando essa espécie de cicatrização interna é mais forte, temos a contratura, que pode ser leve, de forma que a pessoa vai conviver com isso por muitos anos sem problema, ou pode gerar dores, sendo necessário o explante ou a troca da prótese”, explica Kennedy Rossi, cirurgião plástico e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica em Minas Gerais (SBCP-MG).

A assimetria, a rigidez e as dores na mama foram problemas que, desde o início, a dentista relacionou ao fato de ter passado pelo procedimento estético. O que não imaginava é que diversos outros distúrbios também pudessem estar associados à presença do silicone em seu corpo. “A cada hora, nos últimos meses, eu tinha um sintoma diferente. Os mais comuns eram as dores no corpo inteiro, a dificuldade de dormir, uma queda de cabelo intensa, a sensação de fadiga permanente e a descamação da pele”, conta Aline, que ainda não sabia que todas essas manifestações constam entre as mais de 40 da síndrome Asia, sigla em inglês para síndrome autoimune induzida por adjuvantes, em que há manifestação de diversos sintomas causados por uma reação autoimune à prótese de mama.

Entidade quer representar e acolher vítimas de complicações do silicone

Ao relato de Aline Munhoz, juntam-se tantos mais, principalmente de outras mulheres, que também dizem ter observado uma melhora clínica de quadros de saúde variados após a retirada do material sintético de seus corpos. Com objetivo de divulgar estudos que apontam problemas relacionados ao uso de silicone, denunciar situações de negligência e acolher aquelas que sofreram com complicações, um grupo de 15 pessoas, entre elas a ex-BBB Amanda Djehdian, fundou, neste ano, a Associação de Conscientização sobre Explante, Implante, Toxicidade e Adjuvantes (Aceita).

“Queremos, em primeiro lugar, ser tratadas com respeito. Muitas vezes, os reveses que sofremos por causa do silicone são tratados como algo menor, como ‘doença de blogueira’, ou ‘doença da moda’, até mesmo por profissionais da saúde. Além disso, queremos pressionar órgãos ligados ao Ministério da Saúde para que haja maior divulgação e alerta sobre os riscos das próteses”, explica a presidente da entidade, Larissa de Almeida, 37, fazendo menção à síndrome Asia. Ela detalha que, antes da criação da associação, o grupo já vinha de uma intensa mobilização nas redes sociais.

A presidente da Aceita revela já ter sofrido com efeitos adversos de próteses. “Coloquei aos 29 anos e retirei aos 35. Nesse intervalo, desenvolvi uma série de sintomas que nunca imaginei que fossem causados pelo silicone, como fadiga crônica, perda de memória, problemas cognitivos, perda de cabelo e secura nos olhos. Vi minha saúde indo para o ralo. Quadro que só foi alterado após o explante em bloco (quando a prótese e a cápsula protetora, formada pelo próprio organismo, são retiradas)”, relata.

A semelhança entre os relatos de Larissa de Almeida e Aline Munhoz impressiona. No caso da cirurgiã-dentista, ainda sem supor uma relação entre os outros sintomas e a presença do silicone no corpo, ela acreditava que a troca do material seria suficiente para aplacar os problemas por ela percebidos. Mas, quando estava tudo certo para que realizasse o procedimento de manutenção, ela não pôde ir: Aline estava internada em um hospital, com suspeita de Covid-19. “Ninguém descobria o que eu tinha. Sempre ia e voltava, até que, depois de perder 12 kg em uma semana, fui internada. Foi pedido um exame de tireoide, e descobriram que era uma crise”, narra, fazendo menção à complicação mais grave do hipertireoidismo, cuja taxa de mortalidade chega a 30%.

Foi depois desse susto que um endocrinologista indicou a ela que o seu quadro se assemelhava a outros da síndrome Asia. Então, recebeu a recomendação de retirada das próteses. “Foi muito ruim ouvir isso, mas não tive alternativa”, pondera. Dez dias depois, realizou o explante. Em uma semana, já notava melhora de alguns sintomas. “Meu cabelo deixou de cair excessivamente, minha pele parou de descamar”, garante. Agora, um mês após a cirurgia, ela, que já vinha cultivando um estilo de vida saudável, começa a retomar sua rotina de atividades físicas. “De novembro do ano passado até a operação, minha vida parou”, diz, emocionada.

Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica recomenda cautela

O cirurgião plástico Kennedy Rossi, membro da SBCP-MG, percebeu um aumento sutil no número de explantes de próteses de silicone nos últimos anos. Ele lembra que ainda não existem estatísticas sobre o tema no Brasil. Contudo, o profissional não acredita que essa ampliação da demanda pelo procedimento esteja necessariamente ligada a casos da síndrome Asia. “A retirada não ocorre só por causa do problema. Tem pacientes que colocam, mas não se adaptam, outros têm episódios de contratura e preferem, em vez de fazer a troca, remover a prótese”, expõe.

Rossi lembra que, nos Estados Unidos, a FDA (agência que regula medicamentos e alimentos) proibiu os implantes de silicone em meados da década de 90, mas que, em 2006, a decisão foi revertida. “Na época, havia a preocupação de que as próteses aumentassem o risco de câncer e doenças autoimunes. Contudo, nenhuma pesquisa apontou evidências de relação entre o procedimento estético e essas condições de saúde, e por isso a substância voltou a ser permitida”, diz. À luz dessa experiência, ele recomenda cautela e que se evite fazer alarde sobre outras “doenças do silicone”. “Temos certa preocupação porque notamos que essas informações têm vindo de um meio leigo, e não científico”, pondera. 

O cirurgião reconhece que, em alguns casos, a ocorrência de doenças autoimunes pode estar relacionada à presença de próteses. Mas sinaliza que esses casos seriam raros. “Qualquer corpo estranho pode gerar uma reação autoimune do corpo, o que, por outro lado, não significa que exista uma relação direta e que o silicone seja o causador do problema”, analisa, complementando que os sintomas relatados são inespecíficos e subjetivos, sendo difícil indicar apenas um fator desencadeante. Ele ainda sublinha que nem sempre o explante em bloco resulta em uma melhora das pacientes.

Recomendação. Até que se saiba se e em que medida o material potencializa o risco do acometimento de doenças autoimunes, Kennedy Rossi defende que pacientes e cirurgiões discutam cada caso. “Se a pessoa já apresenta quadro de desordem no sistema imunológico, onde o próprio corpo passa a atacar determinadas regiões do organismo, ele pode ser alertado”, opina, lembrando que, mesmo nessas situações, não há contraindicação formal para o procedimento.

Resposta. Assim como a Aceita, entidades médicas também têm recorrido às redes sociais para falar ao público sobre a Síndrome Asia. Conjuntamente, a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) e a SBCP têm produzido conteúdo sobre o tema.

Especialista acredita que explantes serão cada vez mais comuns

Em 2019, segundo levantamento da Sociedade Americana de Cirurgia Plástica (ASPS, na sigla em inglês), 299 mil mulheres colocaram silicone nos Estados Unidos, enquanto 33 mil fizeram sua retirada. Em comparação aos números de 2018, a demanda pelo primeiro procedimento caiu 4%. Já a procura pelo último subiu 15%. Os dados batem com a análise do endocrinofisiologista Leandro Almeida, que vem se dedicando ao estudo de possíveis reações do corpo à presença das próteses.

“A retirada do silicone vem se ampliando e se tornando cada vez mais comum”, avalia, complementando que, não por acaso, o fenômeno vem sendo observado agora. “Colocar silicone se tornou uma prática mais comum a partir de 2005. E esse tempo, esses 15 anos que se passaram desde então, eu considero uma faixa-limite. Muitas não ultrapassam essa marca sem ter problemas”, avalia.

O profissional se opõe frontalmente a que mulheres e homens busquem por essa cirurgia estética. Mas ele reconhece que, em alguns casos, há ganho para a qualidade de vida, como no caso de mulheres que passaram pela mastectomia em razão do câncer de mama. No caso de se optar pelo silicone, ele aconselha: “Cuide-se, faça atividade física, adote uma dieta balanceada e busque levar uma vida moderada e saudável, porque, assim, possíveis complicações serão retardadas”.

Outras complicações. Além da síndrome Asia e da contratura capsular, o linfoma anaplásico de células grandes (ALCL, ou BIA-ALCL) e a toxicidade pelo próprio silicone são outros efeitos adversos das próteses no organismo. Todavia, a incidência desses problemas é considerada baixa.